Livro do historiador Emilio Franzina constrói biografia de combatentes de guerra anônimos
Em viagens pela Europa, é comum se deparar com ao menos um “Túmulo do Soldado Desconhecido”, monumentos erguidos em homenagem aos combatentes que morreram durante conflitos militares e nunca tiveram seus corpos identificados. Eles estão espalhados por praticamente todas as capitais europeias e também são encontrados em outros países, como Argentina, Estados Unidos, Egito, Japão, Iraque e Somália. A tradição do “Túmulo do Soldado Desconhecido” foi iniciada no Reino Unido após a Primeira Guerra Mundial, quando o corpo de um combatente do exército britânico sem origem identificada foi enterrado na abadia de Westminster, em 1920. Hoje, entre os monumentos mais famosos, estão o túmulo sob o Arco do Triunfo, em Paris, e o monumento Altare della Patria, na Piazza Venezia, em Roma.
É em torno deste personagem de guerra que gira o livro A história (quase verdadeira) do Soldado Desconhecido – Contada como uma autobiografia, do historiador italiano Emilio Franzina, que acaba de ser lançado no Brasil pela editora Martins Fontes. A trama acompanha o dia a dia de um soldado brasileiro de origem italiana, que parte para a Europa para combater na Primeira Guerra Mundial. Seus pais vieram da região do Vêneto e se estabeleceram no interior de São Paulo no início do século XX para trabalhar em uma fazenda de café. O desejo de conhecer o país de seus antepassados leva o jovem a alistar-se no exército italiano para lutar contra o Império Austro-Húngaro.
Fruto de uma extensa pesquisa histórica, o livro constrói a figura do soldado desconhecido com base em documentos, certidões, cartas enviadas pelos combatentes a familiares e amigos, diários e outros registros da época.
— Não inventei nada. Quis recriar a história do soldado desconhecido com base em fatos reais, vividos por rapazes que realmente estiveram na guerra — explicou Franzina, que esteve no Brasil em junho passado para o lançamento da obra em português.
A escolha de um jovem filho de imigrantes não foi por acaso. O autor, que é professor titular de História Contemporânea da Universidade de Verona, no norte da Itália, é um dos maiores especialistas em emigração italiana. Franzina é fundador e diretor do Arquivo Histórico da Emigração Italiana e também escreveu o livro A Grande Emigração, dedicado à vinda de italianos da região do Vêneto para a América do Sul nas últimas décadas do século XIX.
Com uma formação sólida sobre o tema, é natural que seu novo livro seja capaz de traçar um amplo retrato sobre a imigração italiana no Brasil e no mundo e sobre a vida na Itália na época da Primeira Guerra.
— Essa não é a história de um soldado em particular. É a história de 12 mil brasileiros de origem italiana que decidiram lutar na guerra. Cerca de 300 mil imigrantes italianos de todo o mundo participaram do conflito. Dos sobreviventes, cerca de 90% retornaram a seus países, uma escolha difícil feita entre duas terras com as quais se identificavam — disse o autor.
Não foi só a vontade de conhecer a terra de seus antepassados que levou muitos recrutas a tomarem a decisão de se alistarem.
— São rapazes de 18, 20 anos, e muitos partem em busca de aventura, outros fogem de desilusões amorosas — disse Franzina.
O autor explicou ter escolhido o Brasil como terra de origem do jovem soldado devido à sua “grande paixão e simpatia pelo país” e também porque queria mostrar a trajetória de um jovem que parte para a Itália, mas está totalmente integrado em outro lugar. Segundo ele, esse não era o caso da maioria dos soldados ítalo-americanos ou ítalo-canadenses, que mantinham laços mais fortes com o país de origem de suas famílias. Franzina disse ter ficado surpreso com a popularidade que o livro alcançou na Itália, onde foi lançado em 2014, ano do centenário do início da Primeira Guerra.
— Estou acostumado com as baixas vendas dos livros de história, então para mim foi um sucesso — brincou.