Paralimpíada vai reunir no Rio quatro mil atletas de mais de 170 países em setembro, incluindo 278 brasileiros e 94 italianos
Rio 2016 é só Olimpíada? Não. No dia 7 de setembro, com abertura no Maracanã, até 18 do mesmo mês, a Cidade Maravilhosa vai ser sede de outro grande evento esportivo: os Jogos para portadores de necessidades especiais, a Paralimpíada, que vai reunir mais de quatro mil atletas de mais de 170 países. Brasil e Itália estão preparando-se seriamente para as competições, tanto ou talvez até mais do que para a Olimpíada. Vão ser 11 dias de disputas, com o total de 528 provas que darão 265 medalhas para homens, 225 para mulheres e 38 mistas.
Para fazer bonito em casa, o Brasil vai competir com sua maior delegação na história dos Jogos Paralímpicos: 278 atletas, sendo 181 no masculino e 97 no feminino. O objetivo do Comitê Paralímpico Brasileiro é ficar entre os cinco melhores no quadro geral de medalhas. Em Londres 2012, o país verde-amarelo ficou em sétimo, com 43 medalhas no total, 21 de ouro, 14 de prata, 8 de bronze.
Existem paratletas de fazer inveja a muitos “normais”. De todos os brasileiros, 44 de 11 modalidades já ganharam medalhas em Paralimpíadas anteriores. Vão estar no Rio verdadeiras feras, entre os quais três excelentes nadadores. Daniel Dias nasceu com defeitos congênitos nos braços e perna direita. Clodoaldo Silva teve paralisia cerebral durante o parto, o que lhe afetou o movimento das pernas e lhe deixou com um pouco de falta de coordenação motora. Já André Brasil apresenta pequena deficiência na perna esquerda devido à poliomielite. No atletismo, Terezinha Guilhermina, com cegueira total, corre ao lado de um guia. Há modalidades em que o atleta precisa de ajuda. No mesmo esporte, Yohansson Nascimento nasceu sem as duas mãos, mas nem por isso deixou de tornar-se grande velocista. Isso só para citar alguns nomes.
Itália vem com
quase cem paratletas
As pretensões da Azzurra parecem menores do que as do Brasil, mas não são pequenas. O Comitê Paralímpico Italiano disse à Comunità que tem como objetivo mínimo igualar as 28 medalhas conquistadas em Londres há quatro anos, que valeram a 13ª posição no quadro geral. Atualmente a Itália ocupa a 11ª posição no ranking internacional e pretende ficar entre as dez primeiras no Rio. No total, virão 94 paratletas, entre 38 mulheres e 56 homens.
Martina Caironi, campeã nos 100 metros rasos na Paralimpíada de Londres, vai ser a porta-bandeira italiana no desfile de abertura. A atleta, que vai fazer 27 anos em 13 de setembro, sofreu um acidente automobilístico em 2007 que a obrigou a amputar a perna esquerda na altura do fêmur. Antes do acidente, ela jogava vôlei. Depois, mudou para o atletismo. É recordista mundial de sua categoria nos 100 (14s61) e 200 metros (32s29).
Histórias de superação não faltam. São tantíssimas e tantas possibilidades de medalhas também por parte da Azzurra. Alex Zanardi tinha sido piloto em várias categorias do automobilismo, chegou inclusive à Fórmula 1. Porém, uma batida na Fórmula Indy provocou amputação de suas pernas, em 2001. Mas não se deu por vencido. Já com próteses nas pernas, participou ainda de outras corridas de carros. Começou a participar de competições no chamado esporte adaptado em algumas modalidades e foi no paraciclismo que encontrou seu porto seguro. Na handbike, bicicleta movida com as mãos, colecionou medalhas entre as quais dois ouros e uma prata em Londres. É o italiano mais competitivo na sua modalidade no Rio. Zanardi, que em 23 de outubro vai completar 50 anos, não é apenas um excelente paratleta. Quem sintoniza a Rai Internacional pode vê-lo apresentando programas televisivos, entre os quais Sfide, que mostra deliciosas histórias do esporte.
Assunta Legnante, 38 anos, é outra que já competiu entre os “normais” e agora é uma das melhores paratletas italianas, especialista em arremessos. Teve bons resultados no lançamento de peso, mas, em 2009, com a vista deteriorada por um glaucoma congênito, acabou por mudar-se para o esporte adaptado. Campeã paraolímpica em 2012, também estabeleceu recorde mundial para sua categoria no lançamento de peso (17,32 metros), marca alcançada em 2014. É franca favorita para o ouro no Rio.
Beatrice Vio é outra favoritíssima ao ouro no florete da esgrima em cadeira de rodas. Manteve invencibilidade em dez provas da Copa do Mundo e agora prepara-se para a sua primeira Paralimpíada. A veneziana de 19 anos teve meningite aos 11. As infeções afetaram antebraços e pernas, que tiveram de ser amputados. Um ano depois do surgimento da doença, voltou a praticar esporte com próteses especialmente feitas para o florete — esporte com o qual ela estava familiarizada desde os cinco anos de idade.
Nadador Daniel Dias é a maior esperança brasileira
O para-atleta no qual o Brasil deposita suas maiores esperanças é um paulista de Campinas criado em Camanducaia (MG). Casado, dois filhos, aos 28 anos, Daniel Dias foi o brasileiro que mais conquistou medalhas nos Jogos: 15, dez de ouro, dos quais seis em Londres 2012; quatro de prata; uma de bronze, além de ser detentor de seis recordes mundiais. Exemplo dentro e fora das piscinas para paralímpicos, atletas e não atletas. Nasceu prematuro, após 37 semanas de gravidez, com má formação congênita nos braços e na perna direita.
Paulo Dias, seu pai, lembra que, quando o filho veio ao mundo, tudo era mais difícil para quem tinha alguma deficiência física:
— Naquela época não se falava em inclusão. Quando tinha cinco ou seis anos, o Daniel nos perguntou se os braços e a perna cresceriam, se ele ficaria igual ao tio dele. Nós respondemos que não. O principal, como o próprio Daniel disse, foi ele mesmo ter-se liberado do preconceito. Meu filho começou a praticar natação aos 16 anos, depois de ver os Jogos de Atenas. Aprendeu a nadar em oito semanas.
Na Paralimpíada de Atenas 2004, ele ficou impressionado com o nadador brasileiro Clodoaldo Silva, que se tornou seu exemplo no esporte. Naqueles Jogos, Clodoaldo ganhou seis medalhas de ouro e uma de prata.
Num evento na sede do Fluminense, em julho passado, Daniel conversou animadamente com um grupo de crianças:
— Estão vendo isso aqui na minha perna. É uma prótese. Alguém quer tocar? Querem ver uma medalha que eu ganhei? Olha aqui: está escrito também em braile para quem não enxerga poder tocar e ler. Quem tem um sonho aqui?
— Eu quero ser médica — dizia uma menina.
— Eu, professora — revelava outra.
— Então vocês têm de ir atrás de seus sonhos. Eu fui atrás do meu. Quem aqui nada? Quem aqui gosta de futebol? Quem gosta de pique-esconde? Então nós temos algumas coisas em comum. Eu brincava e quebrava muito minhas próteses e meus pais ficavam preocupados com razão — afirmava Daniel.
Daniel Dias já visitou a Itália em sua lua de mel, em 2012.
— Estive em Roma. Gostei principalmente das massas. Até engordei. Depois de Roma fui a Paris. Tenho um amigo italiano, não lembro o nome dele, que compete na minha categoria na natação, com quem converso um pouco em inglês, embora a gente não fale tanto essa língua — revela.
Em agosto, ele vai estar bem longe da Cidade Maravilhosa, preparando-se para as competições de setembro:
— Torcerei muito pelo Brasil, mas nem sei se vou poder ver os Jogos pela televisão. Minha preparação será em Sierra Nevada, Espanha, local ideal pela estrutura e também pela altitude, de 2.300 metros.
Daniel espera que o esporte paraolímpico abra portas também para outras pessoas que tenham necessidades especiais, além de preparar atletas para competições:
— Estou esperançoso que o Rio seja um exemplo para outras cidades do Brasil não só em matéria de esporte mas também para quem tem algum tipo de dificuldade. Por mais que eu ande, a rampa é mais fácil do que ter uma escada. A Paralimpíada pode ser um marco, mesmo deixando o lado esportivo de lado. Quem tem de tremer são meus adversários, quando eles virem aquele complexo aquático lotado.
Hoje, existe mais estrutura em relação à época em que o nadador começou no esporte:
— Não havia centro de treinamento paraolímpico e recentemente foi inaugurado o de São Paulo, um legado para o esporte adaptado que a Rio 2016 está deixando mesmo sendo em outra cidade. O centro consegue atender 15 modalidades. Em Tóquio 2020, a gente certamente vai colher os frutos disso — finaliza, otimista.