Primeira brasileira a sagrar-se campeã no salto em altura, Fabiana Murer fala de suas origens italianas, do período em que treinou no centro de atletismo de Formia e de como o convite para ser manager em seu clube a ajudou a superar a decepção nos Jogos do Rio
A 120 quilômetros de Roma, na província de Latina, uma pequena cidade já hospedou medalhistas olímpicos como a russa Yelena Isinbayeva, a italiana Fiona May e o francês Christophe Lemaitre. Atualmente, é ali que mora o brasileiro Thiago Braz, que quebrou o recorde olímpico do salto com vara e conquistou a medalha de ouro nos Jogos do Rio com a marca de 6,03m de altura. O Centro de Preparação Olímpica (CPO) de Formia também hospedou durante vários anos a ítalo-brasileira Fabiana Murer, bicampeã mundial, pan-americana, recordista brasileira e sul-americana do salto com vara. A atleta, que recentemente anunciou sua retirada das competições, falou à Comunità sobre a importância dos treinamentos que realizou em Formia para sua bem-sucedida carreira esportiva e sobre o seu futuro como gerente institucional do Clube de Atletismo BM&FBovespa, posto que deve assumir de maneira efetiva em 2017. Bisneta de italianos do norte do país, origem do sobrenome Murer, esteve em Formia pela primeira vez em 2003, mas naquela época o alojamento estava em reformas. Voltou um ano depois e fez uso das instalações integradas.
— Em 2004 e 2005, o alojamento estava aberto, e eu lá fiquei. Tive mais tranquilidade para treinar. É tudo integrado, inclusive o restaurante. É só acordar e caminhar um pouco para treinar. Fiz amizades com atletas do mundo todo. Tínhamos, todos, o mesmo objetivo — lembra.
A gastronomia italiana faz parte da rotina dos esportistas, ressalta Fabiana, que passava no local cerca de quatro meses ao ano entre 2005 e 2014.
— A comida de lá é excelente, mas diferente do que comemos no Brasil. Tem massa todo dia como primeiro prato, além de uma carne como segundo. Tem até que tomar cuidado porque é muito boa — comenta, sorrindo, a campeã mundial de 2010 e 2011, treinada por Elson Miranda, que é também seu marido.
Dessa época, ela guarda com carinho os passeios por Roma, cidade pela qual se apaixonou, Pompeia, Ischia e Montecassino.
— Sempre tentava ir a Roma quando eu tinha uma folga. Gostava muito da mistura do antigo e do moderno.
Na época, o técnico “mão de ouro” ucraniano Vitaly Petrov, que treinou Isinbayeva e Sergey Bubka, atuava como consultor da Confederação Brasileira de Atletismo.
— Foi por causa dele que fui treinar em Formia — revela.
Baseado até hoje no CPO localizado na Itália, Vitaly é o treinador de Thiago Braz, com quem Fabiana treinou.
— Ele, o Thiago, começou bem jovem, sempre se mostrou muito talentoso e se desenvolveu com meu treinador, Elson Miranda — afirma.
Centro de Formia possui as instalações integradas aos alojamentos
O complexo localizado na Região do Lácio reúne estruturas a céu aberto e cobertas, nas quais se podem praticar 20 disciplinas esportivas diferentes. O CPO abriga esportistas de nível internacional de modalidades como tae-kwon-do, esgrima, ginástica, levantamento de peso, karatê, boxe, judô, vela, vôlei de praia e tênis. Além dos alojamentos e do restaurante, há uma área especialmente equipada para sediar eventos e conferências — sem falar da estrutura para acompanhamento médico.
Com atletas de excelente nível de vários países do mundo, o ambiente é propício para preparações voltadas para as competições internacionais. Além disso, alojamentos e restaurantes integrados às instalações esportivas favorecem uma maior concentração.
— Do ponto de vista técnico, no Brasil, não temos do que reclamar, pois o país conta com diversos locais de ótimo nível técnico, como o BM&FBovespa. A diferença é que não existe alojamento integrado com restaurante, como em Formia, onde o atleta fica mais concentrado nos treinamentos — avalia Fabiana, nascida em Campinas (SP).
Na última década, governo federal apoiou o desenvolvimento do atletismo no Brasil, atesta Fabiana
Nos últimos dez anos, houve avanço no atletismo nacional, para o qual contribuíram subsídios assegurados durante os governos Lula e Dilma Rousseff, que sofreu impeachment no Senado no dia 31 de agosto.
— O governo federal deu apoio aos atletas, inclusive financeiro, forneceu material e construiu centros de treinamento nos últimos dez anos. Desde 2006, vários atletas receberam o Bolsa Pódio, uma nova categoria criada depois do bolsa atleta. Além disso, construíram campos de atletismo em diversos estados do país. E isso é um legado — avalia a esportista de 35 anos.
O Bolsa Atleta Pódio foi instituído através do Plano Brasil Medalhas pela lei nº 12.395, de 16 de março de 2011, com a finalidade de apoiar atletas com chances de disputar finais e medalhas olímpicas e paralímpicas. As bolsas variavam entre R$ 5 mil e R$ 15 mil. Entre os 465 brasileiros classificados para os Jogos, 77% eram beneficiados pelo programa. Das 18 medalhas do país no Rio, apenas no ouro da seleção masculina de futebol e no bronze de Maicon Siqueira, do tae-kwon-do, não houve dinheiro do Bolsa Pódio.
A “aposentadoria” de Murer foi anunciada oficialmente durante uma cerimônia de homenagem e premiação a atletas olímpicos na sede da BM&FBovespa, em São Paulo. Na ocasião, ela declarou que fez “uma carreira bonita, com muitas conquistas” e que foram muitos anos, difíceis, além de confirmar que a Rio-2016 foi sua última competição.
O convite do clube para assumir a função de manager esportiva ajudou a superar a decepção decorrente de sua apresentação nos Jogos do Rio. Ela não conseguiu se classificar para a final do salto em altura por conta de uma hérnia cervical e chorou copiosamente após derrubar o sarrafo nas três tentativas de superá-lo a 4m30 do chão. Após a prova, explicou à imprensa que a hérnia afetou a potência de seu braço esquerdo, impedindo que pudesse competir em sua melhor forma física.
— Foi um momento muito difícil, pois tive a hérnia um mês antes. Aos poucos fui superando… O convite do clube foi importante para superar tudo aquilo. Quero conseguir produzir algo dentro do esporte. Tenho muita experiência internacional, que adquiri através das competições e contatos com técnicos. É um novo desafio e meu grande objetivo é fazer o Brasil ganhar mais conhecimento técnico e dar possibilidade para os atletas competirem em outros países, pois a América do Sul é distante dos grandes centros de competição, situados na Europa e nos Estados Unidos — afirma Fabiana, que em breve vai fazer um curso de gestão esportiva no COB como preparação para assumir o cargo de forma efetiva em 2017. Entre as novas funções, estará o relacionamento com federações e confederações nacionais e internacionais.
Parceria Brasil e Itália faz bem ao esporte
Para o ministro do Esporte, Leonardo Picciani, o fato que o medalhista e recordista olímpico do salto com vara Thiago Braz treine e more atualmente na Itália, em Formia, confirma que a interação esportiva entre países é fundamental.
— Hoje em dia, uma atleta, para obter grandes resultados, tem que trocar experiências e competir com os melhores do mundo, em todos os cantos do planeta. Essa possibilidade de interação e intercâmbio esportivo é muito importante para o Brasil e também para que possamos receber atletas de outras nacionalidades aqui — disse à Comunità, durante visita à Casa Itália, nas Olimpíadas do Rio.