O embaixador italiano Antonio Bernardini apresenta-se com exclusividade à Comunità e conta quais são as suas prioridades e como a Embaixada está se preparando para apoiar a missão comercial italiana que acontecerá em novembro em São Paulo
Com apenas dois meses de mandato, o embaixador italiano em Brasília, Antonio Bernardini, concedeu gentilmente esta entrevista à Comunità, na qual descreveu os seus primeiros meses no gigante sul-americano que o acolheu “com um sorriso e grande calor”. Quando chegou à capital brasileira, em julho, Bernardini participou de eventos muito importantes, como a visita da vice-presidente da Câmara italiana dos Deputados Marina Sereni e a primeira visita do presidente do Conselho dos Ministros Matteo Renzi ao Brasil, além de ter acompanhado de perto as conquistas dos atletas olímpicos e paralímpicos italianos no Rio2016. O embaixador admite que o programa destes meses é intenso: no final de setembro, houve um seminário em Brasília dedicado à infraestrutura, do qual participou a ministra para as Reformas Constitucionais Maria Elena Boschi. Para novembro, já foi anunciada uma missão econômica com 300 empresários italianos em São Paulo.
Originário de Barletta, Bernardini declarou que se empenhará na promoção das regiões italianas menos conhecidas pelos turistas brasileiros, como a sua amada Puglia. Entre as prioridades de seu mandato comunicou que está também a defesa do Made in Italy no mercado brasileiro e o esforço para diminuir as longas filas de espera para o reconhecimento da cidadania italiana.
ComunitàItaliana — Desde julho o senhor é o chefe da diplomacia italiana no Brasil, um país com 30 milhões de descendentes. Quais são as prioridades de seu mandato?
Antonio Bernardini — O Brasil é um dos maiores países do mundo, por isso o mandato de um embaixador nesta nação é um mandato completo, talvez também complexo de certo modo. A tarefa de todo embaixador é desenvolver e melhorar as relações entre os dois países. No caso do Brasil, trata-se de melhorar as relações econômicas entre os dois países que são muito importantes, ambos em uma situação de crise econômica, e também de melhorar as relações culturais entre as duas nações. Além disso, é preciso ocupar-se com atenção da enorme comunidade de italianos e ítalo-brasileiros que está aqui e que constitui, com certeza, um grandíssimo recurso para a Itália e também para o Brasil.
CI — Poucos meses do início de seu mandato o senhor já acompanhou eventos como as Olimpíadas e as Paralimpíadas e a primeira visita do Presidente do Conselho dos Ministros Matteo Renzi ao Brasil. Pode fazer um balanço disso tudo?
AB — Cheguei no primeiro dia da visita da vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marina Sereni. Foi uma ótima oportunidade para começar, pois consegui ver com meus próprios olhos a ótima qualidade das relações parlamentares entre Itália e Brasil e também conhecer imediatamente as dinâmicas da política brasileira e da interação dos parlamentares brasileiros com os parlamentares italianos. Depois foram as Olimpíadas e as Paralimpíadas, que foram um momento de grandíssimo empenho em que tivemos a visita de Renzi e, além disso, tivemos que nos preocupar em fazer com que os italianos que estavam aqui para os Jogos tivessem assistência em caso de necessidade. Eram dois níveis de empenho: um de caráter operacional, no que diz respeito à comunidade dos italianos e dos atletas, e outro de caráter geral, com a visita do presidente do Conselho. Durante a sua estadia, Renzi foi a Salvador, onde conseguiu ver o que a Itália faz em termos sociais: uma atividade muito importante e fruto da obra de voluntariado de muitíssimos italianos. Além disso, encontrou a coletividade italiana em São Paulo e no Rio de Janeiro e participou de eventos olímpicos, dando apoio aos atletas italianos, e assistiu à abertura dos Jogos. Nessa ocasião, encontrou o presidente Michel Temer, marcando encontro no G20, na China, o que efetivamente aconteceu.
CI — Nesse encontro, o presidente brasileiro Temer e o premier italiano Renzi falaram também da organização da missão comercial italiana no Brasil em novembro. Pode nos dar detalhes?
AB — O programa destes meses é intenso: no final de setembro, em Brasília, um seminário dedicado às infraestruturas promove um encontro entre as empresas italianas que trabalham no setor infraestrutural com o governo brasileiro, os bancos e as empresas brasileiras interessadas em trabalhar nesse setor. Quando falamos de infraestrutura, estamos falando das melhores empresas do mundo, que são italianas e que construíram obras famosas em todo o mundo, do canal do Panamá à ponte sobre o Bósforo. A marca Itália caracteriza grandes empresas de infraestrutura no mundo. Essas empresas italianas vêm ao Brasil para fazer um balanço das oportunidades no setor. No final de setembro, trabalhamos nas novas políticas que o governo brasileiro está lançando para o mesmo setor. E depois, em novembro, temos esta visita de 300 empresas que Renzi anunciou e que quer ser uma aposta recíproca entre Itália e Brasil. Nós achamos que o Brasil esteja à beira de uma retomada econômica e que, já em 2017, virará a página com relação ao passado. Possuímos uma ótima presença de empresas italianas e queremos fortalecer esta relação. A ideia do presidente do Conselho, quando esteve aqui, durante as Olimpíadas, é dar um sinal muito forte de interesse pelo o Brasil, organizando esta missão empresarial. Disso falaram com o presidente Temer na China; portanto, já estamos nos preparando ativamente para esta missão que se dará, acho, lá pelo fim de novembro.
CI — O Brasil está atravessando um período difícil tanto politicamente quanto economicamente. A crise brasileira pode incidir nas relações entre Itália e Brasil? Como o senhor pretende fortalecer as relações entre os dois países?
AB — As crises podem ser também momentos de oportunidade. É óbvio que devem ser enfrentadas, é preciso entender o motivo para que se possa delas sair e olhar adiante, buscando encontrar o caminho para a retomada econômica. A Itália sofreu muito com a crise na América Latina e no Brasil em especial, porque houve uma diminuição das nossas exportações e uma redução das atividades econômicas. O Brasil teve uma desaceleração que pesou no andamento da economia brasileira. Agora esperamos trabalhar na mesma direção, ou seja, desejamos que a retomada da economia do Brasil ajude também a retomada econômica da Itália. Este espírito de parceria pode nos encontrar unidos na mesma direção, produzindo benefícios e bem-estar tanto para o povo italiano queanto para o brasileiro.
CI — De que modo a Embaixada pode exercitar um papel ativo na promoção dos produtos italianos combatendo as falsificações do Made in Italy presentes no mercado brasileiro?
AB — Com certeza há uma grande potencialidade dos produtos italianos, muitos dos quais estão presentes no mercado brasileiro, mas também é verdade que existem muitos produtos que parecem italianos, mas não são. Acredito que este seja um tema que será certamente enfrentado; existe, sem dúvida, espaço para os produtos italianos. O importante é que o consumidor, quando se aproxima da prateleira de um supermercado, saiba exatamente que produto está comprando: se é italiano deve saber que é um produto italiano, se é um produto brasileiro, deve saber que é um produto brasileiro. O que não pode ser é que não se entenda bem que produto é, porque isso engana o consumidor e é um prejuízo econômico para os nossos produtores. Acho que o Brasil atingiu uma maturidade e pode tranquilamente apresentar os próprios produtos pelo que são, isto é, produtos brasileiros; e também queremos apresentar os nossos produtos da mesma maneira — pelo que são, ou seja, produtos italianos. Este é um assunto que não está somente relacionado ao mercado brasileiro. Certamente existe um discurso de potencialidade de mercado, existem também acordos para os quais olhamos com atenção, como os entre a União Europeia e o Mercosul, dos quais esperamos que venham liberalizações comerciais que possam facilitar ainda mais a entrada desses produtos que hoje estão disponíveis, mas com preços frequentemente muito altos.
CI — Os Comites, com a colaboração dos deputados italianos eleitos no exterior, entregaram a Renzi uma petição popular para a melhoria dos serviços consulares no Brasil. As longas filas e a lenta burocracia para obter a cidadania italiana são um problema que persiste. De que modo é possível reduzir este processo?
AB — Esta petição lança uma mensagem importante. É preciso dizer: é verdade que existe um acúmulo de atrasos consideráveis, existem filas, tem gente que espera há anos, e eu diria até mesmo há anos demais. O número dos anos de espera é realmente exagerado, mas esta petição reconhece que o problema não se resolve se não há recursos suficientes para tratar estes processos. O processo de reconhecimento da cidadania requer o empenho dos funcionários, que devem verificar se existe aquela corrente de relações de família que permite estabelecer que efetivamente a pessoa tem direito à cidadania italiana. Esta proposta quer vincular as entradas dos consulados para investi-las no fortalecimento das atividades dos próprios consulados. É uma proposta muito forte como mensagem; claramente, obriga as autoridades fiscais a destinarem os recursos obtidos pelas estruturas consulares ao fortalecimento dos próprios consulados. Nós estamos seguros e, de certo modo, contentes pelo fato de se reconhecer a necessidade de reforçar as estruturas consulares, isto é, não se resolverá o problema das longas filas nos consulados se não houver recursos suficientes para dar uma resposta à exigência dos cidadãos e dos potenciais cidadãos. Agora vamos ver qual será a resposta do governo e do Parlamento.
CI — Em uma entrevista a um jornal brasileiro, Renzi disse que a única questão ainda aberta entre Itália e Brasil é a extradição de Cesare Battisti. Existe a possibilidade de que isso ocorra com a mudança do governo brasileiro?
AB — O presidente falou sobre isso; o problema não é nosso. É uma questão das autoridades brasileiras. Se houver uma mudança de comportamento e Battisti for restituído à Justiça, não podemos não ficar contentes.
CI — O senhor tem uma carreira importante, com passagens pelas Embaixadas italianas de Nova Delhi, Tóquio, pela ONU, em Nova York e, por último, pela Farnesina, em Roma. Quais lembranças deixaram estas experiências em sua bagagem pessoal?
AB — Eu me considero sortudo porque foram experiências muito boas e muito entusiasmantes em países diferentes, com mandatos diferentes, que fazem parte do percurso de todo diplomata; que, no entanto, me levam a enfrentar esta experiência no Brasil com um estímulo muito importante. O que é importante neste trabalho é não perder nunca o interesse e manter a curiosidade que existe sempre quando se enfrentam situações novas. Estive em outras partes do mundo; agora enfrento uma realidade na América Latina, com a qual nunca havia me deparado e isso, na minha opinião, é um estímulo importantíssimo, tanto em nível intelectual quanto de trabalho e organização, pois devo agir em uma realidade de seis consulados no Brasil, um país com uma comunidade que possui mais de 30 milhões de pessoas de origem italiana, uma realidade rica em estímulos, com situações muito diferentes. São Paulo, por exemplo, é potencialmente a maior cidade italiana no mundo, onde os italianos cumpriram no arco de mais de um século realizações fantásticas.Tudo isso é muito entusiasmante e a grande aposta é conseguir realizar algo a mais em uma realidade em que a Itália já deixou sua marca. Concentramo-nos em continuar a construir relações entre Brasil e Itália, procurar olhar para o futuro e imaginar como possam ser os anos que virão, levando em conta a riqueza do passado, com um olhar para o futuro.
CI — Recentemente o senhor encontrou o governador Geraldo Alckmin em São Paulo. Sobre o que falaram?
AB — Fui a São Paulo justamente para organizar esta visita de novembro e falamos com o governador deste grande interesse que a Itália tem para com o Brasil e do interesse que temos em conhecer também, em nível governamental, quais são os programas para o futuro porque onde houver possibilidade de colaboração, privatização, concessão, há interesse de nossas empresas. Queremos enviar, e isso foi o que eu fiz, uma mensagem de interesse ao governador de São Paulo.
CI — Esta missão econômica será só em São Paulo ou envolverá outras cidades do Brasil?
AB — A missão, creio, será exclusivamente em São Paulo, mas ainda estamos definindo. A nossa ideia é fazer uma missão que seja focalizada em um número de setores limitado, mas que, no entanto, permita mirar resultados. O que queremos evitar é um turismo empresarial; o que não seria oportuno porque não temos interesse em trazer pessoas para uma viagem ao Brasil sem um motivo; queremos construir uma missão em que os empresários que virão saibam encontrar interlocutores do outro lado para começar a construir uma relação profícua.
CI — O senhor é originário da Puglia, uma região muito bonita, mas pouco conhecida pelos turistas brasileiros, que preferem outros locais mais populares. Como atrair o interesse para outras regiões da Itália?
AB — Imagino que vai chegar também ao Brasil o interesse por outras regiões da Itália. Este é um assunto que, certamente, pertence ao meu mandato: o de fazer um pouco de promoção turística no Brasil, isto é, aumentar o conhecimento de muitos lugares bonitos da Itália, mas menos conhecidos. O turismo na Itália, normalmente, tem sempre esta característica: os turistas, antes de tudo, visitam os lugares mais conhecidos, porque quem vai à Itália não pode deixar de ir a Roma, Florença, Veneza, Milão; mas, cada vez mais, os turistas aventuram-se, que na verdade não é uma aventura, alargam os próprios conhecimentos e dirigem-se a novas metas turísticas. Com certeza, a Puglia é uma destas metas que está tendo especial sucesso no último período.
CI — O senhor e sua mulher, Ornella, são de Barletta. E seus filhos?
AB — Meu filho nasceu na Índia e a outra em Genebra, porque nasceram quando estávamos nestas cidades. O que eu gosto quando perguntaram a meus filhos de onde são, eles responderam que são pugliesi. O fato de terem nascido em outros lugares não significa, obrigatoriamente, que se percam as origens; pelo contrário, é uma coisa na qual tanto eu quanto a minha esposa nos concentramos muito, fazendo com que os nossos filhos tenham e sintam as raízes do país ao qual pertencem, ainda que nascidos em outras cidades.
CI — Todos os atletas italianos elogiaram o acolhimento dos brasileiros nas Olimpíadas. Para o senhor como foi o acolhimento no Brasil?
AB — Fantástica, porque o Brasil é um país que acolhe com um sorriso e, portanto, manifesta logo uma grande disponibilidade e um grande calor, elementos importantíssimos para quem é de fora. Creio que também para os brasileiros seja um grande motivo de orgulho e um recurso porque facilita o contato, predispõe o interlocutor no melhor dos modos e, depois, é também um pouco uma filosofia de vida a ser levada em consideração, muito bonita.
CI — O senhor conhecia já o Brasil antes de se tornar embaixador aqui?
AB — Não, tinha vindo só em viagens de trabalho, mas não é possível dizer que se conhece o Brasil depois de dois meses. É preciso muito tempo para conhecê-lo porque é um país muito amplo, com realidades muito interessantes, mas também muito diferentes; portanto, francamente, ainda que tivesse vindo com mais frequência, diria que, antes de conhecer este país, realmente você tem que viajar, porque é um conjunto de realidades muito diferentes, muito interessantes e também diversificadas.
CI — O senhor viveu em várias nações com culturas muito diferentes, o que mais impressionou no Brasil?
AB — Já falamos de muitas coisas belas do Brasil; na minha opinião, o importante é o fato de sentir-se em casa, sentir-se aceito e, para um italiano, acho, não sentir uma grande diferença do próprio país de origem. Frequentemente quando se vai a países diferentes, percebe-se a diversidade da cultura; aqui, pelo contrário, esta diversidade, que existe, não é percebida graças a este clima muito amigável. Percebo que falamos de culturas diferentes. Eu fui à Bahia e lá percebi que as influências culturais africanas e europeias se misturam e geram algo diferente; depois em São Paulo vi uma realidade muito diferente, e no Rio e em Brasília as vi ainda mais diferentes. Toda esta diversidade é uma enorme riqueza; disso eu gostei muito e tenho certeza de que quanto mais eu viajar mais eu vou descobrir o quão rico é este país, ou seja, quanto a diversidade do Brasil constitui uma enorme riqueza.
CI — As diversidades do Brasil refletem-se em sua gastronomia. O senhor tem preferência por algum prato?
AB — Achei muito interessante o fato de alguns chefs italianos ou ítalo-brasileiros preparem pratos italianos, utilizando produtos brasileiros diferentes. Por exemplo, experimentei o inhoque feito com batatas brasileiras, que têm um sabor muito diferente. Este cruzamento cultural é muito interessante: buscar revisitar a culinária italiana com produtos brasileiros. Entendo que, com frequência, muitos cozinheiros italianos sejam mais puristas e busquem apresentar a cozinha italiana pura internacional; mas tradicionalmente foi também uma cozinha que pegou produtos que não são italianos, levou-os para a própria tradição culinária e os transformou em italianos. O tomate, por exemplo, não é italiano, mas hoje ninguém conseguiria imaginar a cozinha italiana sem este ingrediente. Depois da descoberta da América, a cozinha italiana pegou todos estes produtos desta parte do mundo, levou-os para a própria cozinha e os reinterpretou. Para mim isso é bonito porque mantém um fio de interesse, mas também um enriquecimento culinário. A cozinha é cultura, não é cristalização de um produto tradicional; é preciso deixar a porta aberta a estas inovações. Isso é muito interessante e espero que tenha um futuro. No Brasil está crescendo um forte interesse pela gastronomia e acho que, nos próximos anos, veremos coisas interessantes por aqui.
CI — O seu antecessor, Raffaele Trombetta, era apaixonado por futebol e por motociclismo e tinha até uma Harley Davidson em Brasília. O senhor também tem alguma paixão?
AB — Eu gosto de barco a vela, mas em Brasília há apenas um lago sem vento; vou encontrar uma solução. Também gosto de moto e motores. Gostaria de poder andar por Brasília com a nova 124 Fiat porque é uma bela Spider e perguntei aos amigos da Fiat se estão pensando em importá-la e me disseram que ainda não, mas espero que o façam logo logo.