Livro traça a história da imigração italiana no interior de São Paulo e mostra como a vinda para o Brasil contribuiu para o nacionalismo italiano
A chegada dos imigrantes italianos à região das lavouras cafeeiras de São Paulo e o processo de constituição do sentimento de “italianidade” em terras brasileiras são investigados pelo professor Oswaldo Truzzi no livro Italianidade no interior paulista – Percursos e descaminhos de uma identidade étnica (1880-1950), que acaba de ser lançado pela editora Unesp. Professor da Universidade Federal de São Carlos e pesquisador do CNPq, Truzzi se dedica à sociologia e à história social das imigrações. Seus primeiros estudos na área resultaram na obra Patrícios – sírios e libaneses em São Paulo, também publicado pela editora Unesp.
Autor de mais três volumes sobre imigração, usou como ponto de partida a pesquisa feita em sua tese de mestrado, na qual abordou a ida de italianos para a cidade de São Carlos. O livro mostra que a imigração italiana na região está intimamente ligada ao café. A partir de 1880, há uma vinda maciça de italianos para o estado, o que fez com que até 1910 eles formassem o grupo mais numeroso de imigrantes na região, seguidos por portugueses e espanhóis. A maioria era originária do Vêneto, mas Calábria, Campânia e Lombardia foram outras áreas em que houve uma grande emigração rumo a São Paulo.
Truzzi analisou os registros de casamento de paróquias católicas em São Carlos.
— Entre 1870 e 1930, havia mais de 500 localidades de origem diferentes documentadas nessas paróquias. Isso mostra que os italianos que chegavam ao Brasil carregavam hábitos, tradições e linguagens regionais, mas não possuíam ainda uma identidade nacional. O italiano só começou a se reconhecer italiano no Brasil. O contato com outros imigrantes, como alemães e portugueses, ajudou a forjar essa identidade nacional, onde o imigrante não se vê mais como calabrês ou lombardo, por exemplo, mas como parte de um grupo mais amplo — ressaltou o pesquisador.
A vivência no Brasil também contribuiu para que se sentissem pertencentes ao grupo dos brancos.
— É no Brasil que os italianos se descobrem como brancos, e esse reconhecimento vem da necessidade de se afastar da figura dos escravos — explicou Truzzi.
Imigração italiana fez parte do projeto de embranquecimento das elites e do fortalecimento do racismo
Apesar das condições precárias de trabalho nas fazendas de café, que muitas vezes se assemelhavam à escravidão, para os italianos era muito importante que houvesse essa distinção. Na Europa, a cor da pele não fazia diferença, mas, ao chegar ao Brasil, os imigrantes percebem que tinham essa característica “a seu favor”.
— De certa forma, os italianos contribuíram para o fortalecimento do racismo no Brasil, ao fazer parte de um projeto de ‘embranquecimento’ da população brasileira, defendido pelas elites do país. O estímulo à imigração europeia, que foi muito forte nas primeiras décadas do século XX, está inserido nesse contexto —analisou o pesquisador.
Apesar da diferença na cor da pele, o cotidiano dos imigrantes não era tão diferente daquele dos escravos, e “a senzala virou a colônia”. Os colonos enfrentavam um grande isolamento, com pouca ou nenhuma assistência médica e difícil acesso à educação para seus filhos. As condições de alojamento e trabalho eram tão precárias que no início da década de 1900 o governo italiano suspendeu a vinda subsidiada de imigrantes para o país.
Inicialmente separadas por regiões de origem, as associações passam a se unir com a ascensão do regime fascista na Itália. Escolas de imigrantes, associações e clubes no Brasil passam a ser mobilizados em benefício do fascismo. A resistência ao regime, que já era fraca na capital paulista, é ainda menor no interior do estado. Com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, o Brasil embarca em uma onda nacionalista que reforça ainda mais essa percepção.
Em 1942, o Brasil declara guerra contra a Itália.
— Nessa época, muitos filhos de italianos já desempenhavam papéis de destaque na política e na sociedade brasileiras, mas a entrada do Brasil na guerra provoca uma baixa nessa espécie de ‘italianidade’ dos imigrantes — explicou o estudioso.
O interesse das famílias pelas origens italianas só seria retomado a partir dos anos 1980. Essa vontade de conhecer mais sobre as raízes atingiu também o pesquisador.
— Com meu sobrenome, essa pesquisa é também uma forma de estudar minhas origens — afirmou Truzzi.