Editoriais
No primeiro número do ano, gostaria de propor uma reflexão ao leitor. Ao invés de falarmos aqui do contexto sempre mais dramático que invade nossas casas através de notícias que vão do terrorismo que assusta o mundo ou da rebelião de presos que mostra ao mundo a face mais desumana do ser humano, uma pequena necessária análise, da sociedade que ruma à intolerância.
Fazemos parte de um período em que o bem é confundido com o bem estar. Enquanto a cultura da possessão sem limites vigora a partir de uma verdadeira ideologia do conforto, o vocabulário da ética se dissolve. “Compaixão”, “sacrifício”, “beneficência”, são palavras que estão cada vez mais distantes da “modernidade”. O imperativo é ser feliz. Deveres e obrigações são realizados no limite do necessário. Nada muito além do útil e longe da gratuidade ou generosidade.
Nesse dia a dia que busca nos corromper com a força do egoísmo, deixamos de olhar para a necessidade do próximo. Esquecemos que o bem do outro está naturalmente ligado ao nosso bem. O bem é o princípio da nossa liberdade. Ninguém é feliz fechado em uma esfera. Observamos núcleos de falsa felicidade onde cidadãos de bairros ou condomínios vivem satisfeitos trancados em seu percurso diário num fenômeno do descontente satisfeito. Uma condição exatamente assim, paradoxal, onde se compara o menos com o mais e se mede a comodidade e a prosperidade obsessivamente.
Como efeito devastante desse distanciamento da realidade observamos a degradação nos mais diversos setores. Talvez um exemplo simples disso esteja também na “pós-verdade” criada na internet. Como assume dimensão gigantesca, hoje a informação “postada” na rede precisa ser lida não como uma verdade absoluta, mas com o cuidado de que não seja mais uma persuasão com fins diversos como, simplesmente, o comercial.
Não podemos mais olhar a crueldade que acontece em nosso entorno sem compromisso. O desrespeito com que somos tratados cotidianamente pelos maus serviços prestados ou pela indiferença do Estado nos afeta sem diferença de casta.
Por isso dedicamos a capa desta edição a uma iniciativa que nasce de onde menos se espera. Os disparos que levaram à morte do italiano Roberto Bardella num dos acessos do Morro dos Prazeres, no Rio de Janeiro, e o sequestro por horas de seu companheiro de viagem, Rino Polato, mostrou ao mundo e, em especial à Itália, um grave problema social. Mas também deu origem a uma iniciativa das próprias famílias das vítimas que, comovidas, criaram uma campanha para ajudar crianças da mesma localidade da tragédia a não enveredarem na criminalidade. Essa história de empenho e compaixão você poderá acompanhar nas páginas desta edição.
Boa leitura!