{mosimage}O artista brasileiro que já trabalhou com ingredientes tão inusitados, como ketchup, açúcar e lixo, foi nomeado embaixador do evento Rio +20
Já considerou a poeira como algo possível de ter outro significado? E o lixo, pode ser algo além de ser, simplesmente, lixo? O artista plástico e fotógrafo brasileiro Vik Muniz foi capaz de olhar essas coisas cotidianas e, com elas, recriar a possibilidade de perceber o mundo.
“O artista é como o catador, usa o mundano, elementos do dia a dia que já perderam o valor para a nossa atenção e transforma aquilo em objetos visuais para que possam ser vistos novamente”. Assim, Vicente José de Oliveira Muniz — mais conhecido como Vik Muniz — explicou à Comunità como enxergou a arte no lixo, convertendo-o em um objeto transformador.
Em seus trabalhos, revela que grandes coisas podem surgir de simples elementos usados no cotidiano, como poeira, cinzas, arame, lixo, comida. Dessa forma, as obras de Vik chegam ao entendimento de todos pela simplicidade dos materiais que utiliza, quebrando a ideia de que arte é algo que só quem lida com ela entende.
Reconhecimento
Vik foi o primeiro artista brasileiro convidado a organizar uma exposição no mais influente museu de arte moderna do mundo, o MoMA de Nova York, cidade onde está estabelecido há mais de duas décadas. Ele é considerado, hoje, aos 50 anos, um dos artistas mais produtivos e valorizados de sua geração. Seu prestígio é tal que as suas obras já foram expostas nas galerias de São Francisco, Madri, Paris, Moscou e Tóquio, além de museus como o Tate Modern e o Victoria & Albert Museum de Londres, o Getty Institute de Los Angeles e o MAM de São Paulo.
Apesar de todos os reconhecimentos que teve, ele afirmou que o momento mais marcante na sua carreira foi a exposição em 2009 no Rio de Janeiro — porque foi muito bem desenhada para atingir um público tão grande quanto diversificado. Àquela exposição foram garçonetes, empregadas domésticas, motoristas de táxi, curadores e diretores de museus internacionais.
— Para mim foi muito completa porque não deixava ninguém de fora e falava duas linguagens: uma profissional, específica do mundo de arte, e outra muito pessoal, que consegui transmitir para as pessoas que eram muito parecidas com os meus pais — explica.
Seu trabalho pode ser visto na capital federal até o dia 14 de agosto no espaço Ecco, um referencial da arte contemporânea que, pela primeira vez, une na mesma mostra as séries Relicário e Verso, uma das primeiras e uma das mais recentes do artista, e o revolucionário documentário que concorreu ao Oscar de 2011, Lixo Extraordinário.
Lembranças especiais
Relicário é uma exposição de um artista de 28 anos, da época em que comecei a trabalhar — explica Vik — dedicada aos jovens que fazem arte e que talvez estejam se debatendo com o problema de não saber exatamente o que fazer.
— Eu quero que eles venham e descubram quanto eu também era confuso na época que estava começando a trabalhar — afirma.
A curadora da exposição Vik Muniz 3D, Karla Osório Netto, o descreve como um artista muito generoso, que sempre está envolvido em causas sociais.
— Vik é uma pessoa que surgiu de uma classe muito pobre. Teve um início muito difícil e foi com persistência e muita garra que ele conseguiu crescer e marcar o trabalho dele.
Filho único de um garçom e uma telefonista, ainda adolescente mudou-se para os Estados Unidos, onde passou cinco anos vivendo de subemprego, muitas vezes dormindo na rua. Ao trabalhar em uma molduraria de Nova York, passou a fazer quadros kitsch e a produzir estranhas e incomuns esculturas que lhe abriram as portas do circuito de arte da cidade.
Vik declarou não ter uma obra preferida, já que em cada uma delas sempre tem uma coisa muito pessoal que tenta esconder. Uma muito especial para ele, presente na exposição em Brasília, é um fóssil que representa a sua primeira motocicleta, a qual descreve como “se fosse uma coisa que ficou na minha infância, que eu olho lá atrás como uma relíquia”. Daí o nome da exposição, Relicário, como “coisinhas pessoais do passado”, diz.
Outra obra que ele frisou foi uma caixa de papelão com duas balas.
— A razão pela qual eu consegui dinheiro para ir a Nova York é que eu levei um tiro de uma pessoa enquanto apartava uma briga. Um tiro do mesmo calibre que está representado naquela caixa. Foi com a indenização desse tiro que consegui comprar o bilhete para os Estados Unidos em 1983. Então a caixa fala disso: de uma coisa frágil e forte ao mesmo tempo — revela.
Para Vik Muniz, o artista faz a metade do trabalho; a outra parte é feita pelo espectador, que exerce um papel ativo.
— Eu sempre me preocupei em fugir de certos esoterismos vulgares, do espiritual na arte, daquilo que o artista é considerado uma espécie de gênio — comentou.
Por isso, ele afirma que nunca acreditou em mega mostras como a Bienal de Veneza ou a Bienal de São Paulo, por achar que elas precisam ter um desenho diferente.
— Quando expus em Veneza, alguém me perguntou se eu não estava contente por ter meu trabalho visto por 30 mil pessoas. Eu disse que estaria mais contente se elas não estivessem vendo 30 mil outros artistas — lembra.
Acessível e inteligente
Vik considera que as exposições de arte contemporânea são um ambiente um tanto opressivo que lidam com códigos e linguagens às quais as pessoas não têm acesso, o que se opõe à sua visão de que “você deve ao público uma arte que é ao mesmo tempo inteligente e acessível”.
Nos seus trabalhos aparecem também duas réplicas detalhadas da Mona Lisa de Leonardo da Vinci: uma feita com geléia e outra com doce de leite. Também trabalhou com açúcar, fios, arame e xarope de chocolate, com o qual produziu uma recriação da Última Ceia de Leonardo. Reinterpretou várias pinturas de Monet, que produziu com pequenas porções de pigmento aspergidas sobre uma superfície plana, e que foram apresentadas em 2001 na Bienal de Veneza.
— A arte pode mudar as vida das pessoas, e melhorá-la. Tem a possibilidade de humanizar as pessoas. Não é privilégio ou direito, eu acho que o contato com a arte humaniza, sensibiliza, faz as pessoas darem mais valor à sua própria vida e à vida dos outros — defende.
O próprio Vik Muniz traduziu sua arte como uma experiência profunda e transformadora:
— Eu nunca vou ser a mesma pessoa, nunca vou ver o lixo da mesma forma depois dessa experiência do lixo extraordinário — confessa.
Arte em Jardim Gramacho
O documentário Lixo Extraordinário, filmado ao longo de dois anos (agosto de 2007 a maio de 2009), acompanhou o trabalho do artista plástico em um dos maiores aterros sanitários do mundo: o Jardim Gramacho, localizado na periferia do Rio de Janeiro. O objetivo inicial era pintar retratos dos catadores com lixo, mas o trabalho do artista com eles, longe do local, revela a transformação de uma comunidade de catadores através da arte.
— O catador mexe com uma coisa que a gente não quer ver, ele é parte daquele mondo que a gente quer esconder. Eu acho que o filme ajudou a melhorar a imagem do catador como uma classe de trabalhadores que merece ser vista com maior respeito — comentou.
Recentemente, o artista, junto a outras duas personalidades brasileiras, o empresário Nizan Fuanaes e o designer Oskar Metsavaht, foi nomeado embaixador da boa vontade da UNESCO pela sua contribuição para a educação e o desenvolvimento social por meio de sua carreira artística. O diretor da UNESCO no Brasil, o belga Vicent Defourny, relatou a Comunità que considera Muniz um grande artista contemporâneo e que, além da sua parte artística, ele é muito comprometido: usa a arte para transformar o olhar das pessoas e através disso pode mudar o mundo.
— Assistindo ao documentário Lixo Extraordinário, percebe-se que a função social não é uma coisa lateral no seu trabalho de artista — completou Defourny.
Vik deixou Brasília com outro título: a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, nomeou-o embaixador da conferência Rio+20, que acontece na cidade do Rio de Janeiro em 2012, para fazer a curadoria de uma grande exposição. O encontro das Nações Unidas (Rio +20) visa renovar o engajamento dos líderes mundiais com o desenvolvimento sustentável do planeta — vinte anos após a Rio-92.