{mosimage}Responsável pelo programa Fome Zero, José Graziano acaba de assumir a diretoria geral da FAO, entidade da ONU sediada em Roma, e dá maior liderança internacional ao Brasil
O brasileiro José Graziano da Silva retorna ao país dos seus antepassados com uma importante missão mundial: erradicar a fome e eliminar a desnutrição da face da Terra. Para isso, o novo diretor geral da FAO elaborou um programa de prioridades e, entre as metas, propõe uma “revolução verde”.
— Com um mandato de apenas três anos e meio não há tempo a perder — ressaltou Graziano, durante a primeira entrevista coletiva após assumir o cargo de diretor geral da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, sediada em Roma, no início de janeiro. Ele anunciou que a FAO começará a dar mais apoio aos países com baixa renda e déficit alimentar, especialmente aqueles que sofreram crises prolongadas.
Graziano enfrentará desafios. Durante o mandato, que vai até julho de 2015, ele vai precisar agilizar a imensa estrutura da entidade, que muitos comparam a um paquiderme acorrentado. A metáfora se refere ao elefante como um animal robusto e trabalhador, cujos movimentos são limitados pela burocracia. Nos últimos 18 anos, a FAO teve um único diretor geral, o senegalês Jacques Diouf. Alvo de críticas que apontam sua gestão como responsável pela lentidão do organismo, ele cumpriu três mandatos consecutivos.
— Acabar com a fome requer o compromisso de todos: nem a FAO e nenhum outro organismo poderão vencer sozinhos esta guerra — disse Graziano, acrescentando que seu desejo é trabalhar de forma mais transparente e democrática com os países membros, os organismos das Nações Unidas, o setor privado, a sociedade civil e as demais partes envolvidas.
Segundo ele, a erradicação da fome é a primeira das cinco prioridades estratégicas que a FAO pretende alcançar. As outras são: incentivar sistemas mais sustentáveis de produção e consumo de alimentos; alcançar uma maior igualdade na gestão dos alimentos em nível mundial; completar a reforma e a descentralização da FAO; e ampliar a cooperação sul-sul e outros tipos de aliança.
Recuperar a confiança
Sobre os problemas dentro da entidade, o novo diretor admitiu a necessidade de se recuperar a confiança na organização.
— Temos que recuperar a confiança entre a Secretaria e os Estados membros para continuar seguindo em frente. A minha intenção é realizar os objetivos promovendo uma relação transparente e construtiva entre os países membros e os órgãos de governo da FAO.
O ministro extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome durante o primeiro governo Lula ainda destacou que se empenhará para que a FAO seja mais eficaz e receptiva através da redução dos custos administrativos e um aumento da eficiência.
Ele deixou claro que tais medidas não vão afetar o trabalho técnico da FAO e que tratará de utilizar o orçamento para reforçar a ajuda direta da entidade aos países.
— Estou convencido de que a FAO pode dar uma contribuição importante e cada vez maior para a segurança alimentar e a produção e o consumo sustentável de alimentos no mundo — disse.
Uma nova revolução verde
Graziano pretende aplicar o modelo de uma revolução mais verde na agricultura, com o objetivo de incrementar a produção de alimentos sem efeitos colaterais ou danos ambientais, e a escassez das reservas naturais causadas pelos sistemas agrícolas atuais.
— É o que chamamos de Save and Grow, ou seja, produzir mais com menos. Este novo modelo de produção preserva e reforça as reservas naturais, graças a uma série de práticas agronômicas que permitem uma melhor gestão do solo, limitando os efeitos negativos na sua composição e contribuindo para reduzir o consumo de água e os custos energéticos — explicou, acrescentando que o rendimento dos agricultores que seguiram em via experimental a técnica, aplicada em 57 países de baixa renda, aumenta em cerca de 80%.
A “revolução verde” será gradual.
— Nos próximos 15 anos, encorajaremos e ajudaremos os países em desenvolvimento a adotá-la — disse Graziano.
O que faz o diretor geral da FAO
O papel do diretor geral da FAO é, sobretudo, diplomático e de liderança imparcial. Uma das principais funções desta organização é fornecer um fórum neutro de discussões entre os países para que possam se encontrar com paridade e negociar acordos internacionais. Em um momento em que o Brasil pleiteia uma vaga no Conselho de Segurança da ONU, a eleição de Graziano ao cargo significa prestígio para o país. No entanto, não é o Brasil que estará chefiando esta organização, e sim, Graziano, pois o diretor geral assume um compromisso internacional.
Segundo o jornalista Ugo Tramballi, correspondente do jornal econômico Il Sole 24 Ore e especializado em agências da ONU, a eleição do brasileiro foi a ocasião ideal para o Estado brasileiro demonstrar liderança internacional.
— O Brasil está se transformando em um país líder, uma potência econômica no mundo e com força política na América Latina. Além disso, tem uma grande superfície agrícola. Nos últimos anos, é considerado exemplo por ter conseguido reduzir os desequilíbrios sociais.
Por trás da vitória de Graziano
José Graziano da Silva venceu as eleições para o cargo de diretor geral da FAO pelo próprio mérito. No entanto, por trás da vitória, ele contou com apoios de peso, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o chanceler Celso Amorim, a presidente Dilma Rousseff, o chanceler Antonio Patriota e, no “meio-campo”, Antonino Marques Porto, embaixador do Brasil junto à FAO.
O encerramento oficial da apresentação dos candidatos dos respectivos países ocorreu em 31 de janeiro de 2011, mas o movimento para a campanha começou antes. De fato, o ex-presidente Lula, em novembro de 2010, apresentou a candidatura de Graziano durante uma reunião do conselho da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), em Georgetown, na Guiana.
— Entramos para ganhar. Houve um esforço concentrado da política exterior do Brasil, graças ao trabalho do chanceler Patriota e, antes dele, do Amorim. Muito foi feito em Roma, onde tive encontros com 80 representantes permanentes. Conversei com eles olhando nos olhos para entender as necessidades e posição de cada um para poder caminhar juntos. O Brasil é um país aglutinador, gerador de consenso — explicou o embaixador Antonino Marques Porto à Comunità.
O brasileiro foi eleito em 26 de junho de 2011. Havia seis candidatos ao cargo de diretor geral da FAO: Franz Fischler, da Áustria; Indroyono Soesilo, da Indonésia; Mohammad Saeid Noori Naeini, do Irã; e Latif Rashid, do Iraque. A disputa mais acirrada foi entre o brasileiro e Miguel Ángel Moratinos, ex-ministro de Assuntos Exteriores da Espanha.
A vitória foi no segundo turno. De 180 votos possíveis, Graziano obteve a preferência de 92 nações, incluindo os países do G77, conhecido como grupo dos “não-alinhados”, que reúne hoje 131 nações, muitas das quais do continente africano. Moratinos obteve 88 votos.
Uma vida dedicada ao combate à pobreza
O professor e engenheiro agrônomo José Graziano da Silva, de 62 anos, conta com experiência na FAO e nos projetos de combate à pobreza. Além de ter sido, de 2003 a 2004, ministro extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome do governo Lula, foi o responsável por implementar o Programa Fome Zero, depois transformado no Bolsa Família. Esta iniciativa ajudou 28 milhões de pessoas a saírem da pobreza.
Em 2006, foi nomeado representante regional da FAO para a América Latina e Caribe, e conseguiu que os países latinos fossem os primeiros no mundo a assumir o compromisso de erradicar a fome até 2025. Ele aplica um principio básico: para combater a pobreza é preciso fortalecer as instituições no setor de políticas públicas voltadas para alcançar um desenvolvimento integral e inclusivo no campo. Além disso, o brasileiro promove a cooperação sul-sul, ou seja, entre os países do hemisfério sul.
A origem italiana de Graziano
— Somos de Catanzaro, somos todos calabreses, falo, como e gesticulo como um italiano — comentou Graziano, durante a entrevista coletiva na FAO em Roma, no dia seguinte à eleição. Além de explicar as suas origens, ele contou que, quando foi renovar o passaporte italiano, o Consulado da Itália acabou cortando o sobrenome Graziano, deixando só o da Silva.
— Estou tentando recuperar a minha identidade — comentou, sorrindo.
Movimentar uma estrutura complexa que envolve 191 países e seus respectivos governos, diversas culturas e milhares de empregados não é tarefa fácil. A finalidade da FAO é proporcionar conhecimento, através de estudos e análises, fornecer assistência técnica e realizar projetos juntamente com os países membros, de acordo as solicitações e um programa detalhado. O vasto campo de ação na agricultura e alimentação abrange pecuária, pesca, florestas, reservas hídricas, biodiversidade e desenvolvimento sustentável, além de tratar de problemas como doenças, pragas e mudanças climáticas.
A principal luta da FAO é contra a fome no mundo. Depois de vários apelos de Diouf, em vão, em setembro de 2010 foi apresentado um progresso mínimo. A subnutrição no mundo diminuiu pela primeira vez em 15 anos. O relatório indica que o número de pessoas subnutridas caiu de 1,023 bilhão para 925 milhões. Porém, as metas do milênio — estabelecidas pela ONU no final do século passado, que era reduzir pela metade o número de vitimas da fome no mundo até 2015, ou seja, não superando 400 milhões de pessoas — ainda estão longe de serem alcançadas.
— A tarefa de reduzir pela metade o número de indigentes no mundo não é só da FAO, mas trata-se de competência dos países membros. No entanto, o diretor geral deve dar a idéia de que é possível vencer a batalha. Ele deve ser como um treinador de futebol, com capacidade de ir ao encontro dos jogadores, dar convicção e energia para alcançar os objetivos. Graziano tem todas estas qualidades — comentou o embaixador Antonino Marques Porto.
O longo período de comando de Diouf acabou por prejudicar a agilidade da estrutura.
— Um organismo da ONU fundamental como é a FAO não pode ter um único diretor geral por 18 anos, porque é quase como um ditador. A entidade precisa de ar fresco e gente com experiência, como é Graziano — comentou Ugo Tramballi.
As regras mudaram após a longa experiência com Jacques Diouf: a duração do encargo foi reduzida de seis para quatro anos. Permitem-se, no máximo, dois mandatos consecutivos. Portanto, o brasileiro vai chefiar a organização no período de 1° de janeiro de 2012 até 31 de julho de 2015.
As várias críticas que o último diretor recebeu chacoalharam a estrutura. Acusada de ser vagarosa e de desperdiçar dinheiro, a FAO passou por uma reforma em 2008, quando foi aprovada a resolução para o Plano Imediato de Ação. A ideia é diminuir a burocracia, racionalizar as despesas e tentar dar mais autonomia para as sedes regionais espalhadas pelo mundo. A descentralização é apontada como uma das alternativas para que Graziano consiga desacorrentar o paquiderme.