{mosimage}Com máscaras medievais e carroças, seis mil pessoas entram na folia na tradicional batalha das laranjas em Ivrea, cidade do Piemonte
Nove carroças puxadas por cavalos circulam pelas ruas do centro histórico de Ivrea, cidadezinha piemontese, sede da antiga fábrica da Olivetti. Aos pés dos Alpes, no vale da Aosta e às margens do rio Dora Baltea, ela se transforma em arena ao ar livre para a batalha das laranjas. Os ocupantes do carro travam uma feroz luta com os “inimigos” que estão a pé. A arma é a laranja. Durante boa parte do percurso, elas voam para cima e para baixo. Quem vai sobre o carro se protege com máscaras do período medieval. Esta é uma representação dos feudatários, dos aristocratas e dos nobres que enfrentam uma revolta popular que tem a fruta como arma de combate. Jogadas com as mãos, as laranjas substituem a flecha e a lança.
O arsenal está espalhado pela praça. Quarenta toneladas repousam em caixas de madeira. Ao sinal da chegada da primeira carroça, os caixotes são tomados de “assalto” e esvaziados em um piscar de olhos. Os combatentes se distinguem do público normal com roupas que representam as carroças e armazenam as laranjas em bolsas amarradas na cintura e nas camisas dobradas à altura da barriga. Todos os moradores da cidade participam da festa e aqueles visitantes ou habitantes que não querem virar o alvo dos atiradores usam um capucho vermelho na cabeça, o chamado Berreto Frigio. Mesmo assim, é muito difícil evitar as “laranjas perdidas”, aquelas que erram o objetivo e atingem quem está ali perto, nas redondezas apenas como espectadores.
A batalha dura cerca de três horas. Durante este período, carroças circulam pelas ruas estreitas e antigas de Ivrea. A trégua existe apenas quando elas saem da praça principal, a Piazza di Città, e entram nas vielas principais e transversais, como a Via Arduino. Ali, os combatentes descansam e limpam a testa, os olhos, as orelhas, as bochechas, o nariz e a boca. O roxo ao redor dos olhos não deixa dúvidas: a “vítima” foi atingida por uma laranjada.
— Apenas os mais bonitos são feridos assim — brinca um folião que cobre o olho esquerdo inchado após a batalha.
O intervalo entre uma passagem e outra das carroças é ocupado pelo desfile do “exército napoleônico”. É uma referência histórica ao período em que o imperador francês reinou como soberano naquelas terras. Na época, Napoleão organizou e unificou a festa de carnaval dos diferentes rincões para evitar brigas e confusões. Neste momento, entra em cena a legenda da Mugnaia, personagem mítico e representado pela rainha do carnaval de Ivrea. Ela teria sido a assassina do conde de Monferrato, crime que foi o estopim da revolta popular.
Ao longo do ano, as agremiações, à semelhança das escolas de samba no Brasil, organizam o carnaval de Ivrea, com muita antecipação. Os sócios começam a criar a decoração dos bairros da cidade, divididos pelas carroças. Ao mesmo tempo, eles iniciam a reservar as laranjas, importadas do Sul da Itália.
— Estas laranjas são aquelas com o prazo de validade vencida. Não é um desperdício usá-las no carnaval. Não poderiam ser mais consumidas pelo homem. Elas chegam apenas alguns dias antes do começo da festa — conta um dos organizadores.
Bandeiras com os nomes das agremiações tremulam no alto das casas, como Os Escorpiões do Tirano; A Armada do General; Os Enxadristas; Os Mercenários e Os Diabos. No total, os participantes oficiais são cerca de seis mil foliões. Grandes faixas e painéis ocupam as fachadas das muralhas medievais e do castelo de Ivrea, e os “laranjeiros” matam a fome e a sede com a típica cozinha local, que inclui pratos como os Gnocchetti di Ceci.
O carnaval de Ivrea existe desde meados do século XVII. Mas a batalha das laranjas chegou em 1947 para nunca mais ir embora. Durante os três dias de festa, os restos das laranjas ficam espalhados e caminhar sobre as cascas espremidas é como andar em cima das uvas. Uma espécie de “vendêmia” improvisada da laranja se instala em Ivrea durante o carnaval. Uma laranjada inesquecível.