Com a morte de Roberto Civita, o maior império editorial do país, fundado por um imigrante italiano fugido da perseguição fascista, passa para o comando do filho Giancarlo
Em homenagem ao mês da primavera europeia, simbolizada pela árvore verde, o pai de Roberto Civita — que faleceu no último dia 26 de maio, aos 76 anos — o italiano Victor Civita batizou de Abril a editora fundada em 1950. Nascia o maior conglomerado editorial do país. Hoje, o Grupo Abril possui 9 mil funcionários e 52 publicações, tendo lucrado em 2012 R$ 64,17 milhões. A morte do filho do fundador, que acumulava os cargos de presidente do Conselho de Administração e diretor editorial, e presidente do conselho da Abril Educação, foi noticiada por jornais do mundo todo, inclusive pela imprensa norte-americana, que o chamou de Brazilian Media Baron. Dois meses antes, a revista Forbes publicou um ranking no qual a família de origem milanesa aparecia como a 11ª maior fortuna do Brasil e a 258ª maior do mundo, com patrimônio estimado em US$ 4,9 bilhões.
Uma das revistas mais influentes do país, a Veja foi criada pela empresa em 1968, tendo passado por diversas fases. Há alguns anos é acusada de exercer uma raivosa oposição à Era Lula, segundo seus críticos, que apelidavam o empresário de Murdoch brasileiro. Um de seus maiores desafetos era justamente um italiano como ele, seu ex-funcionário: Mino Carta, ícone do jornalismo brasileiro e criador da própria Veja e de outras publicações da Abril, como a Quatro Rodas. Em entrevistas, Carta chamou Roberto Civita de “idiota” e o acusou de tê-lo demitido para agradar à ditadura militar e obter um empréstimo da Caixa Econômica Federal.
Em entrevista no ano passado, ao falar sobre as críticas à Veja, Roberto Civita, que implantou padrões do jornalismo norte-americano nas publicações que dirigia, defendeu o estilo da revista semanal.
“Se você não está gerando reações fortes, está fazendo algo errado. Não acredito em imprensa que quer agradar a todo mundo. Por que você faz uma revista? Só para ganhar dinheiro? Eu acho que vem junto uma responsabilidade. Eu falo isso há 50 anos… Para todo mundo. Para os meus filhos. Eles não gostam, mas eu falo. Se você não quer ter a responsabilidade, vai fazer álcool, vai plantar batata”, declarou o empresário, que morreu de complicações sofridas após uma cirurgia para correção de um aneurisma abdominal.
Em 2006, o Grupo Abril vendeu 30% de seu capital para o maior grupo de mídia da África, a sul-africana Naspers, criada em 1915 pelo fundador do Partido Nacional, que promoveu o regime do apartheid, por 422 milhões de dólares. Na época, a empresa informou que os Civita permaneceriam no controle do Grupo e do conteúdo editorial.
Desde março, Giancarlo Civita exerce as funções do pai na holding. Durante o velório, prometeu ser fiel ao legado deixado por Roberto. “Reiteramos o compromisso que já havíamos feito a ele de perseverar na busca da verdade, na melhoria da qualidade de vida dos brasileiros e no fortalecimento das instituições democráticas no Brasil”, afirmou Gianca, como é conhecido.
Milão, Londres e NYC antes de chegar a SP
Os Civita eram judeus. Por isso, o casal Victor-Sylvana deixou a Itália em 1939, no auge do regime de Mussolini. Inicialmente foram para Londres, onde nasceu o filho Richard, irmão mais novo de Roberto, que veio ao mundo em Milão, em 1936. Depois, foram para a França e em seguida para os Estados Unidos, a bordo do Rex, navio italiano imortalizado pelo cinema de Fellini. Na América do Norte, a família viveu dez anos. De férias na Itália, Victor reencontrou o irmão César, ex-funcionário da editora italiana Mondadori, onde fora responsável pela versão italiana das revistas Disney. Estava radicado na Argentina, onde fundou a revistinha El Pato Donald e a Editorial Abril. O governo peronista preocupava César, que lançou a ideia de tentarem a sorte no Brasil. Foi assim que Victor se mudou com a família rumo a São Paulo e instalou-se em uma pequena sala na Rua Líbero Badaró. Em 1950, circulava o primeiro número de O Pato Donald. Um dos sócios à época foi Gordiano Rossi, mineiro filho de italianos. Aliás, os laços com o Belpaese não seriam cortados. Os filhos, criados nos Estados Unidos, como Roberto — que se formou em jornalismo e economia na Universidade da Pensilvânia — tinham tendência para o inglês, mas a mãe decretara: In questa casa, si parla italiano.