Dizem que o amor pelo vinho corre no sangue. E assim foi com a família Cainelli. Aos 24 anos, o enólogo Roberto Cainelli Júnior está por trás do renascimento da vinícola da família, cuja história começou no norte da Itália, em 1875, e prosseguiu no porão de casa, na região do Vale do Rio das Antas, no interior de Bento Gonçalves (RS). Hoje, a pequena vinícola abriga um museu e produz vinhos artesanais, que buscam transmitir em cada garrafa os sentimentos, as lágrimas e os sonhos desta longa história. Depoimento de Roberto Cainelli Jr. à repórter Aline Buaes.
Meu trisavô Gaspparo Cainelli nasceu em 15 de abril de 1843, em Barbaniga di Civezzano, na província de Trento. Agricultor, se dedicava ao cultivo de videiras e vendia uvas para serem transformadas em vinho. Em 25 de outubro de 1875, emigrou em direção ao Brasil, junto com sua esposa Maria de Carli e o filho Domenico, ainda bebê, com menos de um ano de idade, que viria a falecer durante a viagem.
A família partiu de trem do seu vilarejo até o porto de Gênova. Após alguns dias de espera, embarcou rumo ao Brasil. “Trentasei giorni di macchina a vapore” e chegaram ao porto do Rio de Janeiro. Enfrentaram mais 12 dias de viagem até Porto Alegre, com escalas por portos intermediários como Santos, Paranaguá, Florianópolis e, por fim, Rio Grande, onde mudaram de navio para chegar à capital gaúcha. Em Porto Alegre, tomaram outra embarcação que os levou até Montenegro. Dali até a colônia de Dona Isabel (atual Bento Gonçalves) o trajeto foi feito a pé e no lombo de mulas. Finalmente, em 24 de dezembro de 1875, meu trisavô chegou ao que hoje é o município de Bento Gonçalves. Ele e mais 45 famílias de autênticos tiroleses fundaram a atual cidade.
A elaboração de vinhos começou com Ricardo, filho de Gaspparo, nascido no Brasil. Ricardo teve 11 filhos, dentre eles meu avô, que continuaram a empresa até 1960, quando atingiram a marca dos 200 mil litros produzidos a partir de vinhedos próprios. No entanto, o peso de sustentar uma família tão grande e o êxodo rural da época fizeram com que a vinícola encerrasse suas atividades. Em 2004, meu pai, neto de Ricardo, encontrou rótulos originais da antiga vinícola e expressou com a família o significado de tal momento. Além de um sonho do meu pai, a ideia de retomar as atividades da vinícola foi uma decisão de família. Antes mesmo de reformarmos a casa e iniciarmos a elaboração de vinhos, eu já trabalhava nas colheitas em outras propriedades e, desde pequeno, sempre vivenciei muito a cultura da uva e do vinho. Com a necessidade de profissionalização, decidi ingressar no curso técnico de enologia e também no curso de tecnologia em viticultura e enologia. Ainda pretendo continuar os estudos na área; é muito prazeroso estudar vinho, mas neste momento a vinícola demanda dedicação exclusiva. Desde 2009, nossa vinícola vem passando por uma transformação muito grande. A família consegue se dedicar mais à atividade e estamos construindo um novo prédio para elaborar os vinhos. A casa antiga ficará somente como loja e museu. Em longo prazo, queremos formar um complexo enoturístico para mostrar o nosso mundo aos turistas.
O museu fica na parte superior da casa, onde toda estrutura original foi mantida, com quartos, sala, sótão, equipamentos de vivificação antigos e utensílios de casa. Estamos levantando um acervo fotográfico e pretendemos criar um acervo de vídeos com relatos da minha tia-avó, a mais antiga da família que viveu na casa. Nosso objetivo é criar um museu interativo que represente um pouco da história dos bravos imigrantes italianos e também da nossa família. Temos muitos utensílios também que foram doados pela comunidade e estão expostos com os sobrenomes de cada família.
Acredito que nossas garrafas de vinho trazem consigo toda essa história: a de várias gerações que lutaram para termos o que temos hoje. A cada garrafa de vinho, a cada gole degustado, sentimos orgulho por mantermos vivo o sonho dos nossos antepassados. Todo trabalho, lágrimas e suor da família estão presentes em nosso solo, nosso terroir, por isso, costumamos dizer que, ao degustar nosso vinho, as pessoas também fazem parte da nossa história.