Illy e Lavazza esquecem a concorrência e unem forças para financiar a pesquisa que decifra pela primeira vez o código genético da bebida estimulante mais consumida do mundo
O café arábica começa a ter os seus segredos desvendados, além daquele já conhecido — o seu forte e saboroso sabor. Pesquisadores italianos, financiados pelos colossos Illy e Lavazza, conseguiram decodificar o DNA da planta. O fato por si só representa um milagre da economia italiana, não apenas pela descoberta científica, mas também por unir dois concorrentes em um país onde juntar realidades afins e com conhecimentos complementares é uma ação fora do comum. Talvez a pesquisa represente uma mudança nos ventos que sempre sopraram na Itália do localismo exacerbado e do famoso “campanilismo”, segundo o qual cada um cuida do seu jardim sem se importar com o do vizinho. As duas empresas uniram seus esforços em busca de um objetivo comum: melhorar e incrementar a produção na origem, ou seja, junto aos produtores da matéria-prima. Afinal, ambos se nutrem dos frutinhos vermelhos colhidos em países celeiros, como Etiópia e Brasil.
— Somente para se ter uma ideia da dificuldade da pesquisa, basta saber que os cafés do tipo Canephora e Eugeniodies, seus ancestrais e suas prováveis fontes de origem, através de um cruzamento espontâneo, possuem, cada um, 22 cromossomos, enquanto o arábica tem 44 — afirma o professor Giorgio Graziozi, da DNA Analytica, uma spin off da Universidade de Trieste.
A grandeza e a complexidade do genoma do café arábica se traduz em 2,6 bilhões de bases que, fisicamente, ocupam 140 centímetros de comprimento. A metodologia aplicada foi dividida em cinco fases: da preparação de uma “genoteca” à anotação e à identificação dos genes que codificam o DNA, passando pela sua sequência parcial e total, além da reconstrução informática da sequência. A razão de tanto esforço é aumentar a qualidade da matéria-prima e o prazer de quem saboreia o produto final na xícara.
A equipe de 20 pesquisadores, incluindo cientistas do “Istituto di Genomica Applicata”, de Udine, além das Universidades de Padova e Udine, conseguiu mapear mais da metade da sequência genética do arábica. A reconstrução é a fase anterior, e principal, para prosseguir com a identificação dos genes que afetam, influenciam e determinam o crescimento e a resistência do precioso arbusto.
Produtores buscam o café resistente às mudanças climáticas e às pragas
As prováveis consequências deste avanço vão da adaptação às mudanças climáticas e ao nível de presença da cafeína, passando pelo aumento de aromas e pela sincronia da maturação dos frutos, sem falar no aumento da produtividade e no fortalecimento das plantas contra doenças.
— Este é um importante trabalho para a comunidade científica que se ocupa do café. Uma das maiores dificuldades foi distinguir as sequências que derivavam dos dois ancestrais genéticos, o Coffea canephora e o Coffea eugenioides, muito parecidos entre si. Esta peculiaridade tornou a reconstrução do genoma do Arábica ainda mais complexa. Mas conseguimos alcançar uma boa quantidade de material decifrado — explica o professor Giorgio Graziosi.
Toda a cadeia alimentar deverá se beneficiar de um controle maior da qualidade, desde a plantação até o último gole no bar da esquina.
— O café está vivendo uma temporada positiva. Mas temos que nos preparar para enfrentar os desafios do futuro. Temos que aumentar a biodiversidade minimizando os efeitos negativos do aquecimento global. Os resultados da pesquisa vão ajudar a todos os atores da cadeia do café — comenta Andrea Illy, presidente e administrador delegado de Illy, e presidente da Promotion and market develpment committe da Organização Internacional do Café.
A economia global do setor do conta com a participação de 26 milhões de famílias. A descoberta vai dar elementos aos agricultores para plantar o café mais indicado a determinados terrenos, em específicos fatores climáticos. E, principalmente, dar às plantas uma condição melhor e maior de adaptação.
— Esta pesquisa nos permite “ler” a planta e identificar perfeitamente a sua origem. Podemos identificar o gene que confere resistência às doenças ou às infecções sofridas pelas plantas. Será possível dar aos consumidores um café de qualidade superior, baseado em critérios objetivos — explica Giuseppe Lavazza, vice-presidente de Lavazza e chairman de Iniciative for Coffee & Climate- International Coffee Partners.