Ele veio para ver a Copa do Mundo de 1950 no Brasil e acabou ficando. Viajou de avião na época em que a maioria cruzava o Atlântico de navio. Estabeleceu-se no Rio, trabalhou com importação, escreveu livros, constituiu família, mas nunca perdeu o contato com a amada Itália. O milanês Vittorio Romanelli conta sua história ao repórter Maurício Cannone.
A história de Romanelli no Brasil começou antes de ele vir morar em terras sul-americanas. A família tinha laços do outro lado do Oceano, como conta o imigrante:
— Uma tia era casada com um brasileiro do Itamaraty. Por, isso minha mãe, Iolanda, vinha com frequência ao Brasil. Antes de imigrar eu queria ser ator em Milão. Fiz dois meses de teatro escondido da família, que não queria que eu seguisse a carreira artística. Na época, trabalhei com Alberto Lionello, que se tornou um grande ator italiano — revela.
Carlo, pai de Vittorio, era antifascista convicto desde os primeiros tempos do regime de Benito Mussolini. Tempos difíceis que acabariam por abreviar sua vida.
— Durante a guerra, ele teve até de fugir de Milão. Pouco depois do conflito, morreu de desgosto profundo. Sempre me debati contra o fascismo nos livros que escrevi — comenta.
Viúva, a mãe de Vittorio casou-se de novo com o diplomata brasileiro Lauro Müller, que era cônsul-geral do Brasil em Milão e pai do famoso cronista social Maneco Müller, mais conhecido pelo pseudônimo de Jacinto de Thormes. O novo marido da mãe de Vittorio era filho de outro Lauro Müller, que havia governado Santa Catarina, além de ter sido ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas no governo do presidente Rodrigues Alves e ministro das Relações Exteriores dos presidentes Hermes da Fonseca e Wenceslau Brás. Membro da Academia Brasileira de Letras, batiza uma famosa rua no bairro carioca de Botafogo.
Romanelli recorda como ocorreu a mudança de país quando veio assistir ao primeiro Mundial organizado pelo Brasil, em 1950. Ele ainda guarda com orgulho o convite que recebeu para ver a final no Maracanã:
— O presidente da Fifa na época, Jules Rimet, nos convidou para ver a Copa. Viajei em um DC4 da Alitalia, no qual deveriam caber umas 30 pessoas, talvez nem isso. Eram os primeiros tempos da aviação comercial. O voo era cheio de escalas. Partimos de Milão, paramos em Pisa, em Lisboa, em algum lugar da África e em Natal antes de chegar ao Rio. A viagem deve ter durado 20 horas.
A permanência no Brasil começou com uma atividade que acabou não dando certo, mas tudo se ajeitou depois:
— Encontrei no Hotel Miramar, onde estava hospedado, um ítalo-americano que trabalhava com a RCA, que era um colosso mundial. Em 1950, a televisão foi implantada no Brasil, mas era preciso fornecer aparelhos ao público para que ela se difundisse. Eu iria trabalhar com ele. Mas ele acabou desaparecendo. Deve ter encontrado alguma mulher, como acontece nesses casos — conta.
O jeito foi dedicar-se a outro trabalho: ele começou a importar produtos da Itália, entre máquinas para escavação e artigos para indústria têxtil e laboratórios de análises clínicas.
— Fiz longas viagens à Itália. Decidi ficar no Brasil para morar quando percebi que poderia ir e voltar frequentemente, ou seja, facendo la spola. Também rodei pelo mundo. Estive tanto nas Ilhas Galápagos quanto no Quênia — resume o pai de Carlotta, hoje aposentado. Atualmente, se dedica à cultura, com livros recomendados por escritores ilustres.
— Escrevi seis livros. Tenho publicações tanto em português como em italiano. Um deles, Impressões sobre esse fantástico mundo chamado Brasil, teve a orelha escrita por Marco Lucchesi, prefácio de Antonio Olinto e capa desenhada por Lan.
E as viagens à Itália continuaram. O escritor Romanelli também esteve no país natal por motivos culturais:
— Em 2010, participei de um encontro com cerca de 60 pessoas, vindas dos cinco continentes, em Udine. Foi um encontro promovido pela Farnesina. Mas cada um pagou suas despesas de viagem. Do Brasil, foram quatro. Além de mim, um de Santa Catarina, um de Vitória e um de Porto Alegre. Demos várias entrevistas à Rai e à agência de notícias Ansa.
Só uma coisa ele não quis revelar à Comunità: a idade.
— Não digo. São tantos anos… — responde Romanelli.
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