O diretor da Ansa Brasil fala da realidade do país, marcado pelos contrastes sociais, e reafirma a importância da sede de São Paulo para a agência italiana
A primeira impressão que o diretor da Ansa Brasil, Marco Brancaccia, teve ao chegar à capital paulista foi a de ter tomado o avião errado com destino a Bruxelas ou Londres. Durante uma semana, choveu sem parar e fez frio.
— Não foi a chegada que eu tinha imaginado. Mas o Brasil muitas vezes é diferente da imagem que se tem no exterior, em particular na Itália. Quem vê de fora pensa nos cartões-postais de agências de turismo, mas há outra face, muitas vezes desconhecida, que é a mais verdadeira — conta à Comunità do seu escritório em São Paulo, onde mora desde 2012.
Segundo ele, trabalhar e morar na cidade é como viver em uma metrópole em qualquer outra parte do mundo, com um pouco mais de riscos, pois, “como todas as principais cidades brasileiras, é bastante perigosa”. Brancaccia diz que já foi assaltado com uma arma, ao sair para almoçar no bairro nobre do Itaim Bibi, onde fica a Ansa. Apesar disso, ele afirma que não foi difícil se adaptar à realidade brasileira.
— É um país com muitas contradições, mas é belíssimo, com pessoas interessantes, estimulantes. Ainda que eu morasse aqui pelo resto da minha vida, não conseguiria vê-lo por completo, de tão grande que é — destaca o diretor romano.
A Ansa, a principal agência italiana de notícias, e uma das mais importantes no mundo, nasceu há mais de 60 anos. Presente em 90 países, produz diariamente mais de 3500 notícias e mais de 1500 imagens através de diversas plataformas e em diferentes formatos. O escritório em São Paulo foi aberto em 1964 e é a sede principal no país.
— A Ansa aposta muito no Brasil e esse é um escritório importante. Produzimos um noticiário em italiano e outro em português, que se soma aos que a agência oferece em inglês e em espanhol. Além disso, há o site Ansa Brasil, que foi totalmente renovado em junho de 2013 — relata o diretor, satisfeito com o portal que bateu o recorde imediatamente depois da Copa do Mundo e a cada mês aumenta o número de visitantes.
Agência aposta na internet e na italianidade como um diferencial
O italiano explica que no site são publicadas notícias de interesse italiano, com atenção também para o lado brasileiro.
— Não podemos ser um site brasileiro, pois não teríamos a força para competir com os grandes portais, mas destacamos o diferencial da Ansa, a italianidade — frisa.
De acordo com Brancaccia, o volume de notícias no Brasil é grande, porém eles avaliam e selecionam o que interessa ao público italiano, concentrando-se sobre temas relacionados à política, como as últimas eleições e os recentes casos de corrupção, e à economia, além das crônicas.
— Há um personagem aqui no Brasil que todos conhecemos e que interessa muito aos veículos italianos. Quando se fala em Cesare Battisti, há sempre grande atenção, pois é um caso que ainda marca a relação entre os dois países — explica o diretor, o primeiro que noticiou a prisão preventiva do ex-ativista em março. Outro caso que atrai os brasileiros e os italianos que vivem no país é o do ex-diretor de marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, que fugiu para a Itália com identidade falsa após ser condenado no processo do mensalão.
Brancaccia admite que é difícil cobrir o Brasil, pois a imprensa italiana, como as de muitos países ocidentais, está um pouco distraída e acende os holofotes na ocasião de grandes eventos, como a Copa.
— O Brasil tem o tamanho de um continente e é claro que não faz sentido falar do país em termos gerais, pois aqueles que vivem em São Paulo não são como os que moram no Nordeste ou na Amazônia. É um país com algumas zonas mais avançadas do que na Europa e outras onde se vive como na África: uma desigualdade enorme. Em São Paulo, por exemplo, o número de helicópteros privados superou o de Nova York — destaca, esclarecendo que essas contradições não são apenas brasileiras, mas de quase toda a América Latina.
Uma análise da crise econômica brasileira, uma bola de neve que agrava os problemas sociais
Brancaccia não se atreve a fazer previsões sobre o futuro do Brasil, pois é difícil entender o impacto da crise internacional, já que “os efeitos da crise aqui chegaram mais tarde, se compararmos com Europa e Estados Unidos, onde começou”.
— A economia brasileira cresceu na última década a um ritmo bastante elevado. Depois, nos últimos anos, desacelerou e, obviamente, aumentaram os protestos — analisa, lembrando que, quando a economia não vai bem, gera uma grande insatisfação e essa fórmula é igual em quase todo o mundo.
— O governo mudou a equipe econômica com uma tentativa de abertura aos mercados. Isso é bom, mas se a economia não é retomada, acontece o mesmo que na Itália e na Europa, ou seja, tudo para e, obviamente, aumenta a insatisfação e os problemas sociais se acentuam, pois o governo não tem dinheiro suficiente para investir em projetos sociais — afirma o diretor, que trabalha na Ansa desde 1988.
A agência não permite opiniões: o jornalista deve relatar o fato sem tecer comentários. Brancaccia lembra sempre as palavras do então diretor Sergio Lepri, ditas quando o contratou: “Querido Brancaccia, eu não sei o que você pensa politicamente, mas não quero descobrir lendo as suas matérias”.
Entre o jornalismo italiano e o brasileiro, o profissional não vê muitas diferenças. Os impressos têm um bom nível, como também os sites, que dedicam uma parte importante a questões nacionais, sem ser provincianos, analisa.
— A televisão é um discurso à parte. Como na Itália, caminha na direção da espetacularização — define, criticando também o jornalismo italiano, que “se concentra muito mais nas polêmicas do que na política verdadeira”.
A experiência que marcou a carreira do diretor foi a cobertura da guerra nos Bálcãs
Antes de se mudar para o Brasil, o jornalista foi responsável, entre 2001 e 2006, pelo escritório na Cidade do México, já fechado, além de ter trabalhado nas sedes de Washington e Londres, e ter sido correspondente de guerra nos Bálcãs, em Kosovo, e na Líbia, quando o ditador Muammar Kadafi foi deposto. As experiências de guerra foram as que mais o marcaram, porque viver de perto um conflito é algo que afeta também a vida privada, “te faz ver as coisas de um ponto de vista diferente”.
— Se tivesse feito outro trabalho, não teria feito essas experiências. Sou muito grato, pois me enriqueceram em nível pessoal — conta Brancaccia, que sempre trabalhou no setor internacional da Ansa.
Uma vez lhe ofereceram uma vaga na sede de Bruxelas, mas ele recusou. Afinal, o que mais gosta de fazer é contar histórias, e a América Latina é um dos continentes onde há muitos acontecimentos para relatar.
— As pequenas histórias, em minha opinião, descrevem melhor o país, como quando visitei o Museu da imigração em São Paulo. Fiquei comovido. É muito forte o vínculo entre as nossas origens e o Brasil — comenta o diretor, que se lembrou dos milhões de italianos que cruzaram o oceano para tentar a sorte em solo brasileiro, situação que agora vemos diariamente nos barcos de imigrantes que atravessam o Mediterrâneo.
— A memória é um pouco fraca. Algumas forças políticas nas regiões do norte e nordeste italiano, onde houve uma grande emigração, esqueceram o que aconteceu há menos de um século. Hoje, quando chegam outras pessoas, os rejeitam, em vez de acolhê-los. Esse é um assunto um pouco difícil de explicar aos italianos que vivem no Brasil — reflete.