Empresários padovanos apostam no Brasil para expandir os negócios, mas globalizar nem sempre é tarefa fácil na economia vêneta, caracterizada pela gestão familiar
Padova vuole il Brasile. As empresas de uma das regiões mais ricas e industrializadas da Itália estão à procura de parceiros e clientes no país. O momento por si só já é desafiador: enquanto a economia brasileira enfrenta a sua primeira grande crise dos últimos 10 anos, a Itália mostra sinais de recuperação de um dos períodos mais difíceis de sua história. A lição aprendida pelas empresas vênetas, caracterizadas pela gestão familiar, é que a internacionalização é a alma do negócio em tempos difíceis. Por isso, em maio, oito empresas da província de Padova (Pádua), pertencentes a variados setores, da gastronomia ao de máquinas industriais, aportaram em uma missão no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde visitaram fábricas e encontraram importadores e possíveis clientes.
— O Brasil é um mercado que queremos monitorar sempre. Ano passado, estivemos em São Paulo e em Belo Horizonte. Este ano, decidimos incluir o Rio. A maior parte das empresas participantes ainda não faz negócios aqui — explica Lynda Bonaguro, da Padova Promex, braço da Câmara de Comércio de Padova que apoia as empresas que querem exportar, e que organizou os encontros, juntamente com a Câmara de Comércio Ítalo-brasileira do Rio.
Em reportagem especial de dezembro de 2013, Come creare imprense globali, o jornal Il Mattino di Padova falava da importância, para as empresas de condução familiar, de se investir no comércio com os países do BRIC e de outros mercados emergentes, como Coreia do Sul, Turquia e México. Muitos foram os avanços nos últimos anos, confirma Lynda.
— Há duas décadas, não existia essa preocupação, de se internacionalizar. A globalização trouxe outras preocupações e muita coisa mudou. Os turcos, por exemplo, avançaram muito. A União Europeia não é mais considerada estrangeira. As empresas italianas e vênetas tiveram que se organizar. Muitas daquelas que são familiares estão desaparecendo e quem conseguiu se manter nos últimos anos são justamente aquelas que souberam investir na relação com o exterior — confirma a especialista.
O desafio de se internacionalizar é grande em uma região de fortes tradições culturais, onde o dialeto é falado com afinco. Entre regionalismo e globalização; condução familiar e administração manageriale; o Vêneto vive o seu paradoxo industrial e cultural diário. A Câmara de Comércio da província de Padova reúne 95 mil empresas inscritas, das quais 1800 são exportadoras habituais.
Impostos altos exigem parceiros locais
As características culturais e legislativas de cada país podem ser um desafio para os exportadores. Em sua reportagem, o Il Mattino ressaltava as normas locais para obter autorização de governos de países como a Índia. Em relação ao Brasil, o jornal italiano destacou a complexidade financeira e jurídica do país, aspectos confirmados pelas empresas estrangeiras que, em princípio, podem sentir dificuldades para entrar no mercado nacional.
— Temos dificuldade em relação aos impostos de importação, que são altos. São três tipos: municipal, estadual e federal. Com tudo isso, calcula-se que o produto custa o dobro do que custaria na Itália. Por isso, o ideal é encontrar um partner através do qual se possa produzir localmente. Pode-se, por exemplo, mandar o “coração” do produto da Itália e finalizá-lo aqui, o que simplificaria o processo. Outro problema é o idioma. Poucas empresas brasileiras têm funcionários que falam inglês, e isso complica as coisas. Nós aqui facilitamos o primeiro contato, com tradutores inclusive, mas depois é necessário fazer o folllow up. As empresas italianas também devem se preparar contratando, por exemplo, pessoas que falem português — detalha Lynda.
A questão cultural também não deve ser relegada a um segundo plano. Há semelhanças que aproximam brasileiros e italianos, como no campo da gastronomia. Mas diferenças sutis no modo di fare podem ser cruciais durante uma negociação.
— Alertaram-nos, por exemplo, que muitos empresários brasileiros se empolgam e dizem, durante visitas ou demonstrações, coisas do tipo “nossa, o seu produto é o melhor do mundo”. Mas, depois, simplesmente desaparecem; non si fanno neanche sentire — comenta.
Ninguém duvida do talento e da capacidade made in Italy, é claro, mas a competitividade exige mais do que isso na hora de se apresentar ao exterior.
— O grande desafio no Vêneto é juntar realidades de pequeno e médio porte para construir sinergias, de modo que as atividades se complementem e sejam atraentes para o público de outros países, agregando valor ao produto final — revela a responsável pela Promex.
Enfim, todos sabem que i veneti sono bravi lavoratori — mas isso não basta nos tempos de hoje, alerta Lynda Bonaguro:
— É preciso também criar uma posição no mercado — complementa.
Massa congelada e conservas sott’olio de vegetais mediterrâneos
Pela primeira vez no Brasil, o proprietário da Agostini Elio snc, situada em San Martino di Lupari, uma cidade com 13 mil habitantes, encontrou importadores e restaurantes italianos do Rio, como o Don Camillo, em Copacabana.
— Estamos começando nosso processo de internacionalização. Fazemos congelados que duram seis meses, como inhoques recheados. O Vêneto ainda é o nosso maior mercado. Escolhemos o Brasil por causa da proximidade de gostos, inclusive na culinária, devido à nossa cultura em comum, a latina. A recepção é muito maior em comparação ao mercado chinês, por exemplo — ressalta o empresário Alessandro Agostini.
Por sua vez, o gerente de exportação Luca Dalla Vecchia, da Valbona, encontrou importadores e donos de restaurantes. Produtos em conserva, como antipasti, carciofi, funghi sott’olio, patês e tomates secos são exportados para França, Japão, Austrália, Índia e países árabes.
— Somos uma empresa familiar, mas com um modelo de gestão manageriale. Ainda não temos clientes no Brasil, país que escolhemos por ser o mais importante da América do Sul. O mercado está em crescimento e amadurecendo. Os brasileiros viajam muito e sabem o que é bom. Queremos difundir a nossa marca, que ressalta nas embalagens e rótulos a italianidade. Os impostos para importar são altos, mas nossa faixa de público não está focada no preço; é para quem está disposto a pagar um pouco mais — frisa Luca.
Também participaram dos encontros empresas dos setores de tecnologia, como a Area Impianti spa, de Albignasego; e a A.T.A. srl, de Conselve; de design e móveis, como a L’Ottocento srl, de Cittadella; e de iluminação, como a Bestlight srl, também de Albignasego.
Apesar do clima de crise econômica no Brasil, o saldo da missão é azul.
— O saldo final desses primeiros encontros com os empresários fluminenses foi positivo, mesmo com o cenário complexo para 2015 e em um país onde o labirinto burocrático e fiscal é uma barreira significativa — comemora o diretor da Câmara Ítalo-brasileira de Comércio do Rio, Giorgio Rossi.
Em uma avaliação realizada pela Câmara com os participantes por meio de entrevistas, metade das empresas brasileiras declarou que os encontros resultarão em negócios em curto ou médio prazo. Além disso, metade pretende firmar acordos de representação no país, 15% querem estudar a possibilidade de fazer joint-ventures e 35% pretendem comprar diretamente maquinários, componentes ou serviços dos italianos. Os italianos visitaram empresas não apenas na capital, mas em várias cidades do estado fluminense, como Duque de Caxias, Cabo Frio, Quissamã, Macaé e Cantagalo.