Jornalista Emiliano Guanella conta à Comunità suas experiências em vários países da América Latina e faz uma análise da imprensa e da sociedade brasileira
Emiliano Guanella vive há 15 anos na América do Sul e traduz para os italianos o cotidiano desse imenso e complexo continente. O jornalista nasceu em Brianza, na Lombardia, e deixou a Itália “quando nem se ouvia falar em crise”. A tese sobre a imigração italiana na Argentina, apresentada na faculdade de Letras, serviu como uma espécie de passaporte: dois anos depois, se mudava para a capital portenha, onde viveu vários anos. A paixão pela cultura e o futebol argentinos rendeu o livro 50 volte Diego, escrito pelo repórter que entrevistou o craque diversas vezes ao longo de uma década e acompanhou suas peripécias dentro e fora de campo.
— Maradona tem uma capacidade de comunicação incrível, é um personagem contestador, que vai além do futebol, é sempre um protagonista. Por isso, fez mais sucesso que Pelé — afirma Guanella, que foi produtor da Rai em Buenos Aires entre 2006 e 2010 e acompanhou de perto a grande crise econômica e política que atingiu a Argentina entre 2001e 2002, enviando matérias diárias ao longo de dois meses, um período marcado por panelaços, saques e mudanças de presidentes.
Há dois e meio morando no Rio de Janeiro, é correspondente da Sky Sport, da RSI Radiotelevisione svizzera em língua italiana e da Radio 24, além de escrever para os jornais La Stampa e Il Manifesto. No Brasil, cobriu a Copa das Confederações e a Copa do Mundo. Sobre o Mundial de futebol, não se limitou aos fatos esportivos, como a imensa maioria dos repórteres nativos: dedicou-se aos seus desdobramentos sociais em uma série de reportagens sobre os sfollati del mondiale, como os protestos contra demolições em São Paulo e no Rio, a exemplo da Favela do Metrô-Mangueira. Entre outros trabalhos mais marcantes no país, ele cita as invasões dos Sem-Terra e a eleição de Lula à presidência, em 2002:
— A trajetória de Lula é muito forte e faz parte da história da América Latina. Ele teve a tenacidade e sorte de governar sob um ciclo econômico muito favorável e de entender que a sua base eleitoral seriam os programas sociais, que ele manteve.
Emiliano também enviou à Itália matérias sobre a polêmica Usina de Belo Monte, no Pará, onde chegou a dormir na aldeia com os índios para apurar melhor os fatos:
— É um grande dilema do progresso. De um lado, é bom que o Brasil tenha energia renovável. Por outro, modifica a natureza. Os índios são contra. Para eles, é como se um ET chegasse sobre a cabeça deles — conta.
Para o jornalista e escritor, a mídia brasileira concentra muito poder e os jornais têm poucos leitores
Para Guanella, a mídia brasileira difere da italiana por apresentar “conglomerados de poder muito fortes”, sobretudo no campo televisivo, e por não possuir um diário verdadeiramente nacional.
— Na Itália, os jornais têm mais incidência pela quantidade de leitores. Folha, O Globo, Estadão etc. têm a mesma quantidade de leitores da Itália, mas o país tem o triplo da população! A imprensa brasileira é muito regionalista, não existe um diário verdadeiramente nacional. O jornal impresso faz campanha contra o governo; na Itália, isso se vê menos. Os veículos brasileiros demarcam mais suas posições políticas. Já a TV aqui é muito importante. E não só: existe uma emissora mais importante que as outras. O sistema televisivo italiano é mais plural. Temos Rai, Media Set, Sky e a própria Rai, que é pública, é dividida em várias, Rai 1, 2, 3… No Brasil, quase ninguém assiste à TV pública. A emissora predominante é privada e exerce um papel político pesado por ser predominante. O fato de não haver uma rede pública forte contribui para isso — analisa.
A revolução da internet, porém, tem mudado cada vez mais essa situação, inclusive no Belpaese.
— A crise entre os jornais na Itália também é grande, pela falta de publicidade e pela dificuldade econômica das famílias italianas que compram menos diários. As novas gerações serão um problema: não estão acostumadas a comprar jornais, livros, CDs, enfim, não estão dispostas a pagar por isso. Até os horários da TV não vão mais existir. As pessoas têm horários diferentes e preferem escolher o que veem. Netflix é outra revolução. Enfim, tudo muda muito rapidamente hoje nos meios de comunicação.
Ameaças na Venezuela e cobertura depois do terremoto no Chile
No Chile, Guanella acompanhou o drama dos 33 trabalhadores presos na mina San José, em Atacama (2010). Em 2005, foi o primeiro jornalista estrangeiro a chegar a Constituición, onde houve um tsunami, dias depois do grande terremoto de 2005. Na capital da Venezuela, ele foi ameaçado com um policial armado à paisana quando cobria o fechamento ordenado pelo governo da emissora privada RCTV, em 2007.
— Acho que Hugo Chávez é o personagem mais importante da América Latina na década 2000-2010. Na década atual, para mim, é o papa Francesco — avalia Emiliano, que não pensa em voltar para a Itália tão cedo.
Para ele, a crise econômica que atingiu sua terra natal nos últimos anos tem a ver com a “falta de solidariedade com os imigrantes”.
— A Alemanha não acolheu meio milhão de refugiados sírios por bondade, mas porque vão precisar de força de trabalho que pague impostos para a previdência social e para garantir a aposentadoria. O sistema previdenciário italiano precisa dos imigrantes, mas não se encara o problema de forma racional. Os políticos da direita são responsáveis por isso também. Enfim, a Itália é o país das emergências constantes — critica.
E o que um jornalista nascido na ordeira Lombardia pensa do Brasil? Que tem um povo pacífico demais.
— O brasileiro foge dos problemas. É um povo muito pacífico, que não reclama, não protesta nas praças. É massacrado diariamente, no transporte público, pelos bancos, e não reclama. Nem quando o futebol está ruim. É a ditadura do “tá tudo bem”. O 7 x 1 não serviu nem para mudar os dirigentes do futebol brasileiro — lamenta o repórter, fazendo uma inevitável comparação com os vizinhos portenhos, acostumados a fazer panelaço e a brigar diante da Casa Rosada, lembrando que a Argentina teve uma composição social muito diferente, com uma classe média dominante e sindicatos fortes e, “mesmo com toda a sua crise econômica, ainda tem mais livrarias do que o Brasil”.
Apesar de tanta passividade, o italiano admira o calor humano do brasileiro na hora de festejar.
— Quando há muito entusiasmo, é incrível como tudo funciona; é o caos organizado. No Carnaval, tudo funciona bem, assim como no Réveillon em Copacabana, com centenas de milhares de pessoas juntas — finaliza Guanella.