O ex-diretor da Secretaria de Ordem Pública do Viminale fala com exclusividade à Comunità sobre prevenção a atentados terroristas na Itália
A Europa está sob ataque. Os atentados do último 13 de novembro em Paris, que custaram a vida de 137 pessoas e provocaram o ferimento de outros 352 indivíduos, trazem a assinatura de células terroristas que reconduzem ao Isis, o autoproclamado Estado Islâmico, que tem suas bases principais na Síria, no Iraque e na Líbia. Não é somente a França a estar na mira do Isis: poucos dias antes da tragédia de Paris, uma bomba matou 224 passageiros que viajavam a bordo de um avião civil russo, enquanto 41 pessoas foram mortas em um atentado em Beirute. Todos os mortos são iguais e mereceriam a mesma consideração, mas é inegável que o que aconteceu na França tenha produzido um efeito extraordinário e avassalador sobre a opinião pública, semeando uma sensação de insegurança e vulnerabilidade, juntamente ao pânico e ao terror.
O que amplificou o eco dos fatos de Paris não foi somente o valor simbólico de um ataque no coração da Europa, mas também e, sobretudo, a metodologia dos atentados e o identikit dos terroristas: foram atingidos um teatro em que acontecia um show de rock, um estádio que hospedava uma partida de futebol e bares como muitos. Na prática, qualquer pessoa que se encontrasse em Paris no dia 13 de novembro correria o risco de acabar entre as vítimas.
Assustam também as características identitárias dos que promoveram o ataque, os assim chamados foreign faighters, em alguns casos imigrantes, mas mais frequentemente cidadãos europeus de origem islâmica, que vivem na Europa e que na Europa acabaram radicalizando-se. Pessoas que, como demonstram os ataques suicidas de Paris, estão prontas a tudo e aceitam sacrificar a própria vida pela causa que escolheram abraçar. A pouca previsibilidade dos alvos e o feroz desespero dos que atacam, tornam o fenômeno particularmente inquietante e complicado de ser contido.
Ninguém está imune,
alerta o especialista
A Itália, que mesmo tendo agido com muito mais prudência do que a França no jogo de xadrez meridional, também é um potencial alvo do Isis. Francesco Tagliente, ex-delegado de Roma e ex-diretor da Secretaria de Ordem Pública do Ministério do Interior, é um dos maiores especialistas italianos em matéria de gestão da segurança. Perguntamos a ele quais riscos corre realmente a Itália, país que, aliás, hospeda um símbolo do cristianismo como o Vaticano, ainda mais estando em pleno novo Ano Jubilar.
— É preciso dizer que depois dos terríveis atentados de Paris nenhum país e nenhum lugar pode se considerar completamente protegido dos atentados. Os terroristas, na França, não se concentraram somente em alvos simbólicos, sobre os quais se pode concentrar a vigilância, mas atacaram também lugares cheios de gente, colocando na mira o homem comum. Esta é a confirmação que nenhum lugar e nenhum indivíduo pode se considerar imune e, portanto, não é possível excluir que também a Itália seja um alvo — explica Tagliente à Comunità.
O papel marginal que a Itália desempenha, no plano militar, no âmbito da coalizão anti-Isis, poderia, portanto, não ser suficiente para garantir a incolumidade do país:
— Antes de Paris o terrorismo havia atingido Nova Iorque, Londres, Madri, Túnis e muitos outros lugares de continentes diferentes. É verdade que o nosso governo excluiu bombardeamentos aéreos contra as bases do Estado Islâmico, mas a Itália está desempenhando um papel importante a nível internacional, está de qualquer maneira empenhada militarmente no âmbito da coalizão contra o Estado Islâmico e tem muitas tropas no exterior para a manutenção da segurança internacional.
Tagliente, de qualquer modo, exorta todos a manter a calma e a não dramatizar:
— Não é preciso alimentar o medo, as instituições italianas estão trabalhando para que o ocorrido em Paris não se repita em nosso país. Os atentados de novembro passado não devem nos fazer mudar os planos; para vencer a luta contra o terrorismo é fundamental manter os nossos hábitos e, neste sentido, foi um sinal importante que em Roma na noite do dia 7 de dezembro, na véspera da cerimônia de abertura da Porta Santa em San Pietro, o centro histórico estivesse tomado por centenas de milhares de pessoas.
O elemento de novidade, no plano da metodologia dos atentados, é um dado concreto. Falta entender como é possível prevenir e contrastar os riscos, já que não existem mais alvos sensíveis.
— É bom esclarecer logo que o esforço de prevenção pode reduzir o risco de atentados, mas não o elimina com certeza. Dito isso, é preciso sobretudo uma contínua remodelação dos dispositivos de controle do território para adequá-lo às novas exigências e um maior compartilhamento e cooperação operativa por parte de todas as potências mundiais.
A internet está tendo um papel de grande importância na comunicação e no proselitismo de matriz islâmica:
— É fundamental concentrar-se no monitoramento da rede, como demonstram as últimas operações antiterrorismo, que evidenciaram a importância da web como instrumento de propaganda. Os conteúdos extremistas e os sites jihadistas são facilmente acessíveis online e é, portanto, necessário identificar e bloquear os indivíduos que levam as pessoas para o terrorismo. Devem ser monitoradas as atividades das redes, os networks wifi abertos, o Deep Web e as lanhouses para prevenir a radicalização e o recrutamento do extremismo violento na Europa.
O inimigo em casa
O fenômeno dos foreign faighters é ainda contido quantitativamente, mas os fatos ensinam que bastam pequenos grupos para o início de ataques potencialmente letais.
— Os atos de terrorismo e de extremismo violento veem como protagonistas, como pudemos constatar na França, também europeus recrutados graças à propaganda, que vão para o exterior para serem treinados e combater nas zonas de conflito e quando voltam constituem uma ameaça para a nossa segurança — esclarece o ex-número um da Secretaria de Ordem Pública do Viminale.
Para intervir neste aspecto é preciso fazer uso de novas potencialidades da vídeo análise, que permitiriam a imediata identificação, via telemática, dos rostos de todos os potenciais terroristas preventivamente colocados em um banco de dados, explica. Considerando que o Isis, segundo as estimas, pode contar, no total, com um exército de 20 mil indivíduos, enquanto as pessoas de fé muçulmana são mais de um bilhão e meio, está claro como a sobreposição entre Islã e terrorismo não tenha nenhuma fundamentação. De qualquer modo é preciso evitar que os jovens muçulmanos, entre os quais correm mais risco aqueles que experimentam uma condição de marginalidade social na Europa, acabem cedendo às sereias do terrorismo islamista.
— É necessária uma penetração maior e contínua das agências de controle social nas periferias, para prevenir a radicação do fundamentalismo. A ação para derrotar o Isis deve ser conduzida também no plano cultural e deste ponto de vista seria importante tentar envolver nas atividades de prevenção também os pregadores ortodoxos hostis à violência armada. No meio tempo é preciso monitorar as mesquitas existentes em nosso território para ter a certeza de que sejam locais de oração – evidencia o especialista – e avaliar a possibilidade de fechar as realidades que não possuírem as características próprias de um lugar de culto.
Monitoramento é a palavra-chave no âmbito das atividades de prevenção e repressão:
— Devem ser monitoradas também as prisões, para prevenir eventual obra de proselitismo no interior das celas. Além disso, é necessário revistar as casas e todas as estruturas em que haja suspeita de alojamento de adeptos e defensores ou onde haja suspeita de depósito de armas e explosivos.
Expulsões miradas
Outro tema polêmico é o do controle e da gestão das fronteiras.
— Os controles devem ser reforçados em todos os viajantes, também nas fronteiras e é preciso efetuar expulsões miradas de quem incita o ódio, a violência, a difusão de ideias ou teorias que levam a atos de terrorismo. Além disso, é preciso começar a refletir sobre a necessidade de ter cada vez mais pessoas especializadas que conheçam a língua árabe, porque o número de pessoas a serem controladas aumenta continuamente, com uma grande variedade de línguas e de dialetos, além de culturas — afirma Tagliente.
O especialista em matéria de ordem pública promove a ação desenvolvida até agora pela Itália no que diz respeito à prevenção e à repressão anti-Isis:
— Tenho certeza que o nosso governo, os nossos serviços de inteligência e investigação antiterrorismo e as nossas polícias estejam na direção certa, com um altíssimo perfil profissional e com forte determinação para garantir a habitabilidade e a segurança de nossos territórios.
Os serviços secretos foram muito criticados por não terem sido capazes de captar nenhum sinal durante os preparativos dos atentados de Paris. Falta entender se a inteligência italiana, ainda sob a luz da experiência acumulada nos anos 70 contra o terrorismo político de direita e de esquerda, possa representar um valor adicional para a segurança do país.
— Na França a culpa foi dada à inteligência, mas tenho certeza que reduzir o discurso a uma subestima dos serviços franceses não é o caminho. A responsabilidade é também política e todos os países ocidentais têm grande culpa, visto que todos condenam sem hesitação o terrorismo islâmico, mas depois se dividem no que diz respeito à estratégia e ao modo de combatê-lo. A Itália dispõe de serviços de inteligência e de estruturas investigadoras com uma grande história em sua bagagem. Já enfrentamos muitas emergências e acumulamos uma grande experiência na luta com o terrorismo desde os anos de chumbo e as nossas instituições agora têm uma grande capacidade de monitoramento, dando-nos um sentimento de menor risco.
A importância da colaboração internacional
Segundo o ex-diretor da Secretaria de Ordem Pública do Ministério, a estrada escolhida é a certa, mas os esforços têm que ser intensificados, sobretudo em nível internacional:
— São necessárias medidas de prevenção fortes e somente a militarização dos territórios não basta. É importante reforçar a colaboração entre os Estados, para tentar uma solução diplomática para o conflito sírio e é preciso aumentar o monitoramento da propaganda jihadista, a luta contra os financiamentos ocultos e o papel das organizações internacionais de segurança. São necessários, sobretudo, uma maior colaboração e compartilhamento das informações entre os serviços de inteligência dos vários países e uma maior cooperação operativa entre todas as potências mundiais. Os Estados devem sentir-se unidos como aconteceu com a Itália nos anos de chumbo.
Um sinal encorajador, neste sentido, é representado pelo recente acordo assinado pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas:
— Os 15 membros do Conselho, uma semana depois dos atentados na França, aprovaram em unanimidade uma resolução que convida todos os Estados-Membros a unirem-se na luta contra os terroristas, que representam uma ameaça inédita e global. Faz bem pensar que hoje a cooperação operativa internacional veja envolvidas ativamente cada vez mais potências, ainda que preocupe a crise que se acentuou entre a Rússia e a Turquia, depois do abatimento do caça russo por parte de Ankara.
Compartilhamento das informações de uma parte, sistemas de vigilância e vídeo análise de outra: armas, sem dúvida, eficazes contra o terrorismo que, no entanto, correm risco de restringir o direto à privacidade dos cidadãos, colocando-os em uma espécie de grande irmão (big brother) global.
— Investir em sistemas de vigilância, webcams inteligentes e softwares de vídeo análise pode permitir à polícia que identifique os extremistas sob observação e seguir seus movimentos. Hoje todos os metrôs, as estações ferroviárias, os aeroportos, os bancos, os estádios, os supermercados e as joalherias dispõem de sistemas de vigilância. Seria fundamental fazer um recenseamento de todas estas câmeras para que possamos ter a possibilidade de saber em tempo real o que foi registrado. Um registro das câmeras nos daria condições de saber em remoto, mesmo nas horas noturnas de um feriado, quando tudo está escuro, o que acontece ou aconteceu em uma determinada rua e combinando tal instrumento com um sistema de vigilância de inteligência, com câmeras de alta resolução aptas à utilização de software de vídeo análise, obteremos a imediata identificação via telemática de todos os rostos dos potenciais terroristas — conclui o especialista.