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Uma epidemia mal explicada

16 de março de 2016 - Por Comunità Italiana
Uma epidemia mal explicada

Uma epidemia mal explicadaApesar das negativas do Ministério da Saúde, cientistas suspeitam que o uso maciço de larvicidas no Nordeste do Brasil contribuiu com a incidência de microcefalia em bebês

“A nossa equipe não tem dúvidas: o vírus zika, com potencial de infecção, é presente na saliva e na urina. A evidência inédita sugere agora a necessidade de investigar a relevância destas vias alternativas de transmissão viral”. As palavras de Paulo Gadelha, presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o instituto científico público brasileiro que realizou a importante descoberta, foram glaciais às orelhas de uma miríade dos curiosos, mas, logo depois, estupefatos jornalistas que imediatamente pensaram nos beijos de milhões de foliões dos desfiles de carnaval. Se, nos próximos meses, for provado cientificamente que saliva e urina transmitem o vírus, a celebração mais amada dos brasileiros terá sido uma feliz, porém trágica festa viral, que espalhou ainda mais a epidemia no Brasil, e também pelo mundo.
Se o contágio acontece através destes dois vetores, o homem será, por consequência, e não mais apenas o mosquito Aedes aegypti, o transmissor de uma ligeira “peste”, suspeita de provocar microcefalia em recém-nascidos. A descoberta é muito importante, mas não revela ainda se, por trás dos 3893 casos de bebês com malformações registrados até 20 de janeiro em 21 estados do Brasil, sobretudo no Nordeste (1306 em Pernambuco, 665 na Paraíba e 496 na Bahia), está o mosquito, que também transmite a chikungunya e a dolorosa dengue, que matou 843 brasileiros em 2015.
Mas e se, além da saliva e da urina, o ser humano contribuísse também para o desenvolvimento da microcefalia nos bebês? Com certeza, a miséria, a falta de saneamento básico em metade das moradias brasileiras e a falta de educação cívica da população estão entre as primeiras causas do alastramento das epidemias.
— Em uma nota técnica da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) é mostrado claramente como o modelo empregado para o controle da dengue é, há 30 anos, ruinoso no Brasil, além de não avaliar os efeitos dos inseticidas sobre a saúde da população — afirma à Comunità, indignada, Lia Giraldo Silva Augusto, pesquisadora especialista em epidemiologia e toxicóloga da Fiocruz, além de professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Produtos químicos banidos no resto do mundo são aceitos no país
Há uma longa lista de produtos químicos e bioquímicos — muitos dos quais banidos no resto do mundo — reportado na nota da Abrasco. São substâncias empregadas maciçamente nas favelas, onde se concentram os casos de recém-nascidos microcéfalos. O Fenitrothion, o Malathion ou o Temephós são estudados desde 1998 pelo departamento de química da UFPE como potenciais vetores cancerígenos. O Pyriproxyfen, o Diflubenzuron e o Novaluron são lançados diariamente no caminhões-cisternas e nos tanques de água potável, na tentativa de inibir a formação
de larvas.
Apesar de o Ministério da Saúde excluir a toxicidade destes produtos e a comunidade científica internacional buscar a relação entre o zika vírus e os casos de microcefalia, pesquisadores argentinos suspeitam que o causador da má formação em bebês é mesmo o larvicida Pyriproxyfen, usado no Brasil desde 2014. Os cientistas do país vizinho elaboraram um relatório divulgado em inglês pela organização médica argentina Physicians in the Crop-Sprayed Towns, no qual se relaciona o pesticida ao período e ao local de maior manifestação da doença. O Pyriproxyfen é utilizado, sobretudo, em áreas carentes de saneamento, onde a população armazena água em casa devido ao racionamento. No Brasil, o inseticida começou a ser utilizado no fim de 2014, sobretudo em regiões do Nordeste, área e período a partir do qual foi detectada maior incidência de casos de microcefalia, e em substituição ao Temephos, não mais utilizado devido à resistência do mosquito.

Pyriproxyfen foi despejado nas águas da periferia do Recife durante a Copa
Para impedir a propagação das epidemias de dengue durante a Copa do Mundo de 2014, o governo de Pernambuco inundou de Pyriproxyfen a favela próxima à Arena Pernambuco, no município de São Lourenço da Mata, no Grande Recife, onde o saneamento básico é precário. Ali foi observada a maior concentração de casos de microcefalia (600) do Brasil. Os pesquisadores argentinos questionam e lembram ainda que outras epidemias de zika, como aquela que atingiu a Polinésia Francesa, não foram associadas a problemas congênitos em recém-nascidos, apesar de infectar 75% da população da ilha. Conforme a publicação, as más formações detectadas em bebês de grávidas que vivem em áreas onde passou a ser utilizado o Pyriproxyfen na água potável “não são uma coincidência”. A crítica vai além:
“O Ministério da Saúde coloca a culpa diretamente sobre o vírus zika, ignora sua responsabilidade e descarta a hipótese de danos químicos cumulativos no sistema endócrino e imunológico causados à população afetada”, afirmam os pesquisadores no documento.
Aprovado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Ministério da Saúde, o Pyriproxyfen é um inibidor de crescimento de larvas de mosquito. Produzido pela Sumitomo Chemical, empresa japonesa que teria parceria com a Monsanto, ele atua como um hormônio juvenil, inibindo o desenvolvimento das características adultas do inseto. De acordo com a OMS, o produto não provoca câncer, danos a embriões e fetos durante a gravidez nem alterações no material genético do indivíduo exposto à substância. Mas o que explica o fato de que há mais casos em Pernambuco do que na Bahia? Já havia sido levantada a hipótese de que houvesse alguma droga, algum produto diferente que, junto ao vírus, pudesse estar provocando essa concentração.
Para Lia Giraldo, dois elementos novos surgiram em um mesmo contexto: a presença do vírus e a aplicação do Pyriproxyfen na água. Porém, segundo ela, a ciência internacional “erroneamente” foca pesquisas apenas em um dos possíveis fatores, o vírus, e buscam um modelo linear de causa e efeito, quando, na verdade, existe um cenário que possibilita um somatório de causas: a microcefalia ocorre na região mais pobre, de menor saneamento e, consequentemente, de maior uso de produtos químicos.
Conforme a OMS, o uso do pesticida na quantidade sugerida não provoca danos à saúde, mas a Abrasco questiona o fato de que o Pyriproxyfen tem efeito teratogênico em mosquitos (causa má formação em fetos e embriões). Um produto com essa ação, questionam os pesquisadores, não deveria ser colocado na água de beber, que deve ser potável: sem larva de mosquito e sem larvicida. Tais produtos foram empregados nas imensas plantações agrícolas brasileiras e não para o consumo de seres humanos. São frequentemente substâncias banidas no resto do mundo, mas as empresas do agronegócio, como a Monsanto, as empregam livremente graças ao lobby no governo.
Os recentes megaeventos forçaram o governo a controlar as epidemias de dengue a qualquer preço, coisa que claramente continuará a fazer agora com a aproximação dos Jogos do Rio, em agosto, e a explosão do zika. Diante da falta de dados evidentes, o Ministério da Saúde, ressalta a professora, tem associado de forma imediata a microcefalia ao vírus zika e, por consequência, ao Aedes aegypti, intensificando o que já tinha sido feito contra a dengue, como fumigações maciças e uso de larvicidas, mas também outros meios de combate, como os mosquitos transgênicos da empresa britânica Oxitec.

Oxitec defende o uso de insetos transgênicos na agricultura
Associada à brasileira Moscamed, a Oxitec foi criada em 2002 como empresa iniciada por outra organização da Universidade de Oxford, a qual hoje é dona de 10% do capital da empresa, que planeja instalar duas fábricas de ovos de mosquito no Brasil. A empresa é bem conhecida no país e no resto do mundo. É a única que trabalha no setor da manipulação genética de insetos portadores de vírus. Após ter recebido facilmente a autorização da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança brasileira (CTNBIO), a empresa liberou mosquitos transgênicos para combater a dengue, sobretudo no Nordeste, antes que estourasse a epidemia de zika.
— O meu parecer é que a Oxitec explora o zika para introduzir o emprego de insetos transgênicos na agricultura. É este o seu verdadeiro objetivo. Fazer do Brasil uma grande vitrine para depois executar o mesmo no resto do mundo — declara o agrônomo Gabriel Bianconi Fernandes, da Ong ÁS-PTA, revelando que na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, que aprovou o projeto, era formada na maioria por pessoas ligadas ao agronegócio.
A britânica Oxitec tem uma relação com o colosso suíço Syngenta, adquirida recentemente, segundo a Bloomberg, pela americana Monsanto. Por trás da Oxitec, está a fundação Bill Gates, a qual, junto com o especulador financeiro George Soros, são os maiores acionistas da Monsanto. É bom lembrar que as commodities alimentares seguem uma lógica de lucro perpetuada pelos brokers das Bolsas de Valores, onde são negociados bens de consumo, como o sangrento petróleo.
— A Oxitec procura criar um negócio. Querem lançar a empresa no mercado das ações e dominar assim o setor dos insetos transgênicos. Para isto, contam com o significativo apoio do governo britânico — afirma Helen Wallace,  diretora da ONG GeneWatch e cientista sênior do Greenpeace na Inglaterra.
A prefeitura de Jacobina (BA), epicentro de uma experiência da Oxitec, que soltou mosquitos transgênicos em seu território, anunciou que vive uma situação de emergência devido à dengue.
— É necessário ter muito cuidado sobre este tipo de experiências, porque envolvem o meio ambiente, onde vivem pessoas. Nós, como instituição, temos um compromisso com a sociedade, a qual paga pelas nossas pesquisas públicas — afirma Wilson Savino, diretor do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e membro do Gabinete Para o Enfrentamento à Emergência Epidemiológica em Saúde Pública da Fiocruz. O instituto conduz um projeto que consiste na liberação na natureza de mosquitos Aedes aegypti contaminados com uma bactéria chamada Wolbachia, que dificulta a transmissão da doença pelos insetos, mas não afetaria seres humanos. Os testes fazem parte do projeto internacional Eliminate Dengue: Our challenge (Eliminar a Dengue: Nosso desafio), que já realizou experiências semelhantes na Austrália, no Vietnã e na Indonésia, com resultados promissores.
— Não são mosquitos geneticamente modificados. Quando o mosquito morre, com ele acaba também a bactéria — afirma Lucianor Moreira, pesquisador da Fiocruz e coordenador do projeto.
 
A corrida pelo financiamento milionário a pesquisas envolve bancos, governos, a indústria farmacêutica e fundações
É cada vez mais claro como, hoje, por trás das epidemias, existe uma corrida pelo business científico, alimentado por governos, bancos, empresas farmacêuticas, fundações e instituições públicas e privadas, os quais competem entre si para administrar milhões de dólares dos fundos públicos destinados a pesquisas, nas quais se procura sem parar uma vacina. É algo difícil de acontecer tão rapidamente, mas, sem dúvida, se tornaria um “negócio da China” para a instituição que vai patentear a fórmula da vacina.
—  O lobby da transgenia é enorme no Brasil. Eu fui membro da CTNBio, por indicação da sociedade  civil e, depois de quase dois anos de atuação, fiz uma profunda denúncia de como funciona o órgão, que deveria cuidar da biossegurança, mas funciona para favorecer a biotecnologia.  Também fui testemunha de como a Anvisa sofre pressão do setor produtivo, pois coordenei um grupo de trabalho de revisão do registro de 11 agrotóxicos que têm efeitos proibitivos, mesmo assim ainda eram usados no Brasil. De fato temos hoje e cada vez mais um comprometimento da universidade e dos institutos públicos com os interesses das indústrias. Veja a lei do novo marco legal da ciência, tecnologia e inovação, recentemente aprovada no Brasil, que acelera esse processo de privatização da produção de conhecimento — alerta a especialista em epidemiologia Lia Giraldo Silva Augusto.
O zika relembra um pouco aquele suave vírus descoberto em 1947 na homônima floresta de Uganda, onde Alexander Haddow e George Dick a descobriram e a patentearam em nome da fundação americana Rockefeller. O rico americano era certamente um clarividente: já naquela época tornou o vírus um copyright. Mas, quem sabe, a Oxitec terá um êxito positivo caso se torne “a princesinha de Wall Street” contra os males do mundo.

Leia a Nota Técnica da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) sobre o uso de mosquitos transgênicos para o controle vetorial do Aedes aegypti no Brasil:

https://www.abrasco.org.br/site/2015/02/rati-retificacao-da-nota-tecnica-da-abrasco-frente-a-liberacao-comercial-de-mosquitos-transgenicos-pela-ctnbio-apos-interpelacao-administrativa-da-oxitec/

Comunità Italiana

A revista ComunitàItaliana é a mídia nascida em março de 1994 como ligação entre Itália e Brasil.