O professor italiano Nuccio Ordine mostra a importância de uma reavaliação do sistema educacional e conversa com a Comunità sobre o seu novo livro que acaba de ser lançado no Brasil
O novo livro do escritor e professor da Universidade da Calábria, Nuccio Ordine, A utilidade do inútil, best-seller na Europa, obteve no Brasil um sucesso extraordinário logo no lançamento: a primeira edição se esgotou em menos de duas semanas. A obra, apresentada em março nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul, mostra como a lógica utilitarista e o culto da posse acabam por murchar o espírito das pessoas, pondo em perigo não só a cultura, a criatividade e as instituições de ensino, mas também valores fundamentais como a dignidade humana, o amor e a verdade.
— O livro toca temas que descobrem um nervo fortemente sensível da contemporaneidade. Num mundo em que a lógica utilitarista está se espalhando, cada ação e cada palavra devem dobrar-se à ótica da demanda brutal “para que serve?”. Porém, sem os saberes considerados injustamente “inúteis”, como a humanidade poderá crescer? — indaga o professor à Comunità.
Numa época em que os cortes no orçamento de cultura, educação, privatização de pesquisas e fechamento de livrarias são questões comuns em diversos países, Ordine defende o valor da arte, da filosofia, da ciência, da literatura, da música e de todos os saberes “inúteis” que possam mudar o pensamento utilitarista, segundo o qual tudo é baseado no valor econômico e na função imediata.
— Hoje, muitos jovens pensam que a dignidade do homem é proporcional ao dinheiro que ele tem, mas essa é uma maneira errada de enxergar as coisas. Eu vivo na Calábria, onde há máfia, e sei muito bem que a delinquência e também a corrupção não se combatem com boas leis. Boas leis ajudam, mas para lutar contra a corrupção e o crime é preciso educar os jovens aos grandes valores — afirma Ordine, que acredita na educação como solução para combater a corrupção.
Professor usa casos concretos para demonstrar como as escolas estão seguindo os passos das empresas
No livro traduzido em 19 línguas, Ordine explica que a escola pode ser um meio importante de resistência às falsas mensagens da sociedade, mas infelizmente o trabalho do professor é cada vez mais desacreditado por não ocupar um rol importante na sociedade e não ganhar muito. O pensamento do escritor é muito concreto e fornece exemplos atuais, como a recente reforma educacional promovida pelo governo italiano, chamada de Buona Scuola.
— O primeiro-ministro italiano investiu um bilhão de euros para comprar computadores, tablets e quadros eletrônicos para os estudantes. Segundo ele, a “boa escola” é uma escola conectada. Está fazendo uma coisa que a Inglaterra fez 20 anos atrás, gastando milhões de libras para conectar as escolas e torná-las tecnológicas. Ao longo dos anos, formaram várias comissões de investigação para saber se o impacto das novas tecnologias melhorou a capacidade de conhecimento dos estudantes. Nunca foram capazes de dar uma resposta. A única resposta certa que temos é o forte impacto desses financiamentos no lucro das multinacionais, que ganharam muito dinheiro com a venda de tecnologia para todos os tipos de escolas — critica o professor, que considera a educação um antídoto às ideologias do mercado. De acordo com ele, só os bons professores podem fazer uma “boa escola”.
Professor de literatura italiana na Universidade da Calábria, Ordine atua como docente visitante em diversas universidades e institutos de pesquisa de prestígio nos Estados Unidos e na Europa. Ele conhece de perto a atual situação das instituições e percebe que cada vez mais as universidades estão indo na direção da “empresarização”.
— As primeiras duas palavras que um jovem aprende quando ingressa numa universidade europeia são créditos e débitos, pois primeiro estuda para ter créditos e depois precisa pagar os débitos que o levaram a essa formação. A linguagem nunca é neutra. Se escolhemos termos do âmbito econômico, significa que estamos cada vez mais nos dobrando a essa lógica dominante — explica o escritor calabrês.
De acordo com ele, a finalidade da escola e da universidade é formar homens e mulheres livres, capazes de pensar por si mesmos e de resistir aos estereótipos impostos pela sociedade.
— Com o dinheiro, tudo se pode comprar, mas o saber não se pode comprar porque requer um esforço individual que ninguém pode fazer em nosso lugar. Se o homem mais rico do Brasil oferecesse a um professor universitário um cheque em branco para torná-lo culto, o professor não conseguiria fazê-lo, pois se o homem rico não fizer o esforço que o conhecimento exige, o rico permanecerá sempre rico, mas ignorante — destaca Ordine.
Na recente visita ao Brasil, suas conferências tiveram um enorme sucesso, sobretudo em Porto Alegre, onde foi acolhido por um público de mais de 1500 pessoas na aula magna da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a mesma instituição que em 2012 lhe concedeu o título de Honoris Causa. Dois anos mais tarde, a UFRGS concedeu o mesmo título ao seu amigo, o renomado intelectual falecido no dia 19 de fevereiro, Umberto Eco.
O insubstituível Umberto Eco e a fundação da nova editora La Nave di Teseo
Ordine considera Eco um grande maestro, uma pessoa que conseguiu conjugar com inteligência o trabalho de estudioso com a sua paixão civil. De acordo com o professor, frequentar grandes intelectuais como ele era uma lição de vida.
— O último encontro com Umberto aconteceu em novembro, no momento da fundação da nova editora La Nave di Teseo, já que a Bompiani, que publicava os meus livros e de Umberto, foi comprada pelo conglomerado Mondadori. Estávamos convencidos que as editoras de cultura devessem ter uma vida autônoma, independente dos grandes grupos editoriais. Aos 84 anos, Umberto participou da reunião e nos encorajou. Ele tinha um entusiasmo contagiante — conta Ordine que, junto a Elisabetta Sgarbi, Eco e outros intelectuais, apoiou a nova aventura editorial.
Recentemente, uma decisão do Antitrust italiano obrigou a Mondadori a ceder a Bompiani. Uma ótima notícia que, infelizmente, chegou dias depois da morte de Eco.
— Perdê-lo significa hoje ter perdido um gigante, um amigo que sempre estava lá para dar um bom conselho. Acredito que, para a cultura italiana e europeia, é um luto enorme, um luto insubstituível, pois o vazio deixado por Umberto Eco não poderá ser preenchido por ninguém — comenta Ordine sobre a perda do seu grande amigo.