Cada vez mais italianos descobrem o prazer de cultivar hortas urbanas, compartilhadas e que respeitam a sazonalidade dos alimentos
O hábito de cultivar o próprio alimento através de uma horta cresce em diversos países, entre os quais a Itália. De acordo com uma pesquisa da Euromonitor International, em 2015, no mundo, foram gastos cerca de 84 bilhões de dólares em cuidados de plantas e hortas, 11% mais nos últimos cinco anos. Os analistas preveem que o número chegará a 88 bilhões em 2020. Após três anos de diminuição nas compras verdes, atualmente a Itália é o quinto mercado mundial, atrás dos Estados Unidos, Alemanha, França e Inglaterra.
Cada vez mais comuns são as hortas urbanas criadas em pequenos espaços, que, além de gerarem fruta e verdura fresca para consumo próprio, desenvolvem muitas outras funções com efeitos positivos no bem-estar da pessoa, no bolso e na requalificação dos espaços urbanos. Segundo as estimativas da Coldiretti, cerca de 21 milhões de italianos colocam em prática a paixão pelas hortas. O passatempo permite economizar e ter uma alimentação mais saudável, inclusive em cidades mais densamente povoadas, como Roma, Milão, Nápoles, Florença, Gênova e Bolonha, onde é possível encontrar espaços não cultivados que podem ser transformados em hortas urbanas.
Muitas administrações municipais italianas incentivam tais iniciativas que deixam as cidades menos cinzentas e permitem as pessoas interagirem, além de revitalizar espaços urbanos abandonados. É o caso de Modena, cuja prefeitura publicou um edital para a concessão de 60 hortas urbanas e recebeu 170 solicitações. Em dezembro, foram entregues as chaves dos portões dos lotes de terra a 36 homens e 24 mulheres entre 25 e 54 anos. Cada um tem formação e ocupações diferentes, mas todos residem em Modena. As mais jovens cultivadoras têm 25 anos: Federica Vincetti, educadora recém-formada, que conta com a ajuda da mãe e do avô agricultor, e Hantamalala Palumbo, professora de ginástica que já cultivava uma horta na sacada de sua casa.
De acordo com os organizadores, o projeto tem como objetivo valorizar os espaços urbanos não utilizados, apoiando a produção de alimentos orgânicos, a zero quilômetro, e sazonais, destinados para o consumo familiar e coletivo, a fim de melhorar a qualidade de vida e também ajudar as pessoas mais necessitadas. Basta pensar que em apenas 10 m² é possível cultivar quatro tomateiros, quatro plantas de berinjela, duas de abobrinhas, quatro de pimentões e oito pés de alface, por uma produção media de mais de 25 quilos de verduras. Ao mesmo tempo, as hortas pretendem promover a socialização e a coesão social entre os agricultores, que podem compartilhas experiências e conhecimentos, trocar produtos e organizar atividades culturais e recreativas. Graças às hortas, o espaço urbano abandonado se torna vivo e aberto à comunidade.
Em Rimini, pacientes e operadores cuidam de horta social fornecida pela prefeitura
As hortas também exercem uma função terapêutica, como no caso da horta social administrada pela cooperativa social La Ginestra, em Rimini.
— A ideia nasceu inicialmente de um pedido anterior feito à unidade de saúde local de Rimini de poder cuidar de um espaço verde, abandonado no centro histórico da cidade, porém essa proposta não foi aceita. Depois disso, surgiu um edital da prefeitura da cidade para a atribuição de hortas sociais, do qual participamos — relata à Comunità Sara Palazzini, educadora da cooperativa.
A horta fica a cargo de pacientes do serviço de saúde mental da cidade, sendo que um destes fica como encarregado geral, apoiados por educadores da cooperativa. É estabelecido o calendário de atividade de semeadura, plantio e cultivo, como cuidar das plantas, como fazer a limpeza de ervas daninhas, a rega e a colheita. O projeto está ativo há três anos, tempo de duração da horta social concedida pela prefeitura, ao término do qual é publicado um novo aviso para uma nova atribuição ou renovação.
De acordo com Palazzini, os pacientes que frequentam a horta e colaboram para a sua realização se sentem muito satisfeitos com o trabalho desenvolvido.
— Eles são encarregados de pequenas tarefas a serem executadas de forma independente, como regar as plantas e colher as verduras. Isso desenvolve a autoestima e aumenta as habilidades manuais. Também se maravilham ao ver o nascimento e crescimento de uma planta que vai dar frutos que eles mesmos vão consumir. Além disso, há um busca pelo prazer da boa comida quando se consomem produtos que são cultivados pessoalmente — destaca a educadora riminese.
A horta segue a sazonalidade dos alimentos: na primavera e no verão, é o tempo de abobrinhas, tomates, berinjelas, pepinos e pimentões, e uma parte do terreno é dedicada ao cultivo de vagem e alface. Uma vez terminados estes cultivos, as plantas são removidas e o solo é trabalhado novamente para semear ervilhas e plantar as mudas de erva-doce, couve, couve-flor, rabanete e alface de inverno.
— As vantagens, além daquelas de tipo educativo, são econômicas, pois o custo das mudas é muito inferior ao necessário para comprar todas as verduras produzidas. E é saudável porque são usados em pequenas quantidades ou às vezes nem são usados produtos químicos para o cultivo ou conservantes, pois os alimentos não devem fazer viagens longas ou esperar longos períodos antes de serem consumidos — avalia Palazzini.
A iniciativa que transformou uma terra destinada a se tornar um aterro em hortas
Uma horta que está fazendo muito sucesso é o projeto chamado Horta de Família, realizado por Stefano Caccavari na província de Catanzaro, no sul da Itália. O objetivo é dar a cada família da cidade de San Floro a oportunidade de comer alimentos cultivados sem o uso de fertilizantes químicos ou pesticidas, alugando uma horta numa terra que alguns anos atrás estava destinada a se tornar um aterro.
Caccavari conta que, em 2014, um amigo lhe fez a pergunta ‘O que você está fazendo para defender o seu território?’
— A questão era importante porque, naquela época, San Floro arriscava tornar-se um enorme depósito de lixo, o maior aterro da Itália. Felizmente, o perigo foi extinto após um ano de batalhas dos cidadãos, mas eu continuei a procurar uma resposta para aquela pergunta e a resposta está na defesa da vocação agrícola do meu território e do cultivo. Queria dar a possibilidade às famílias da cidade de Catanzaro de terem uma horta orgânica já cultivada, onde possam recolher as verduras da estação no seu pequeno espaço de 100 m² — relata à Comunità o criador do projeto.
No começo, apenas 10 famílias aderiram, mas a cada quatro meses o número duplicava. Atualmente são mais de 120 núcleos familiares participantes. Caccavari e a sua família se ocupam do cultivo direto e do trabalho agrícola, enquanto as famílias reservam o lote de terra, esperam o crescimento e uma vez por semana vão ao terreno para remover as ervas daninhas e recolher as verduras cultivadas na própria horta. Cada família cria um cartaz personalizado e batiza a horta com um nome para ser facilmente reconhecível. O aluguel da horta dura quatro meses e há três cultivos durante o ano.
As crianças estão entusiasmadas com o contato direto com a natureza e os pais ficam felizes em poder ensinar-lhes concretamente o que significa ter uma alimentação saudável.
— A maior satisfação foi ter criado uma comunidade de pessoas que acreditam e que querem defender a nossa terra. A partir da Horta de Família nasceu também o projeto Mulinum, o primeiro moinho de pedra que mói apenas grãos antigos orgânicos da Calábria, produzindo farinhas como aquelas de uma época — anuncia o jovem empresário.
Caccavari quer expandir os seus projetos fora das fronteiras italianas com as difusões das hortas de famílias e a inauguração das pizzarias biológicas com as farinhas Mulinum, mas, sem dúvida, o ensinamento mais importante que ele aprendeu veio da terra.
— Cada colheita é diferente, por isso é importante saber esperar e respeitar os tempos — resume.