Comunità Italiana

A evolução ambiental depende do sistema

Diretor da Coppe/UFRJ, o engenheiro e físico nuclear Luiz Pinguelli Rosa faz uma análise da evolução ambiental no Brasil nas últimas décadas e fala sobre sua saída do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas por discordar da súbita mudança de governo

A história do carioca Luiz Pinguelli Rosa confunde-se com o desenvolvimento da Coppe, o Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), fundada em 1963. O físico e ex-presidente da Eletrobrás dirigiu a instituição pela primeira vez, logo após o fim da ditadura militar, em 1985, com o processo de escolha direta feita pelos professores.  Desde então, saiu e voltou ao cargo de diretor diversas vezes. Mesmo aposentado, não deixa de exercer seu trabalho de estar à frente de diversas pesquisas científicas inovadoras.
— O trabalho nos diverte. O que eu vou ficar fazendo em casa? — comenta.
Aos 74 anos, o professor continua mantendo suas opiniões fortes.  Se, na juventude, em 1967, resolveu sair do Exército por não apoiar o golpe de 1964, no mês passado pediu demissão do cargo de secretário executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, que exercia desde 2004. Em carta endereçada ao presidente em exercício Michel Temer, afirmou que considerava injusto o afastamento da presidente Dilma Rousseff.
— Acho que houve uma injustiça do Congresso, muito estimulada por um corrupto, o (deputado) Eduardo Cunha, com várias acusações da Procuradoria da República, com a conivência do STF. Resolveram tirar o PT do governo. E eu não me sinto bem em continuar a secretariar um fórum, que é presidido pelo presidente da República, nessa situação — afirmou à Comunità.
Do alto de suas décadas de experiência, Pinguelli destaca que o Brasil, nos últimos anos, conseguiu reduzir o desmatamento e, que, graças a isso, o país pôde reduzir a emissão de gases poluentes, conforme havia se comprometido junto à comunidade internacional.
Descendente de imigrantes do Sul da Itália, o cientista lembra-se com carinho dos anos em que morou no norte da península. Entre 1972 e 1974, ele trabalhou no centro internacional de física teórica, em Trieste.
— Tenho ótimas lembranças daquele período. Levava meus filhos para brincar na neve no inverno e na praia no verão. Aliás, eu adoro a Itália.

ComunitàItaliana — Como evoluiu a questão ambiental no Brasil ao longo dos últimos 50 anos?
Luiz Pinguelli Rosa — As mudanças foram enormes. No período militar, esse assunto nem era colocado. Havia a famosa frase de um ministro, dizendo que o Brasil não se importava com a poluição, que o que interessava era o desenvolvimento e o crescimento econômico. Isso mudou completamente com o correr do tempo. Aconteceu a Rio 92, que foi muito impactante. O Brasil hospedou a conferência, vieram chefes de Estado, e isso influiu muito. A questão do clima foi colocada e o Brasil foi protagonista em Kyoto (1997). O país levou a proposta de atribuição de responsabilidades pelo aumento da temperatura na Terra, a qual focava os países desenvolvidos, que já tinham alto consumo de energia há algum tempo, principalmente de petróleo, emitiam gases na atmosfera, acumulados durante muito tempo. O gás carbônico fica acumulado por um período muito maior que cem anos depois de emitido, e esses países já estavam consumindo grandes quantidades de petróleo há muito, muito tempo. Enquanto os outros, em desenvolvimento, ainda precisavam aumentar o consumo, que era muito baixo. O Brasil assumiu então uma posição de liderança nessa discussão. Tinha um modelo matemático de cálculo, e nós participamos desse cálculo da contribuição dos diferentes países. O compromisso era apenas dos países mais desenvolvidos. Os outros, como o Brasil, não tinham obrigação de redução, mas, durante a conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, em Copenhague (2009), o próprio presidente Lula apresentou a proposta em que o Brasil assumia esse compromisso de, até 2020, reduzir aquela tendência de emissão, crescente, no Brasil. E o país reduziu, substancialmente, o desmatamento. Como era a maior fonte de emissão de gases poluentes, as emissões se reduziram muito. Ao longo principalmente do segundo mandato do Lula e do primeiro da Dilma, essa redução foi bem acentuada. Embora o desmatamento continue, o problema, que estava crescendo, diminuiu o ritmo. Ainda existe a expansão da agropecuária na Amazônia, mas antes era bem pior.

CI — O aumento considerável da frota de veículos nas cidades brasileiras contribui com a emissão?
LPR — Sim. Como a classe média usa carro, é justo que se amplie o uso do carro por equidade. Por que eu tenho o carro e os outros não? Essa redução deve ser global. O rodízio das placas em São Paulo é o mais justo, pois vale para todo mundo. Havia uma frase de um humorista, Sergio Porto: “ou se restabelece a moralidade, ou nos locupletemos todos”. Quer dizer, o Brasil está seguindo o exemplo americano dos anos 1920, quando Henry Ford iria fabricar um carro que os operários poderiam comprar. Antes disso, era um objeto de luxo, só para os ricos. E aqui, no governo Lula, houve um aumento do consumo popular, com um contingente de milhões de pessoas que melhoraram de vida e tiveram acesso ao mercado de consumo, entre eles, o automóvel, e aí se gerou o problema.
CI — Mas esse não é um problema de gestão nas grandes cidades em relação ao transporte público?
LPR — Claro. O transporte público, mesmo com a posse do carro, alivia o uso do automóvel. Em Paris, por exemplo, é muito melhor você usar o metrô, através do qual você vai a qualquer lugar da cidade. O uso do carro é oneroso, é difícil estacionar. Em Paris, como em Nova York, o deslocamento é muito facilitado pelo transporte público. No Brasil, não. Por exemplo, para chegar aqui à universidade (Cidade Universitária, na Ilha do Fundão), se eu não vier de carro, é uma confusão. Deveria ter um metrô para se chegar à universidade, onde trabalham milhares de pessoas, e nem vai ter. Vão fazer metrô na Barra, mas aqui não fazem. Deveria haver um metrô de superfície, tem espaço para isso. Nem precisaria fazer um subterrâneo, que é muito mais caro. Isso tudo amplia o uso do carro. Aí deveria ter uma política. E também uma política para carros mais eficientes, com uso de energia híbrida, cujo consumo é menor e emissão de poluentes menor também. Mas isso está longe de acontecer. A vantagem aqui no Brasil é o uso do etanol, que não envolve emissões, pois a cana de açúcar, quando cresce, absorve da atmosfera o dióxido de carbono, emitido quando você queima o etanol. No Brasil, queima-se o bagaço para destilar o álcool.

CI — Porém, o alto preço do etanol hoje não é estimulante.
LPR — Houve uma política equivocada por muitos anos, que acabou. O governo baixou muito o preço da gasolina, deu um prejuízo enorme à Petrobrás e prejudicou o etanol. Agora melhorou um pouco. Mesmo assim, o consumo de etanol, que cresceu entre 2003 e 2004 por causa dos carros flex, foi reduzido em relação à gasolina, que hoje é usada mais que o etanol. Um fato positivo de energia para o Brasil hoje é a ampliação da energia eólica. A quantidade da potência instalada no país já se iguala à que será produzida pela usina de Belo Monte. É aplicada em todo o país, pois nosso sistema é interligado. Está sendo construída onde existem ventos melhores, no Nordeste e no Sul. Não quer dizer que a energia fica nesses lugares; é jogada na rede, que está interligada. É complementar à hidrelétrica, que predomina de 70 a 80%. Antes, era 90%. O restante é energia térmica, que é muito poluente, usada no período de falta de chuva, e cara. A eólica deve representar entre 4 e 5%, mas está em expansão. No Brasil, o uso da hidrelétrica emite gases, embora muito menos do que as termoelétricas. Outro fator positivo é o uso de biocombustível, etanol e biodiesel, que em grande parte vem das sobras da soja. Além da mais recente expansão da energia eólica. Os primeiros geradores eram caríssimos. Hoje, iguala-se à térmica e tem como vantagem o fato de não causar poluição atmosférica.

CI — Quais são os maiores causadores de poluição no Brasil de hoje?
LPR — Em quantidades iguais: a agropecuária, a energia e o desmatamento. O gado emite gases. A própria atividade agrícola também, com a remoção do terreno. É bom lembrar que o transporte de cargas feito no Brasil é em grande parte todo rodoviário, enquanto nos outros países é ferroviário ou marítimo.

CI — Por que o Brasil não muda esse modelo rodoviário?
LPR — Nós assumimos esse modelo, apesar das estradas brasileiras serem esburacadas, o que piora muito o consumo do combustível e, consequentemente, a poluição. Cabe ao governo construir ferrovias, e o governo não as constrói. Há quantos anos esta sendo feito a ferrovia Norte-Sul e nunca acaba? É caro. Mas não é apenas falta de dinheiro, é de prioridade também. É preciso alocar recursos para isso, deve haver um plano. Eu sou do tempo em que havia o trem Rio-São Paulo. Havia opções de luxo e mais simples. Naquele tempo o trajeto levava nove horas, era mais demorado. Hoje, seria bem menos. A própria estação Leopoldina, no Rio, foi desativada. Isso demonstra o desinteresse do governo. Não existe mais trem interurbano no Brasil.

CI — Quais foram as atividades mais recentes do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, do qual era secretário-executivo?
LPR — Estava tratando dos planos de adaptação às mudanças do clima. No ano passado, apresentamos um modelo de cenário futuro do Brasil de emissão de gases na conferência de Paris. Este ano, estava discutindo os planos de adaptação de várias áreas, energia, siderurgia, indústria química…

CI — O que o senhor acha do novo ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho?
LPR — Ele é experiente, já foi ministro em outro governo. É um sujeito interessado no assunto e tem pedigree de meio ambiente, ao contrário do novo ministro de Energia (Fernando Coelho Filho), que é capaz de nem saber direito o que é um quilowatt.

CI — O que o senhor espera do novo governo?
LPR — O novo governo assumiu subitamente, então é enigmático. Além disso, pode ser provisório, pois haverá o julgamento do impeachment da Dilma. Se ela tiver um terço dos senadores, volta ao governo. Eles estão mais preocupados com a questão financeira, da dívida que a Dilma deixou, querem tirar o direito dos trabalhadores, a aposentadoria passaria a ser por idade, com 95 anos, não sei como é que é (risos)…

CI — Como o senhor avalia a gestão da presidente Dilma em relação ao meio ambiente?
LPR — Na questão ambiental, ela não deu tanta atenção ao Fórum, como o Lula. Eu tive mais reuniões com ele do que com ela. Mas a ministra Izabella Teixeira deu muita atenção, inclusive teve um protagonismo muito grande na Conferência do Clima em Paris (2015), era muito presente nas reuniões internacionais. Eu diria que o governo da Dilma do ponto de vista do meio ambiente foi médio, nem tão bom nem tão ruim.  

Ônibus a hidrogênio nos Jogos do Rio
Um dos projetos totalmente desenvolvidos pelo Centro de Tecnologia da Coppe/UFRJ servirá de veículo de transporte dos atletas olímpicos de vários países no Rio. São ônibus elétricos híbridos a hidrogênio, abastecidos com cilindros de hidrogênio gasoso, instalados no teto. Na traseira, fica a pilha combustível, que converte o nitrogênio em eletricidade quando em contato com oxigênio do ar. O veículo já tinha sido apresentado pela Coppe em 2010 e, desde então, passou por adaptações para melhorar a eficiência. A universidade também desenvolveu um ônibus híbrido movido a etanol e eletricidade, além de outro 100% elétrico, que depende apenas da energia armazenada em bateria.