Em entrevista exclusiva, o governador ítalo-capixaba Renato Casagrande fala do fortalecimento das relações com a Itália e da próxima viagem que fará ao Vêneto, região dos seus antepassados, para fomentar acordos econômicos e culturais bilaterais
O governador do Espírito Santo, José Renato Casagrande, concedeu uma entrevista exclusiva à Comunità. No elegante Salão Verde do Palácio Anchieta, sede do governo capixaba, ele falou sobre as relações econômicas e culturais com a Itália e contou sobre as suas origens familiares, pois os seus bisavós e avós vieram da cidade de Vittorio Veneto, na província de Treviso, e se instalaram em Castelo, no sul capixaba, onde ele nasceu. Formado em Engenharia Florestal e Direito, Casagrande já ocupou o cargo de governador do estado entre 2011 a 2014; antes disso, foi senador, deputado federal, vice-governador e deputado estadual.
A apenas seis meses da posse, o governador ítalo-capixaba já mostrou um forte interesse em intensificar as relações entre o estado, que conta com o maior porcentual de descendentes de italianos no Brasil, e a Itália. Em fevereiro, pela primeira vez, o Dia do Imigrante Italiano foi comemorado no Palácio Anchieta, com a participação da coletividade e de grupos folclóricos italianos.
Em junho, durante o anúncio da instalação de uma agência consular em Vitória, Casagrande recebeu a visita da delegação do governo italiano composta pelo subsecretário das Relações Exteriores, Ricardo Merlo, o diretor-geral dos Italianos no Exterior, Luigi Vignali, o embaixador da Itália, Antonio Bernardini, o cônsul-geral da Itália no Rio de Janeiro, Paolo Miraglia Del Giudice, e o cônsul honorário no Espírito Santo, Roger Gaggiato.
O governo capixaba ofereceu dois espaços para abrigar a futura sede consular visitados pela comitiva italiana. Entre os temas tratados na reunião, Casagrande conversou sobre a próxima viagem à Itália, onde participará da Marmomac, feira de mármore e rochas ornamentais em Verona. Além disso, o governador destacou que o objetivo da sua primeira viagem internacional é fortalecer as relações comerciais e institucionais com a Itália. Já está previsto um encontro com o governador do Vêneto e com representantes do governo italiano.
Comunità Italiana — O senhor tem origens italianas e cidadania italiana. Poderia contar um pouco sobre a história de imigração da sua família?
Renato Casagrande — A história da imigração da minha família é a história da imigração de praticamente todas as famílias que vieram da Itália buscando alguma oportunidade no Brasil. Na verdade, fugindo dos conflitos na Itália, na época e na esperança de ter alguma oportunidade no nosso país. No final do século retrasado, as famílias vieram, desceram e atracaram os seus navios no sul do estado do Espírito Santo ou em Itapemirim e Anchieta e subiram o rio e chegaram à região de Castelo, pela serra, pelas montanhas, subindo o rio até chegarem a um local chamado de Povoação, onde a nossa família criou um núcleo. Até hoje tem lá pessoas da nossa família que moram nessa comunidade de Castelo. É uma história de quem enfrentou muitas dificuldades para poder chegar aqui. Eu morei nessa comunidade de Povoação até os 10 anos de idade e depois me mudei para Castelo, porque tinha que continuar meus estudos. Eu já tinha três irmãos que já haviam saído de Povoação, que fica a 15 quilômetros de Castelo, e já era o quarto filho. A história dos imigrantes italianos é também um pouco essa: uma parte buscando estudar. Saíram do interior, iam para cidades mais próximas — cidades pequenas, geralmente —, depois iam se deslocando para cidades maiores. Eu me desloquei depois para Viçosa, os meus irmãos vieram para Vitória, outro foi para Minas Gerais. Todo mundo buscando estudar um pouco mais para poder buscar oportunidade na vida. Mas a história dos imigrantes italianos é uma história que não termina quando eles vêm da Itália para cá. Há outra geração. Por exemplo, meus avós vieram crianças, meus bisavós com meus avós, mas meus pais e meus tios já enfrentaram uma outra migração interna: alguns foram para Rondônia, porque depois de colonizar essa região sudeste o governo brasileiro começou a incentivar também a colonização no norte do Paraná. Pessoas que saíram de Castelo e foram para o Paraná e Rondônia e pessoas que saíram do sul do Espírito Santo e foram para o norte do estado. A família é muito grande, a área de terra muito pequena, quem estava mais incomodado acabava se deslocando. Alguns foram para o norte, do norte foram para o Paraná, depois foram para Rondônia e essa emigração continuou e hoje parte dos descendentes dos que vieram da Itália, voltou para a Itália, buscando alternativas. Tenho diversos primos e primas que retornaram à Itália, porque as condições da Itália melhoraram. Fizeram um fluxo inverso daqueles que chegaram aqui há quase dois séculos, e estão hoje trabalhando na Itália.
CI — Os seus antepassados saíram de que região da Itália?
RC — Da região norte. Saíram do Vêneto, de Treviso, de Vittorio Veneto, de lá que saíram os familiares do meu pai. A minha mãe é de outra região, uma cidade chamada de Mel. Os meus avós, famílias Casagrande e De Stefani, vieram da região norte da Itália.
CI — O Espírito Santo é considerado o berço da imigração italiana. Quais as relações do senhor com a coletividade italiana do Espírito Santo?
RC — Com as entidades, com a comunidade italiana do estado, as relações são muito próximas, porque são entidades, lideranças que trabalham muito na preservação da cultura italiana. As manifestações que acontecem em Santa Teresa, em Domingos Martins, em Venda Nova do Imigrante, em Castelo, em Aracruz, em diversas cidades do estado são manifestações que preservam e resgatam a cultura italiana e, ao mesmo tempo, busca preservar uma unidade da comunidade, e isso tem importância para nossa identidade capixaba, identidade da população do estado do Espírito Santo, e muitos ajudam a fazer uma integração muito forte entre Brasil e a Itália, seja na atividade econômica, cultural; a econômica na área industrial; a econômica na área da agricultura; na tecnologia. Há uma integração muito forte entre os capixabas descendentes de italianos ou não, porque mesmo aqueles que não são descendentes de italianos, acabam se interessando pela Itália, pela cultura italiana, que é muito preservada no Espírito Santo. Acho até que aqui no Espírito Santo a gente preserva mais a cultura italiana do que em algumas regiões da Itália. A gente preserva uma tradição saudosista, porque quem saiu da sua terra, quem nasceu na Itália, amava a Itália e teve que sair da sua terra meio que obrigado, mas conseguiu passar aqui para os seus descendentes uma tradição muito forte da culinária, da música, da dança, das práticas, dos afazeres do dia a dia. Uma falha que teve aqui dos nossos antepassados foi a língua, que não ficou transmitida para frente como deveria, como poderia ter sido.
CI — Mas há alguns municípios, como Santa Teresa, que introduziram a língua italiana nas escolas.
RC — Sim, é uma tentativa de resgate.
CI— E vai ter uma ampliação desse projeto?
RC — Acho que os municípios se organizam muito e acho que cada vez mais vamos ter municípios resgatando a língua italiana.
CI — Recentemente, o senhor recebeu no Palácio Anchieta a visita de uma comitiva do governo italiano. Qual é a importância dessa visita e quais foram os temas tratados?
RC — A Itália tem no Espírito Santo um governador italiano. Sou brasileiro, mas tenho cidadania italiana. O Espírito Santo é um estado com o porcentual maior de descendentes italianos do Brasil e nós queremos uma presença permanente do governo da Itália no Espírito Santo. Estamos ofertando as condições, as instalações físicas. Vieram o vice-ministro da Itália, o embaixador e outras autoridades italianas quando solicitamos a presença de uma agência consular no estado, e esperamos que a Itália possa ter uma presença do governo italiano permanentemente aqui.
CI — Quais setores da economia do estado se destacam nas relações comerciais com a Itália?
RC — Importamos muitas máquinas da Itália na área de confecções, de pedras ornamentais e outras. A Itália conquistou um desenvolvimento tecnológico muito grande na área industrial, e isso para nós tem sido razão de parceria muito intensa. Ao mesmo tempo, também outros produtos são importados da Itália, mas temos uma relação muito forte com as pedras ornamentais, mármore, granito, quartzo. Há uma relação muito forte com a confecção e os produtos de alimentos, da agricultura. Temos uma boa relação com a Itália.
CI — Além da relação econômica, qual a importância da relação cultural com a Itália?
RC — É importante, porque temos um mundo novo, que é o Brasil, o Espírito Santo, e um velho mundo, que é a Europa. Resgatar e preservar essa cultura para nós é importante, porque isso é a razão de identidade brasileira e de identidade capixaba. Nós todos gostamos de saber de onde viemos; qual é a nossa origem; por que nós saímos de um local; a origem da nossa família. Todos nós gostamos disso e isso nos dá identidade. E o Espírito Santo se transformou num estado que detém um conjunto de origens diferenciadas. Aqui temos o povo italiano muito presente. Temos os pomeranos, alemães muitos fortes. Aqui temos os portugueses, que foram os primeiros a chegarem aqui. Temos pessoas que vieram da África na época da escravidão e hoje compõem a nossa população no Brasil todo e aqui no Espírito Santo. Temos pessoas da Ásia, mas especialmente os descendentes dos países da África, os italianos, os alemães e os portugueses compõem uma base muito forte de composição da nossa massa da população capixaba. Preservar a cultura, nossas tradições, nossa história, nossa origem junto a esses descendentes, vinculados a cada nação, isso para nós tem um papel muito importante.
CI — O senhor já anunciou que em setembro viajará para a Itália. Quais os principais objetivos dessa viagem?
RG — Vou primeiro para fortalecer as relações comerciais, porque é a feira de mármore e granito, de pedra. Vou fortalecer, porque nós, capixabas, somos os melhores do Brasil nessa área, temos mais investimentos, mais tecnologia e uma relação muito forte com a Itália nessa área. Fortalecer as relações comerciais, estando junto aos empresários capixabas e brasileiros para dizer aos empresários italianos que essa área tem todo o nosso apoio no Espírito Santo. Segundo, vamos fortalecer as relações institucionais com o governo do Vêneto e com o governo italiano. Estamos nos organizando — através da Embaixada italiana no Brasil — para fortalecer as relações institucionais e cada vez mais estarmos próximos.
CI — Como está sendo a experiência de governar pela segunda vez o Espírito Santo? O fato de já ter ocupado esse cargo anteriormente facilita a atual gestão?
RC — Facilita, porque a gente já tem experiência. Esse momento no Brasil é muito difícil de governar, porque a sociedade está muito nervosa, intolerante, impaciente pela falta de resultados. Natural que estejam assim. Então, exige-se de nós muita paciência, muita tolerância e muita eficiência, mas temos um estado que, desde o meu primeiro mandato, de 2011 até 2014, o colocamos como o mais bem gerenciado do Brasil. Isso permite que nós, numa hora dessa de incerteza na economia, na política brasileira, possamos ter segurança de que vamos ter um governo de muitas realizações. Isso é que me dá muita determinação por trabalho. Já estamos produzindo muito. São seis meses de governo com muitos resultados e tenho certeza de que a gente vai deixar aqui uma marca de que vamos fazer deste estado o mais competitivo, com mais capacidade de competir; um estado mais justo, porque a gente tem que trabalhar para as pessoas que precisam mais, e um estado sustentável, que possa preservar os recursos naturais.