Comunità Italiana

A lição indiana

 

O modelo do mais fascinante e misterioso país do mundo ensina ao Ocidente o desapego das coisas materiais, o pacifismo, a intensa espiritualidade e a relação serena com a morte

Quando falamos da Índia, o nosso pensamento dirige-se rapidamente aos novos marajás que vão para a Europa organizar festas megagalácticas — com elefantes, nos hotéis mais caros; aos filmes de Bollywood; aos informáticos de Bengalore e à massa exterminada de pobres. Mas a Índia, com a sua cultura milenar, pode nos ajudar na construção de um modelo de vida finalmente capaz de nos tirar da desorientação em que nos encontramos. A humanidade, no Oriente e no Ocidente, no passado distante e mais recente, elaborou dezenas de modelos (o cristianismo, o luteranismo, o iluminismo, o liberalismo, o comunismo, a social-democracia, a sociedade de massa etc) que, depois de ter servido de guia para milhões de indivíduos, agora, restam esmagados pela sociedade pós-industrial. Contudo, cada um destes modelos destilou regras e valores que podem contribuir para a construção de um novo quadro de referências, finalmente adequado aos nossos tempos.
No mapa destas grandes construções ideais, a Índia ocupa uma posição de grande destaque. Mas a Índia existe? Os próprios intelectuais indianos discutem sobre isso vivamente. As etnias que a compõem são cerca de duas mil. As línguas oficiais são duas — o hindi e o inglês — mas a Constituição reconhece oficialmente 18 línguas regionais. Os dialetos falados são 1.700. Como escreveu a diretora de Stringer Asia, à primeira vista os indianos não têm nada em comum: “Nem a língua, nem a religião, nem a etnia. Nem mesmo a comida, o calendário, as condições sócio-econômicas ou qualquer outro tipo de esquema ou de simplificação que estamos acostumados a aplicar”.
A cada dez indianos, três têm menos de 15 anos e quatro são analfabetos. Do total da população, 80 milhões são ricos e 120 milhões vivem bem. Metade da população trabalha na agricultura (contra 14% no Brasil), 21% na indústria (contra 23% no Brasil), 29% no setor de serviços (contra 63% no Brasil). Entre os indianos, 500 milhões vivem com menos de dois dólares por dia, sem saneamento básico e sem água corrente. E, mesmo assim, com seus um bilhão e 267 milhões de habitantes (seis vezes mais que o Brasil), em uma superfície que é quase um terço da superfície brasileira, representa a maior social-democracia e a maior reserva de humanismo espiritual existente no planeta, o único grande Estado laico em que todos são livres para professar a própria fé e onde a mistura de hinduísmo e budismo determina um comportamento original em relação à vida e à morte, ao tempo e ao espaço. O conceito de tempo, por exemplo, não é linear como no Ocidente, mas é um perene fluxo cíclico sem início e sem fim.
Segundo o hinduísmo, isto é, a mais antiga religião do mundo, ainda hoje praticada por 80% dos indianos, o sanatana dharma, a lei eterna ensinada por Veda, representa o modelo de vida que todo indiano deve perseguir e que requer autocontrole, confiança, coerência, não violência, respeito pela vida de todos os seres vivos. O hinduísmo não possui nem criador do mundo, nem fundador da fé, nem dogmas, nem hierarquias, nem papas, nem definições de qualquer tipo: é a religião da tolerância, a tal ponto que podemos ser hinduístas mesmo sendo ateus ou pertencentes a outra religião.
Também é tolerante o modelo budista que consiste em uma religião, uma filosofia, um método de meditação fundado na interioridade. Esse modelo procura encarnar as verdades reveladas por Buda nos diferentes planos da sociedade concreta (ordem, direito, justiça, deveres, moralidade) para alcançar o despertar do indivíduo e a superação dos sofrimentos. Baseado em um “meio termo” equidistante de todo o excesso, deu à Índia este seu comportamento desapegado das coisas materiais, esta sua intensa espiritualidade, esta sua alegria serena misturada ao pessimismo, que fazem deste país o mais fascinante e misterioso do mundo. O budismo é uma doutrina de libertação da dor através do saber e da nobreza de alma. A conduta de cada um reflete-se no bem-estar de todos os outros. A prática virtuosa permite alcançar o nirvana, que não é o paraíso nem a beatidão dos cristãos, mas a ausência da dor, a extinção do fogo que temos dentro de nós, alimentado pela ignorância, pelo desejo, pelo egocentrismo, pelo ódio e pela avidez.
Com este interior cultural, hoje, a Índia oferece-se ao mundo como a maior fábrica potencial de produtos imateriais: informações, serviços, valores, símbolos e estética. A sua cultura permite-lhe uma primazia em todas as atividades deliciosamente pós-industriais, como a pesquisa pura. Os indianos são ótimos matemáticos, químicos, informáticos, analistas financeiros, farmacêuticos, mas também artistas, diretores, técnicos de som e de fotografia; têm um senso muito aguçado da história; são habituados ao interculturalismo, que vivem como algo natural; são propensos ao trabalho em grupo; trazem da colonização um conhecimento difuso do inglês, que as escolas se encarregam de depurar de qualquer inflexão local; têm um espontâneo refinamento de gostos que se traduz no uso fascinante das cores e na espontânea gentileza das boas maneiras.
Da dimensão hinduísta da Índia, poderíamos retomar valores perdidos no Ocidente: o senso de unidade na multiplicidade, a dignidade moral, o autocontrole, a confiança, a não violência, a tolerância, o misticismo, a propensão às festas, o respeito pela vida de todos os seres vivos, inclusive dos animais, das plantas e da mãe Terra, em toda a sua sagrada globalidade. Da dimensão budista da cultura indiana, poderíamos tomar a serenidade, a sabedoria, o pacifismo, a rejeição das castas, a poesia, o desapego das coisas materiais, a intensa espiritualidade, a alegria tranquila e a relação serena com a morte e com o desejo de felicidade.