A preservação do cartão-postal da capital lombarda, única igreja que não pertence ao Vaticano, envolve uma árdua tarefa de arrecadação de fundos por parte da prefeitura de Milão
Obra de igreja dura toda a vida. O velho ditado popular nunca foi tão verdadeiro quanto no caso do Duomo, no centro de Milão. Os blocos brancos de mármore da imensa catedral gótica milanesa saem da pedreira de Candoglia, em Vale d’Ossola, a mesma usada para a construção, perto do lago Maggiore, na região do Piemonte. Sim, saem e é assim desde 1387. O verbo está no tempo de conjugação certo, o presente. Não basta erguer a igreja. A manutenção é fundamental para a obra atravessar os séculos, incólume aos caprichos da natureza, tais como geadas, nevadas, sol, vento, e às consequências do homem, como a poluição ambiental e, ato final, o vandalismo. A famosa “via del marmo”, que, através dos canais dos Navigli, ligava o canteiro de obras do Duomo aos territórios vizinhos a Milão, agora corre por ferrovia e rodovia. O mármore é sempre aquele, de sete séculos atrás.
O Duomo é o símbolo de Milão. Todos os dias, 1.500 pessoas visitam suas 135 agulhas, 3.400 estátuas e 55 vidraças — um patrimônio que custa caro. O fio condutor desta igreja é o contínuo processo de restauração, que inclui mais substituição do que limpeza, nem sempre ao passo das necessidades urgentes do Duomo. Tudo passa pela Veneranda Fabbrica del Duomo, órgão responsável pela catedral. Mesmo em tempo de vacas magras, comemora-se a reabertura do arquivo histórico, adaptado para receber exposições e mostras, e a capela musical, pronta para servir de ambiente para concertos e retomar o cedro da mais antiga instituição cultural milanesa, fundada em 1402.
Somente entre 2010 e 2015, o financiamento para a manutenção do complexo custou 162 milhões de euros. A catedral é apenas a ponta do iceberg: o arquipélago do Duomo compreende ainda os terraços, o museu, a zona arqueológica, a igreja de San Gottardo in Corte e o arquivo-biblioteca. Dos 35 canteiros de obras abertos para a Expo 2015, 22 ainda não foram concluídos e estão correndo risco por falta de verba. A agulha maior, o banho dourado da Madonnina (a estátua no alto do Duomo) e o restauro do pavimento em mármore de Candoglia, com desenhos geométricos e floreais, por onde caminham seis milhões de turistas, são exemplos de trabalhos de conservação e reparos.
Campanha de doações arrecadou 4,5 milhões de euros em quatro anos
A penúria não é tanto eclesiástica, e sim municipal. Sim, o Duomo é a única igreja que não pertence ao Vaticano, mas a uma prefeitura, no caso, a de Milão, sua legítima proprietária. E arrecadar fundos para mantê-lo de pé é uma das tarefas do prefeito da cidade. Todos os anos, passa-se o chapéu aos fiéis, às instituições públicas e privadas e aos mecenas iluminados. Conta-se com publicidade e até mesmo cria-se uma campanha de adoção de partes da obra, que já rendeu 4,5 milhões de euros desde 2012, sem falar das doações online. Em 2014, abriu-se nos Estados Unidos a International Patrons of Duomo di Milano, uma public charity com sede em Nova York, cujo objetivo é servir de ponte cultural e financeira entre os americanos católicos e aqueles milaneses, tendo a catedral como ponto final e para as operações de caridade.
A abertura diária da catedral custa 11 mil euros, enquanto a manutenção do complexo do Duomo custa 30 milhões de euros por ano. O cobertor público contribui com o total de um quinto das finanças necessárias (Região, Município e Província entram com 5%). O Estado fornece os outros 14,5%, verba prevista no orçamento. No conselho de administração da Veneranda Fabbrica del Duomo, figura jurídica que tem a gestão de toda a obra, o ministro do Interior Angelino Alfano colocou três personagens de relevo nacional e empresarial em substituição à demissão de dois e à morte de um: o presidente de Confindustria (a Fiesp italiana), Giorgio Squinzi, e o presidente de Mediaset, Fedele Confalonieri, além da professora Simona Beretta, todos com cargo até abril de 2017. Os outros 80% são arrecadados com a venda dos bilhetes de entrada e com a publicidade privada, dentro de um processo de engenharia de autofinanciamento sem incentivos fiscais. Não sendo um bem da Igreja, o Duomo não escapa de nenhum imposto, da coleta de lixo ao patrimonial.