Comunità Italiana

A revolução vem aí

Sim, uma revolução de comunicação, de acessibilidade e de profunda transformação social está a caminho. Isso tudo é o que promete a 5G, a avançada tecnologia de redes móveis de celular, que vem sendo implantada no mundo todo e que, provavelmente, chegará ao mercado brasileiro somente em 2021

A tecnologia que desenha a quinta geração de rede móvel celular, a já mundialmente propalada 5G, é muito mais que somente uma transição a partir da 4G. Ela representa, além de ser notadamente disruptiva, uma inequívoca ponte para o desenvolvimento socioeconômico em várias esferas possíveis. Não seremos os mesmos após essa nova geração da telefonia móvel. Setores como o automotivo, saúde, agricultura e educação terão o dia a dia comandado remotamente. Cirurgias a distância serão corriqueiras. Ocorrerá o mesmo com o controle de uma plantação ou durante uma aula. Da rua, toda a nossa casa poderá ser monitorada e programada. Isso tudo já é possível? Sim, é possível. Mas com a propagação da 5G se tornará comum, natural e, consequentemente, um fenômeno cultural que delimitará uma nova realidade da comunicação mundial e na transmissão de dados. Tudo, literalmente, na palma da mão.

Inúmeros testes estão em andamento em vários países, inclusive no Brasil. Todos apontam unanimemente que não há parâmetro para a qualidade de conexão e velocidade empregada pela 5G. Estima-se, hoje, que os investimentos na quinta geração serão quase duas vezes superiores ao do 4G. Somente no Brasil, os aportes para essa nova onda do mercado das telecomunicações deverá movimentar 3 bilhões de reais por ano, além de elevar extraordinariamente o índice de empregabilidade no país. Um cenário de sonhos que governo e sociedade desejam ardentemente.

Mas, antes disso, o mercado ainda aguarda o edital que confirmará o leilão de frequências para a 5G, previsto pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para o próximo ano.

— Torcemos para que haja bastante concorrência e interessados para que tenhamos a melhor opção na contratação dos serviços e investimentos atrelado aos novos contratos — avalia o subsecretário de Cooperação com o Setor Tecnológico e Inovativo do estado do Rio de Janeiro, Filippo Zaccaro Scelza.

Se o Brasil ainda vive sob um compasso de espera, em centros economicamente mais amadurecidos, a onda 5G já avançou bastante mundo a fora. Países como Estados Unidos, China e Coreia do Sul já operam com desenvoltura as primeiras redes com a nova tecnologia de telefonia móvel. Na Itália, a Telecom Italia, dona da Tim Brasil, já implantou a 5G em algumas das principais cidades do país e prevê, até dezembro, atingir 30 destinos turísticos, 50 distritos industriais e 30 projetos de grandes empresas, com velocidades de até 2 gigabits por segundo (Gbps). E não para por aí.

Até 2021, a Telecom Italia planeja ter cerca de 22% da população italiana cobertos pela 5G, ou seja, atendendo 120 grandes cidades, 200 destinos turísticos, 245 distritos industriais e 200 projetos pontuais de empresas, com velocidades de até 10 Gbps e de download até 100 vezes maior que a geração anterior; redução da taxa de latência (tempo que a informação leva entre dois pontos) e ampliação para o suporte de banda, que possibilitará a um grande número de usuários navegarem simultaneamente na internet em uma única faixa territorial.

Quem larga na frente no Brasil?

A Tim foi a primeira operadora a desenvolver testes com a 5G no Brasil, em três centros tecnológicos, chamados de TIM 5G Living Labs: um em Florianópolis (SC), fruto de uma parceria com a Fundação Certi, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e a chinesa Huawei; outro em Santa Rita do Sapucaí (MG), com o Instituto Nacional das Telecomunicações (Inatel) e a Ericsson, e o terceiro em Campina Grande (PB), com o Núcleo Virtus e a Nokia. Mais um Living Lab está a caminho, com instalação prevista ainda este ano, no Cubo Itaú, um centro de empreendedorismo e inovação de startups mantido pelo banco privado e o fundo Redpoint eVentures.

A empolgação com os resultados dos testes pioneiros da Tim é visível e estimulante, como confirma, com indisfarçável otimismo, o CEO da Tim Brasil, Pietro Labriola:

—A nova tecnologia trará inúmeras oportunidades voltadas para a gestão inteligente de saúde, segurança, educação e entretenimento. O potencial de incremento de produtividade do país é enorme e a Tim será protagonista deste progresso.

A expertise da Telecom Italia com a 5G em território italiano é indispensável para que a implantação no Brasil seja traduzida em vantagem competitiva para a Tim.

— A todo tempo a gente está desenvolvendo casos para o Brasil, mas também estamos observando tudo o que está sendo feito na Itália de forma que a gente consiga muito rapidamente, quando a 5G virar uma realidade no Brasil, trazer todo esse aprendizado que está sendo feito na Itália para aplicar aqui — ressalta o vice-presidente de Tecnologia da Tim Brasil, Leonardo Capdeville.

Embora a Tim esteja a pleno vapor com seus testes para a 5G, o mercado brasileiro ainda aguarda uma definição da Anatel sobre o edital que norteará o leilão das frequências para a nova geração. Mesmo assim, quando anunciado, o edital será levado a uma consulta pública. Superados todos esses passos governamentais, o leilão poderá ser realizado, provavelmente, no segundo semestre de 2020, com a operação efetiva e comercial da 5G no território brasileiro somente a partir de 2021.

Quais entraves há no caminho da 5G?

Mas até que haja o leilão para a 5G, muitos desafios de mercado precisam ser rapidamente superados, caso contrário, o Brasil verá comprometida significativa parte dos investimentos indispensáveis para a retomada econômica, como anseia o governo federal.

Um destes entraves são os elevados preços das frequências na América Latina, que ainda implanta a 4G, superiores ao da Europa. Outro desafiador fator é a instalação de fibra óptica exigida pela 5G, que impreterivelmente deverá ser cinco vezes superior ao que há atualmente no Brasil. Porém a mais complexa de todas as barreiras parecem ser os impasses legislativos em estados e municípios para os licenciamentos que permitam a instalação de antenas, uma burocracia que parece ter se transformado em um mal crônico para as operadoras no país desde a privatização do Sistema Telebrás, em julho de 1998..

— Se persistirem esses percalços no ambiente regulatório para a massificação das antenas nas cidades, será, de fato, um gargalo para a 5G — alerta o gerente do Departamento de Telecom, TI e Economia Criativa do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Carlos Azen.

Territorialmente, a Itália caberia no Centro-Oeste brasileiro. Apesar da disparidade geográfica, a Telecom Italia tem, exclusivamente, em Roma — apesar das restrições para preservação arquitetônica da cidade — duas vezes mais antenas per capta do que mantém a Tim em São Paulo.

Para Cadeville, o número de antenas mostra-se inadequado mesmo para a quarta geração da telefonia celular por conta da topografia e extensão territorial do país. O executivo explica que existem dois objetivos para implantá-las: o de cobertura e o de capacidade. No primeiro quesito, as operadoras deparam-se com uma extensão de 8 mil quilômetros, de norte a sul do Brasil, para ser coberta; quando a questão em pauta é a capacidade, as companhias têm pela frente um mercado de 200 milhões de clientes. No Brasil, as operadoras têm, em média, entre 18 e 19 mil antenas cada uma. Esse número é muito próximo ao que cada operadora tem na Itália.

— Ao comparar a população italiana com a brasileira e a extensão territorial da Itália com a do Brasil, percebemos um gap muito grande de antenas a ser feito aqui — avalia o executivo da Tim.

Hoje, 60% dos municípios estão cobertos com a tecnologia 4G. Para o leilão da 5G do ano que vem, a Anatel licitará, além da faixa de 26 GHz, as de 700 MHz, 2,3 GHz e 3,5 GHz.

Nova geração, novos aparelhos, e mais caros

Quem tem um celular 4G não poderá migrá-lo para 5G. Os novos aparelhos ainda são escassos nos mercados em que a nova geração da telefonia móvel vem sendo implantada. Talvez nem mesmo no próximo ano, após os leilões, tenhamos um celular 5G nas prateleiras, o que deverá acontecer somente em 2021.

— Inicialmente, o aparelho só vai estar disponível para clientes que chamamos de alta gama. Só que a adoção do 5G no mundo tem sido mais rápida do que a do 4G, e aí há um caso incrível que está acontecendo na China, que está evoluindo muito rápido. Como você cria uma escala muito rápida para tecnologia, rapidamente esses preços caem muito e a tecnologia chega aos modelos mais básicos — conclui Capdeville.

Ações ainda tímidas

O BNDES vem, de fato, exercendo um papel importante na indústria de telecomunicações, tanto para as prestadoras de serviços (as operadoras), como também — e não menos importante — os fabricantes de equipamentos. O BNDES busca desde a privatização do Sistema Telebrás a agenda ideal de apoio à difusão dos equipamentos bem como a ampliação da infraestrutura da prestação de serviços.

Para Azen, as operadoras realizam um papel relevante na difusão e nos serviços de telecom, especialmente os de banda larga, levando-a a localidades que antes não eram atendidas; nas regiões mais pobres, principalmente Norte e Nordeste e no interior dos grandes estados. Mas ainda não está evidente para o especialista o que, efetivamente, as companhias planejam investir em 5G:

— O setor tem investido cerca de 30 bilhões de reais por ano. É com esse número que trabalhamos. Embora tenha essa onda potencial de investimentos derivados de 5G, não vimos ainda manifestação formal, um gás das operadoras em relação a investimentos para 5G.

Como o Fust pode ajudar o mercado?

O Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) tem hoje recolhidos das operadoras cerca de 20 bilhões de reais, uma verba vultosa que, por impasses políticos e defasagem legislativa, está paralisada. Há, no Congresso Nacional, vários projetos de lei para destravá-la, com o intuito de escoá-la para projetos socioeducativos, de segurança e de saúde que tenham a comunicação em banda larga como força motriz, e aí se inclui a 5G.

O BNDES aproximou-se da Anatel e do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações para buscar soluções que possibilitem a retomada do instrumento legal do Fust, que arrecada, anualmente, cerca de 1 bilhão de reais. Basicamente, são três eixos de alterações propostos pelo banco estatal de fomento: o primeiro é mudar o escopo de uso do Fust, ou seja, não limitá-lo ao serviço de telefonia fixa, mas permitir a ele atender novos serviços, especialmente de banda larga (fixa e móvel); novas redes de 5G e de 4G; conectividade nas escolas; soluções para segurança, saúde, enfim, todos os serviços que possam ser viabilizados pelas telecomunicações.

A segunda vertente da proposta do BNDES consiste em modernizar a utilização do Fust por meio de operações não reembolsáveis, como recurso para crédito e, eventualmente, destiná-lo para estabelecer um fundo garantidor. Para Azen, havendo um crédito com custo menor de entrada, com um financiamento um pouco mais longo, será possível expandir a fronteira do que seria economicamente viável para novos projetos.

— O Fust praticamente não foi usado por dois motivos: o maior deles é que ele foi desenhado com o objetivo de apoiar projetos de universalização dos serviços de telecomunicações, e o entendimento do que é o serviço de universalização de telecomunicações estaria restrito ao regime de concessão, portanto a telefonia fixa. Como o grande interesse das operadoras e da sociedade tem sido cada vez mais em banda larga e mobilidade e os outros serviços, o objeto (original) do uso do Fust acabou caducando. Não existe mais interesse em fazer orelhão e telefonia fixa tradicional por cabos de cobre. Este é o grande problema, o Fust estava voltado para uma amplificação que não tinha mais interesse do ponto de vista da indústria e da sociedade — explica Azen.

Mas há outra barreira para que o Fust, enfim, seja utilizado: a política de contingenciamento empregada pelo governo. Segundo informou Azen à Comunità, as regras a que está condicionado o Fust só preveem o uso não reembolsável do recurso, ou seja, é um recurso que vai e não volta.

— E aí, por uma questão prática de restrição de recursos do governo federal, com um cenário fiscal desafiador, que todo mundo conhece, esses recursos acabaram sendo contingenciados, porque seriam recursos que teriam impacto nas contas, no superávit (primário) do governo, e acabou sendo contingenciado, e isso não é uma questão particular do Fust, hoje a totalidade dos fundos setoriais sofreu algum tipo de corte, e o Fust acabou sendo contingenciado por dois fatores: cenário desafiador fiscal e a questão do pouco interesse do uso dos recursos — conclui o especialista do BNDES.

A reportagem entrou em contato com a Anatel para repercutir sobre a chegada da 5G ao mercado brasileiro e os possíveis gargalos que podem dificultar a implantação da nova geração de telefonia móvel no país, mas até o fechamento desta edição, a reportagem da Comunità não obteve retorno do órgão regulado do setor. (Colaboraram Fernanda Queiroz e Matheus de Sousa)