O brutal assassinato de uma jovem de 18 anos na pequena cidade de Pollenza, que conta com apenas seis mil habitantes, pode dar um rumo inesperado para as eleições legislativas na Itália, marcadas para 4 de março
O corpo de Pamela Mastropiero foi encontrado no dia 31 de janeiro, desmembrado, dentro de duas malas, as quais foram abandonadas à beira de uma estrada. Após investigações policiais, chegou-se à conclusão que o principal suspeito pelo crime é o nigeriano Innocent Oseghale. No entanto, o que parecia apenas mais um assassinato na Itália, com o uso de drogas como pano de fundo e uma fracassada tentativa de largar o vício em uma clínica de recuperação em Corridonia, acabou ganhando um novo contexto durante esse fim de semana.
De tendências extremistas e racistas, o jovem italiano Luca Traini, de 28 anos, ficou “indignado” com o crime e decidiu revidar, disparando contra negros em Macerata, no último sábado (3). Ao menos 11 pessoas inocentes ficaram feridas no ataque.
O italiano, que confessou o crime, acabou dando contornos políticos à questão, pois Traini fora candidato do partido ultranacionalista Liga Norte nas eleições administrativas do ano passado. Além de ferir as vítimas, ele ainda atirou contra a sede do governista Partido Democrático (PD) e contra estabelecimentos “frequentemente visitados por imigrantes”, segundo contou depoimento à polícia.
Sua ideia inicial era ir ao tribunal local e tentar matar o nigeriano, mas mudou de ideia e começou a disparar em qualquer “pessoa negra que viu pela frente”.
Em plena campanha eleitoral para a formação de um novo governo na Itália, os principais expoentes políticos não ficaram longe dos holofotes. Matteo Salvini, líder do Liga Norte e conhecido por suas declarações contra os imigrantes – chamado de xenófobo pelos rivais – afirmou que sua sigla não tem nada a ver com as ações de Traini.
“Eu, honestamente, não temo o retorno dos fascistas ou comunistas. Sou democrático, não-violento, adoro a liberdade de pensamento e de palavra. A polêmica política está longe de mim e quero resolver o problema da imigração”, disse ao ser questionado sobre o caso.
No entanto, até o aliado nessas eleições, o ex-premier Silvio Berlusconi, presidente do Força Itália, criticou Salvini ao dizer que “suas frases contra a esquerda são excessivas”. “Às vezes, Salvini exagera nos tons”, disse o ex-Cavaliere.
Porém, ele fez críticas ao governo do PD dos últimos cinco anos e afirmou que a imigração ilegal é “uma bomba social” que será enfrentada se ele vencer a disputa. Segundo seus cálculos, são cerca de 600 mil imigrantes ilegais “e prontos para atacar” morando na Itália.
Para o presidente do FI, quando a “centro-direita estava no governo, nós soubemos parar a imigração”, dizendo que as ações de seu governo deixaram chegar “apenas quatro mil clandestinos, o que dá um fim de semana no ano passado”.
A guerra na Líbia, citada por Renzi e Di Maio, refere-se à derrubada do ditador Muammar Kadhafi, ocorrida em 2011. Em março daquele ano, operações militares lideradas pelos Estados Unidos, e que contaram com o apoio da Itália, França e Canadá, bombardearam o país. Em poucos meses, ele foi deposto.
No entanto, um país sem nenhum controle surgiu, com uma guerra civil que causa efeitos no país até hoje. A Líbia, atualmente, tem um governo de coalizão reconhecido pela comunidade internacional.
Enquanto o M5S tem pouco mais de 28,7% das intenções de voto nas eleições, o atual partido governista aparece na segunda colocação, com 23,1%. No entanto, por conta da coalizão de direita, ambos aparecem como segundo e terceira forças no Parlamento, respectivamente.
O líder do grupo Livres e Iguais, Pietro Grasso, uma das forças políticas emergentes no país e com orientação de esquerda, também condenou a ação e culpou Salvini por conta da “quase tragédia” na região central do país.
“Quem semeia ódio, recolhe violência. Fui atingido pelo fato de que o titular do estádio expulsou Traini, enquanto um partido político não. A sociedade foi capaz de perceber e individualizar o perigo, mas a política não”, ironizou Grasso em entrevista ao programa “Unomattina”.
Grasso, que é um dos dissidentes do PD por conta de medidas consideradas “à direita” de Renzi, afirmou que na questão da imigração e do antifascismo “somos iguais” a Renzi porque as propostas de Berlusconi “parecem aquelas de deportação em massa que Donald Trump tentou fazer e que foram bloqueadas pela Justiça” dos EUA.
Apesar da política feita sobre o tema, de fato, os números de imigrantes que chegam à Itália estão em queda desde julho do ano passado, após o governo fechar um acordo com a Líbia para frear a imigração.
De acordo com dados do Ministério do Interior da Itália, a queda nas chegadas dos deslocados despencaram 34,24% na comparação com 2016, em um total de 119.310 pessoas.
Disputa eleitoral
As eleições legislativas no país prometem ser extremamente disputadas por conta da grande divisão entre os italianos.
Enquanto o M5S, que sempre se opôs ao PD, mas que não tem uma orientação à esquerda ou a direita, lidera, o PD tenta se manter no poder após a 17ª legislatura – que contou com três diferentes primeiros-ministros.
Já Berlusconi “renasceu” na política, mesmo envolvido com uma série de processos, e aguarda uma decisão da Corte de Direitos Humanos de Estrasburgo para saber se poderá assumir ou não o cargo de premier em caso de vitória.
Salvini, por sua vez, não deve ser beneficiado diretamente com a coalizão – e em caso de Berlusconi não poder assumir o cargo.
Por diversas vezes, o ex-Cavalieri informou que o presidente do Liga Norte seria seu ministro do Interior – e que buscaria um nome de maior consenso para indicar como primeiro-ministro. Porém, de acordo com as estimativas, nem a coalizão de Berlusconi nem os outros partidos sozinhos terão maioria no Parlamento, o que poderá levar à Itália para um novo período de incertezas. (ANSA)