A bela organização, as medalhas, os confrontos diretos, as revelações e o espírito olímpico mesmo após os jogos no terremoto que atingiu a Itália
Brasil e Itália. Satisfações e insatisfações. Nem tudo saiu como previsto para os dois na Olimpíada do Rio, mas houve surpresas, boas e ruins. A Itália, como sempre, ficou à frente do Brasil no quadro geral de medalhas e aproxima-se bem mais de uma potência olímpica do que o país onde deixou tantos imigrantes na América do Sul. O Brasil não atingiu seu objetivo fixado antes dos Jogos, mas nunca fez uma Olimpíada tão boa.
A meta azzurra era voltar da Cidade Maravilhosa com 25 medalhas. Voltou com 28. Ficou em nono no quadro geral, com oito ouros, 12 pratas e oito bronzes. Um detalhe incomodou um pouco os italianos: nas três últimas edições, Pequim 2008, Londres 2012, Rio 2016, não saiu do lugar. A Itália foi sempre nona.
— Continuamos entre os dez melhores. Antes de ser presidente do CONI (Comitê Olímpico Nacional Italiano), sinto orgulho de ser italiano. Poderíamos ganhar alguma medalha a mais, embora nas vésperas das competições as previsões fossem pessimistas. Chegamos dez vezes em quarto lugar, contra os oito de Londres — festejou Giovanni Malagò, depois dos Jogos.
O Brasil pensava em 27 medalhas de qualquer cor. Ganhou 19, sete de ouro, seis de prata, seis de bronze. Tinha a meta de ficar pelo menos entre os dez primeiros, senão no quadro oficial, pelo menos no total de pódios. Terminou em 13º no quadro oficial, a melhor posição de sua história nos Jogos, e em 12º em número de medalhas. A Hungria, 12ª oficial, levou 15 medalhas, mas oito foram de ouro e isso fez a diferença.
Nos confrontos diretos decisivos por uma medalha de ouro, porém, o Brasil foi melhor do que a Itália. O vôlei de praia e o de quadra masculinos da equipe da casa ganharam as finais justamente contra atletas do Belpaese. Na praia de Copacabana, Alison-Bruno Schmidt bateram na final Nicolai-Lupo. No Maracanãzinho, o time de Bernardinho derrotou o comandado por Gianlorenzo Blengini. A Itália já foi três vezes campeã mundial de vôlei masculino, mas ainda lhe falta um título olímpico. Nas três vezes em que levou a medalha de prata, em duas perdeu justamente para o Brasil. Antes do Rio, havia sido superada pelos brasileiros também em Atenas 2004, sem falar na Holanda, campeã de 1996. Os últimos resultados no vôlei masculino, no entanto, foram muito exaltados na Itália.
Atletas do vôlei doam prêmio às vítimas do terremoto
Poucos dias após os Jogos do Rio, o centro da Itália foi atingido por um forte terremoto nas regiões de Úmbria, Lácio e Marche. Emanuele Birarelli, capitão da seleção italiana de quadra, avisou que um dos prêmios que o time ganhou (50 mil euros, originários de concurso promovido pela Fundação Agnelli) seriam revertidos às vítimas do tremor de terra devastador, com a concordância de seus companheiros. O montante, inicialmente, deveria ser dividido entre toda a equipe.
O esporte que mais trouxe medalhas para a Itália não é dos mais populares, mas tem tradição do outro lado do Atlântico e garantiu quatro ouros no Rio e três pratas: o tiro esportivo. A estrela foi Niccolò Campriani, ouro na carabina de ar 10 metros e na carabina 50 metros três posições. Campriani, que dia 6 de novembro vai completar 29 anos, é de Florença. Em Londres 2012 já tinha ganhado um ouro e uma prata. Ele é formado em engenharia empresarial. O florentino tornou-se o quinto italiano a ganhar dois ouros na mesma edição dos Jogos. Gregorio Paltrinieri, campeão dos 1.500 metros, foi o primeiro do país a vencer uma prova de longa distância de natação em piscinas. Pela primeira vez no polo aquático, a Itália subiu ao pódio masculino e feminino na mesma Olimpíada: as moças levaram a prata e os rapazes, o bronze.
Um ouro com origens italianas
No Rio, pela primeira vez, duas mulheres brasileiras subiram ao degrau mais alto do pódio olímpico na vela em toda a história: Martine Grael e Kahena Kunze. Por sinal, o esporte foi o que mais ouros ganhou para o país em todas as participações nos Jogos: sete. Dessa dupla campeã olímpica na classe 49er, a timoneira Martine, de 25 anos, tem origens no Belpaese.
Pelo lado paterno de Torben, o sobrenome Grael, de origem dinamarquesa, é nobre no esporte, com quatro gerações na vela, das quais três em Olimpíadas. Pelo lado materno, as origens não são menos nobres: estão em Verona, terra de Romeu e Julieta. O bisavô de Andréa, mãe de Martine, veio de lá há mais de cem anos.
— Eu me lembro de quando tinha três, quatro anos, e minha mãe levava a mim e a meu irmão Marco para passear de barco. Ela velejava pela classe Europa — conta Martine.
Torben Grael é um nome respeitado na vela italiana. Além das cinco medalhas olímpicas, pode orgulhar-se de outros prestigiosos títulos, como da Volvo Race e da Louis Vuitton, na qual foi tático do barco italiano Luna Rossa em 2000. Na Rio 2016, Torben exerceu o cargo de coordenador técnico de toda a vela brasileira, inclusive da filha e do filho Marco, de 27 anos, que também competiu na Olimpíada carioca na classe 49er, ao lado de Gabriel Borges. Os dois não obtiveram classificação para a regata final.
Nos tempos em que competia como velejador, Torben levou a família para a Itália, onde passou bom tempo. Martine tem boas lembranças da terra dos antepassados:
— Fui para lá bem novinha e fiquei cerca de dois anos, somando os vários períodos. Uma experiência legal. Gosto muito da Itália, dos costumes de lá. Tenho minhas raizinhas italianas.
Robert Scheidt, o maior medalhista olímpico do Brasil até hoje, mora no Lago de Garda
Martine e Marco têm raízes na Itália pelo sangue, enquanto outro velejador não menos vencedor do que a família Grael possui fortes ligações com o país, mas por outro motivo. Ele é Robert Scheidt. Com cinco medalhas nos Jogos, duas das quais de ouro, é o maior brasileiro ganhador na história olímpica, pois tem uma prata a mais do que Torben Grael, o qual possui o mesmo número de pódios. Scheidt escolheu morar com os filhos e a mulher Gintare Volungeviclute, atleta lituana também da vela (sétima na Laser Radial na Rio 2016), às margens do Lago de Garda, em Malcesine, na província de Verona, no Vêneto. E não só pelo aspecto esportivo:
— Escolhi o lugar pelo aspecto familiar. Casei com uma estrangeira, queria morar na Europa Central. Um bom lugar para criar os filhos. Lugar tranquilo, onde não há engarrafamentos no trânsito, perto da natureza. Antes da Olimpíada fiz mais treinos no Rio. Pode ser que um dia volte a morar no Brasil — admitiu.
Scheidt é muito amigo do representante italiano na classe Laser na Rio 2016, Francesco Marrai, de 23 anos:
— Ele me chama frequentemente para treinar no Lago de Garda. É o velejador mais promissor da flotilha da Laser. Pretende disputar a próxima Olimpíada ainda na Laser e depois passar à classe Finn — revela.
O Rio foi a sexta Olimpíada de Scheidt, a única na qual não ganhou medalha. Há possibilidade de ter sido a última Olimpíada ou a última na Laser, na qual, aos 43 anos, é o velejador mais velho no Rio em sua classe. Seu amigo Marrai não se classificou para a regata final.