A competitividade reinante no mundo atual fundamenta-se na agressividade e em um individualismo fundamentado no mito segundo o qual uma sociedade não competitiva é estagnada e repleta de pessoas medíocres
Existe uma grande diferença entre dois jogadores de boliche que se alternam, singularmente, para que cada um execute a melhor jogada independentemente do outro, e dois jogadores de tênis ou 22 jogadores de futebol que trabalham não apenas para executar suas próprias jogadas, mas também para fazer com que os adversários errem.
Guerra, luta, competição, competitividade destrutiva, emulação criativa também são declinações de nosso instinto agressivo que, ao lado de consequências degradantes, podem também ter efeitos positivos de seleção natural e de inspiração recíproca.
Hoje, a expressão mais frequente, apreciada e organizada de competitividade é a que acontece entre diretores nas empresas e entre empresas no mercado: uma competição sem piedade, sem dó, que encontra seu enobrecimento no neoliberalismo. Este paradigma, hoje triunfante em formas levemente alteradas em comparação ao original do século XVIII, funda-se justamente em uma instintiva agressividade humana, um individualismo inato, uma luta sem fim que, em presença de normas reguladoras, permitiriam a seleção e o sucesso dos melhores graças à misteriosa e providencial intervenção de uma fantasmagórica “mão invisível”. Competitividade — palavra de cunho liberista e neoliberista mais pronunciada nas empresas e enfatizada nas business school — significa tensão permanente, ao ponto da ânsia, para superar os concorrentes, incorporá-los e eliminá-los definitivamente do mercado, deixando na rua milhares de trabalhadores com suas famílias.
O sociólogo Alfie Kohn, do New York Times, dedicou um ensaio muito convincente, intulado No Contest, à relação entre a competição e a cooperação. Nele, o sociólogo desmonta um a um os quatro mitos sobre os quais se fundamenta o conceito de competição, cultivado sobretudo na cultura protestante: 1) a competição é uma modalidade consubstancial à natureza humana, intimamente agressiva e rebelde; 2) representa uma mola que nos impulsiona a darmos o melhor de nós; 3) é uma ótima fonte de diversão; 4) fortalece o caráter e a confinaça em nós mesmos.
Aos quatro mitos derrubados por Kohn, um quinto mito é acrescentado por Spiro Agnew, segundo o qual uma sociedade não competitiva acabaria sendo uma experiência fraca, um mar de estagnação cheio de pessoas sem objetivos, que permanecem em casulos de falsas seguranças e de mediocridades satisfatórias. Pelo contrário, Kohn demonstra com riqueza de argumentos que a cooperação é parte integrante da natureza humana tanto quanto a competição e que a competição é um comportamento não inato, mas adquirido. A mesma seleção natural descrita por Darwin não exige competição, mas a desencoraja, premiando, sobretudo, as espécies que conseguiram uma melhor integração no contexto ecológico, uma maior manutenção dos equilíbrios naturais, uma mais eficiente utilização dos recursos disponíveis, um maior cuidado e educação dos pequenos, uma mais duradoura ausência de lutas no interior do grupo.
Infelizmente, a cooperação aparece menos do que a competição, que atrai muito mais a mídia quanto mais violentas forem as suas manifestações. Mas se a competitividade fosse realmente natural, as famílias, as escolas, as empresas e, sobretudo, as business schools não perderiam tanto tempo para inculcá-la, instigá-la e premiá-la.
O fato é que o modelo de vida mais difundido no mundo sempre foi o modelo do vencedor e as duas últimas guerras mundiais — a “quente” e a fria — foram vencidas pelos Estados Unidos. Como escreve Richard Hofstadter, professor da Columbia University e duas vezes vencedor do prêmio Pulitzer, “a sociedade americana reconheceu-se no conceito de seleção natural realizada com unhas e dentes, e os grupos dominantes conseguiram dramatizar esta visão da competição, apresentando-a como uma realidade positiva por si mesma. A rivalidade dos negócios mais implacável e a política sem escrúpulos parecem serem justificadas pela filosofia da sobrevivência”. Por sua vez, David N. Campbell, em seu On Being Number One, observou que “toda esta luta frenética e irracional para derrubar os outros é essencial para este tipo de instituição que configuram as nossas escolas, agências que baseiam no mercado, encarregadas de selecionar os funcionários necessários para o mundo dos negócios”.
Em síntese, “tentar fazer bem algo e tentar derrubar os outros são duas coisas diferentes” e frequentemente a segunda toma o lugar da primeira, como nos faz lembrar Alfie Kohn.
Diferentemente do capitalismo liberal, o comunismo funda-se no pressuposto da primazia da convivência, da doação desinteressada, da colaboração organizada. Sabemos como acabou depois de 70 anos de guerra fria entre leste e oeste. No entanto, quando caiu o Muro de Berlim, o dramaturgo Vaclav Havel, então presidente da Tchecoslováquia, profeticamente disse durante uma conversa radiofônica: “Lembre-se que o comunismo perdeu, mas o capitalismo não venceu”.