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Consulado não é fabricação de passaporte

21 de setembro de 2018 - Por Cejana Montelo
Consulado não é fabricação de passaporte

 

O novo cônsul-geral da Itália em São Paulo, Filippo La Rosa, é um estudioso e apaixonado pelo Brasil. O diplomata assumiu o Consulado no dia 1º de agosto e está bastante otimista com o desafio e a oportunidade de atuar junto à maior comunidade de italianos fora da Itália. La Rosa, formado em Direito pela Universidade de Roma “La Sapienza”, conversou com Comunità sobre o potencial econômico e cultural nas relações entre os dois países e a complexidade de administrar a vida de uma comunidade com mais de 200 mil pessoas

ComunitàItaliana — O senhor assumiu o Consulado Geral em São Paulo no dia 1º de agosto e tem um mandato de quatro anos pela frente. Quais são as prioridades da sua gestão?

Filippo La Rosa — Uma das prioridades dessa gestão será manter o alto padrão de serviços do Consulado, que tem sido excelente tanto na quantidade quanto na qualidade de atendimento. Vamos trabalhar, por exemplo, para incrementar a nossa atuação pelo interior também. Não quero ser o cônsul da Avenida Paulista. A atividade consular precisa estar perto dos ítalo-brasileiros e das empresas de origem italiana de todo o estado paulista. Outras duas áreas importantes que serão foco de atenção são a oferta de uma programação cultural de qualidade e a promoção de roteiros turísticos que fujam dos destinos clássicos, como Milão, Veneza e Roma. Vamos mostrar aos brasileiros o potencial do turismo nas províncias, que é muito diverso e mostra o viver italiano de forma mais autêntica. Há sempre espaço para melhorar. Tive a sorte de herdar uma equipe dedicada que trouxe ótimos resultados. Juntos, estamos trabalhando para aglutinar potencialidades e recursos que possam promover mais e melhor a Itália no Brasil.

CI — Como tornar o Consulado Geral da Itália em São Paulo mais presente no interior?

FLR — Já estamos fazendo isso. Em duas semanas de trabalho, já visitei Campinas, Jundiaí, Ribeirão Preto e Santos. Quero estar perto das pessoas, interagir, conhecê-las para fazer um trabalho adequado às necessidades de cada lugar. A cultura será um pilar importante para a difusão do nosso trabalho junto a um número maior de cidades. Junto com a Embaixada e com o apoio do Instituto Italiano de Cultura, já realizamos o espetáculo do cantor e pianista Stefano Bollani, no Bourbon Street, na capital, e depois em Ribeirão Preto e Jundiaí.

CI — Antes de assumir o consulado, o senhor trabalhou durante nove anos na Embaixada Embaixada em Brasília. Como está sentindo essa transição?

FLR — Assumir o Consulado Geral da Itália em São Paulo é um desafio grande, mas muito interessante do ponto de vista profissional. De Miami à Terra do Fogo, essa é a maior cidade da

região e o principal centro econômico, financeiro, comercial e cultural da América Latina. O Brasil tem mais de mil empresas de origem italiana e mais da metade está em São Paulo. É o lugar de maior relevância para a Itália.

CI — Essas dimensões continentais de São Paulo geram uma demanda por serviços consulares superior à média de outros lugares. Hoje, qual é o prazo estimado para concessão da cidadania italiana?

FLR — São 11 anos. A melhoria nos serviços que estamos propondo tem o objetivo de reduzir essa diferença entre demanda e oferta. Será complexo porque São Paulo reúne a 12ª maior população da Itália e gerenciamos alguns serviços que as prefeituras italianas não fazem. Como a emissão do passaporte, por exemplo, que no Brasil é um serviço consular, mas que na
Itália é emitido pelo Ministério do Interior. O Consulado terá que deixar de ser percebido como uma fábrica de passaportes. O nosso trabalho é mais amplo. Cuidamos da administração da vida civil de 225 mil ítalo-brasileiros que se casam, têm filhos ou não, migram, mudam de endereço, se divorciam, viajam, fazem passaporte. Tudo isso gera uma demanda de trabalho enorme.

CI — A cobrança de uma taxa de 300 euros para concessão de cidadania representa um aporte significativo no orçamento do Consulado?

FLR — Sim. Esse fundo é importante, mas não chega a ser uma solução. Porque não é um recurso definitivo com o qual vamos poder contar sempre no nosso orçamento. Eu não posso, por
exemplo, fazer contratações de novos funcionários porque não sei até quando continuaremos a receber o valor dessas taxas. Hoje, temos 42 colaboradores que fazem a gestão administrativa da vida civil dessas 225 mil pessoas. A atividade consular é regimentada por lei e uma das exigências para a contratação de funcionários é que os contratados venham da Itália. Atualmente
a realidade no Brasil é diferente de cinco anos atrás, e está mais difícil contratar italianos.

CI — Qual a média anual de passaportes emitidos?

FLR — Em 2017, foram emitidos 16.500. Resultado de um excelente trabalho de organização interna do meu antecessor Michele Palla, que conseguiu emitir 30% a mais em comparação ao ano anterior. E, para 2018, a nossa expectativa é continuar aumentando o total de passaportes emitidos por ano. Mas o que pouca gente sabe é que existe também um trabalho contínuo de atendimento ao público para esclarecimento de dúvidas. Nossa equipe realizou um total de 67 mil atendimentos no ano passado e 100% das dúvidas foram atendidas por meio de retornos por escrito, além de outras agendas de rotina, como reuniões de negócios com empresários e promoção de projetos culturais.

CI — Uma forma de incrementar as relações entre os dois países é promover a cultura italiana. Como o senhor pretende estimular a italianidade entre os descendentes?

FLR — O viver italiano pode ser promovido por meio da cultura, da gastronomia e da maior difusão do idioma italiano, que é importante. No pilar de cultura, o aprendizado do idioma é parte essencial e uma das prioridades com as quais pretendemos trabalhar. O italiano é fundamental e transversal a todos os pilares da nossa atividade. O italiano é o idioma da Fórmula 1, da Ferrai, do mundo GP, do Design, da Arqueologia, da Igreja, é o passepartout da comunicação. Existe gente muito séria no departamento de linguística da USP dedicada ao ensino do italiano, fazendo um trabalho silencioso, porém muito efetivo. Esse trabalho é resultado de uma pesquisa que revelou uma demanda forte pelo ensino do italiano não só em São Paulo, como em outros estados. Rio Grande do Sul, Pernambuco e Minas Gerais, por exemplo, têm uma enorme demanda pelo aprendizado do italiano.

CI — A cultura e a música serão temas primordiais no seu trabalho como cônsul?

FLR — Sim, até porque a música é a marca desse país. O Brasil é o país da música e não do futebol. O Brasil teve Garrincha, Pelé, Rivelino, Zico e tantos outros, mas a música tem verdadeiros gênios e dois hinos conhecidos mundialmente. Aquarela do Brasil de Ary Barroso é o hino do litoral e Asa Branca de Dominguinhos é o hino do interior. A programação musical inclui uma ação cultural para celebrar os 150 anos de Gioachino Rossini, um dos maiores compositores da música italiana, e espetáculos do jazzista Pasquale Belotti. Para outubro, está programada ainda a semana da Gastronomia Italiana, com a participação de 20 restaurantes e chefs. Cada um deles responsável por mostrar os pratos típicos de 20 regiões da Itália. No mesmo mês, promoveremos a Semana da Língua, também com várias atrações para difundir o aprendizado do idioma. Trabalharemos em parceria com o Instituto Italiano de Cultura com o objetivo de abrir as portas da nossa cultura para os brasileiros e descendentes.

CI — Como seria a sua playlist favorita?

FLR — Além de todos os clássicos musicais que já citei, tenho muita paixão pela cantora e compositora de jazz Luciana Souza, pouco conhecida aqui, mas muito popular nos Estados Unidos, onde vive e se consagrou com a conquista do Grammy Awards seis vezes. Além de outros, como a turma de Minas Gerais, da qual tambpem também gosto muito, como Lô Borges, Milton Nascimento, Jota Quest.

Crônica musical

Para mim, a música brasileira nasce com Aquarela do Brasil, de Ary Barroso, executada pela Orquestra Sinfônica e depois eternizada como o hino nacional do litoral do Brasil. Enquanto o povo do interior aprecia mesmo a sanfona de Dominguinhos, entoando o clássico Asa Branca, que foi consagrado como hino do sertão. Sanfoneiro e músico genial, o pernambucano compôs também os versos da música De volta para o meu aconchego — canção que ganhou o mundo com as interpretações maravilhosas de Maria Bethânia e Elba Ramalho. Quantas pessoas  conhecem aquela sanfona de Dominguinhos falando? E aqui chamo a atenção para a beleza de um instrumento, que é uma paixão partilhada por brasileiros e italianos. A mesma sanfona feita por artesãos italianos e trazida em navios pelos imigrantes que não queriam esquecer a sonoridade da Itália. Acordes de sanfona que percorreram todo o Nordeste, o interior e foram descendo devagar, como o rio São Francisco, até chegar à Bahia. Terra onde reina o ritmo de Dorival Caymmi e onde nasceu o samba, “e se hoje ele é branco na poesia, se hoje ele é branco na poesia, ele é negro demais no coração”. Com os versos do poeta Vinicius de Moraes, o samba virou samba de verdade no Rio de Janeiro, onde está Paulinho da Viola, que apresentou esse gênero musical ao Carnaval e acabou dando novos rumos ao samba. Depois, nasceu a Bossa Nova, veio o Festival da Record em 1973 e a vitória de A Banda de Chico Buarque. Voltamos para a Bahia com o Tropicalismo. Vinicius e Toquinho se encontram na casa de Calasans Neto. Momento fantástico para a música, com outros nomes como Gilberto Gil, novo gênio que canta a cidade e o interior em canções como Procissão. Olha lá, “vai passando a procissão se arrastando como cobra pelo chão”. Deixamos a Bahia, voltamos para o Rio de Janeiro. Depois, alguns partem para São Paulo, onde “alguma coisa acontece” entre a Ipiranga e a São João. Sem falar do Samba do Arnesto, de Adoniran Barbosa, que consagrou Jaçanã e o Brás como templos do samba e se eternizou com o hino de São Paulo.                                                                                                                                                                                                                                      *Por Filippo La Rosa

A carreira diplomática do novo cônsul

1997
Começa a carreira diplomática com projetos de apoio aos italianos no exterior
1999
Entra na Coordenação da Secretaria Geral do Ministério das Relações Exteriores italiano
2000
Vai para a Embaixada da Itália em Brasília e assume a área de relações econômicas e comerciais bilaterais
2004
É transferido para Embaixada da Itália em Madri para acompanhar a política interna da Espanha e as relações com a imprensa local
2008
Retorna ao Ministério das Relações Exteriores em Roma e assume o Serviço de Imprensa e Comunicação Institucional
2011-2013
Assume o cargo de conselheiro diplomático do Prefeito de Roma e diretor da Divisão para as Relações Internacionais da Capital
2013
Retorna à Embaixada da Itália em Brasília como Vice-Chefe de Missão
2018
Assume o comando do Consulado Geral da Itália em São Paulo

Comunità Italiana

A revista ComunitàItaliana é a mídia nascida em março de 1994 como ligação entre Itália e Brasil.