Festival de cinema italiano amplia circuito e dobra sua duração, aproximando o público brasileiro do cinema contemporâneo produzido na Itália
Com ampla oferta de cinema italiano contemporâneo, e em sua quinta edição, a 8 ½ Festa do Cinema Italiano volta ao Brasil, com programação iniciada no dia 8 agosto e que se estende ao dia 21, contemplando mais filmes e sessões, além de um número maior de cidades e com o dobro de duração.
— Depois do sucesso dos anos passados e o crescimento exponencial do público que seguiu a nossa programação, decidimos ampliar ainda mais o nosso circuito a 16 cidades brasileiras, tentando estar mais presente no território e alcançar novos espectadores — diz à Comunità o diretor do evento, Stefano Savio, italiano residente em Portugal, país onde criou o festival. Além do Brasil, a mostra cinematográfica é realizada nos países lusófonos de três continentes.
Como destaca o produtor italiano residente no Brasil, Tommaso Mottironi, o novo formato do evento consiste em duas semanas, de 8 a 14 de agosto e de 15 a 21 de agosto, porém com a mesma duração de uma semana em cada cidade.
— Desde a primeira edição em Porto Alegre vimos o renovado interesse do público pelo cinema italiano contemporâneo, que antes tinha pouca presença nos cinemas, e agora podemos ver que o interesse das distribuidoras em relação aos produtos audiovisuais italianos aumentou. Foi uma lacuna que o nosso festival ajudou a transpor. Agora enfrentamos o desafio de democratizar o acesso de filmes italianos também em centros menores, onde dificilmente o cinema italiano está em cartaz por razões de lógica de distribuição comercial — afirma Mottironi.
No Brasil, o festival é organizado pela Associação Il Sorpasso em parceria com a Mottironi Eventi e conta com o patrocínio da Fiat e o apoio da Embaixada e dos Consulados italianos, dos Institutos Italianos de Cultura do Rio e de São Paulo e da Cinecittà Luce.
Nesta edição, o público pode assistir filmes inéditos como Lucia Cheia de Graça e Eufória, ambos exibidos no Festival de Cannes. Entre as pré-estreias estão Silvio e os Outros, de Paolo Sorrentino, Noite Mágica, de Paolo Virzì, e Dafne, de Federico Bondi. Também há filmes de jovens diretores elogiados pela crítica e pelo público, como Entre Tempos, de Valerio Mieli, Desafio de um campeão, de Leonardo D’Agostini, e Bangla,de Phaim Bhuiyan.
Savio explicou que os filmes são escolhidos com base no interesse pela obra e pelo seu equilíbrio dentro da seleção proposta, além da possibilidade real que os longas possam encontrar junto ao público brasileiro.
— Por isso tentamos diversificar a proposta em colaboração com a distribuição nacional para poder alcançar o gosto de um público amplo e heterogêneo como o brasileiro — avalia o diretor italiano.
Para Savio, é importante ter o apoio das instituições italianas, das salas de cinema e das associações de italianos de cada cidade para realizar um festival de cinema num país do tamanho do Brasil. Sobre as dificuldades para realizar o evento, ele citou o fato de a proposta ser apresentada a cidades com peculiaridades distintas, como públicos específicos, horários diferentes e hábitos cinematográficos próprios.
Documentários dedicados à arte
O festival deste ano homenageia os grandes mestres da arte italiana ao exibir na pré-estreia Michelangelo – Infinito, de Emanuele Imbucci, e Caravaggio – A Alma e o Sangue, de Jesus Garcés Lambert, dois filmes que fazem parte do ciclo A Grande Arte no Cinema dedicado aos documentários sobre a arte.
Mottironi explica que tempos atrás muitas salas europeias abriram sua programação para produtos audiovisuais diferentes dos filmes e documentários tradicionais, como longas com shows ao vivo de concertos ou óperas.
— Uma das tendências mais fortes são as produções de arte. São filmes que graças à tecnologia moderna de filmagem e à projeção em 4k ou até 8k ou 3D permitem ver obras de arte de perto, com todos seus detalhes, às vezes difíceis de serem vistos ao vivo, por razões de distâncias ou posição nos prédios onde estão na Itália — salienta o produtor italiano.
O festival também homenageia um importante filme da cinematografia italiana: A Melhor Juventude, de Marco Tullio Giordana, que conta uma epopeia familiar através de algumas das páginas mais importantes da história recente da Itália, exibido na sua versão restaurada.
— O diretor é um dos mais importantes realizadores italianos da sua geração e estará no Brasil para acompanhar o seu filme e encontrar o público de São Paulo, Rio de Janeiro e Goiânia. Na sua cinematografia são retratadas páginas importantes da história contemporânea italiana, como o fascismo, o terrorismo dos anos de 1970 e o problema da máfia — lista Savio.
Masterclass sobre história do cinema italiano
Comunità ouviu Giordana antes de sua chegada ao Brasil. Ele conta que já visitou o país em outra ocasião. Em 1995, o renomado cineasta foi convidado para o Festival de São Paulo onde apresentou Pasolini, um crime italiano.
— Lembro-me de uma recepção calorosa e do entusiasmo do público brasileiro, tanto que as exibições foram multiplicadas. Há também motivos pessoais que me ligam a este país extraordinário. Tinha um tio que morava em São Paulo e que migrou como muitos italianos no pós-guerra e sempre tive grande admiração pelo Cinema Novo Brasileiro, especialmente por Glauber Rocha, que, em Veneza, em 1980, fez declarações muito lisonjeiras sobre o meu primeiro filme, Maledetti vi amerò. Carlos Diegues, que era um dos jurados no Festival de Cinema de Locarno, juntamente com a grande roteirista italiano Suso Cecchi D’Amico, deu-lhe até o prêmio do Pardo d’oro — recorda o diretor.
Giordana assinala que o tema principal da sua masterclass no Brasil será a história do cinema italiano, seu nascimento e o desenvolvimento de sua indústria durante os anos do fascismo; a explosão neorrealista do pós-guerra, que o tornou famoso em todo o mundo, e a epopeia dos anos de 1960, com grandes mestres, como Fellini, Visconti, Rossellini, Antonioni, Bertolucci e Bellocchio, até os dias atuais, onde, apesar das dificuldades e da crise econômica, continua a expressar grandes personalidades, como Matteo Garrone e Paolo Sorrentino, que mantêm a bandeira elevada.
O cineasta de 68 anos diz enxergar no caráter expansivo e envolvente dos brasileiros, na sua alegria de viver, curiosidade, amor, musicalidade inata, características que também pertenciam à Itália nos anos de 1950, quando ele nasceu.
— Sinto muito em dizer isso, porque amo a minha terra, mas a Itália parece um país deprimido e assustado, sem a alegria e a bondade que o caracterizava. Acredito, espero encontrá-las no Brasil, e tenho certeza de que não vou ficar desapontado — ressalta Giordana.
Entre os protagonistas dos seus filmes, há, muitas vezes, jovens que se rebelam contra os abusos e as injustiças. Comunità perguntou a Giordana sobre como ele avalia as gerações mais jovens. A resposta não foi titubeante. Para ele, hoje é difícil se rebelarem.
— A internet trouxe comunicação horizontal em todos os lugares, todos nos sentimos conectados e ligados ao resto do mundo, enquanto, na realidade, estamos isolados, fechados dentro das casas, ou mesmo entre outros, mas sempre colados ao celular. Não fazemos nada com os outros, enquanto para mudar as coisas é preciso relacionar-se com os outros, tocar-se, sorrir e não delegar tudo à linguagem cada vez mais simplificada e áspera das mensagens de texto ou dos e-mails. É por isso que temos que voltar aos teatros e fazer música com os outros. Nós temos que voltar a cantar, não necessariamente para expressar nossa raiva ou rebelião, mas também alegria, amor, o que torna a vida tão bonita e aventureira — filosofa o diretor.
Ironia de Virzì para reverenciar cinema italiano
O filme Noite Mágica, de Paolo Virzì, 55 anos, integra a seleção de inéditos do festival. No longa — inspirado em muitas lembranças da juventude dele e a dos outros roteiristas (Francesca Arcibugi e Francesco Piccolo) —, o diretor investiga os bastidores do grande cinema italiano. Virzi, infelizmente, não pôde vir a 8 ½ Festa do Cinema Italiano, mas Comunità conversou com ele, por telefone.
— Nos divertimos recordando lembranças pessoais, personagens, a gloriosa grandeza, mas também o desespero miserável daquilo que é o cinema italiano, com aquele estilo que sempre sobrepõe tragédia e ironia — analisa Virzì, definindo o filme como uma brincadeira sobre o mito do grande cinema italiano.
Ele se apaixonou pelo cinema graças aos grandes talentos daquela época, alguns deles seus professores na Escola de Cinema, em Roma, e outros, porém, profissionais com os quais começou a trabalhar, como é retratado no filme através dos seus protagonistas, ou seja, o jovem autor que escreve o roteiro sem assiná-lo e recebe pouco e sem firmar um contrato.
— Aprendemos com esses grandes mestres a usar a ferramenta da ironia, do sarcasmo. Quando conheci os grandes mitos da minha juventude de cinéfilo, como Risi, Scola e Monicelli, eles mesmos se divertiam destruindo os mitos deles, desmistificando-os para nosso fervor, nossa paixão, com aquele estilo sempre anti-retórico e muito auto-irônico — afirma o diretor toscano, que, na juventude, mudou-se para Roma, onde frequentou a Escola de Cinema de Cinecittà.
A ironia dos mestres e a capacidade que detiveram para enterrar mitos foram o começo de tudo. O filme — frisa Virzi — nasceu assim, ou seja, do estilo que aprendera com seus professores.
— O que nos contaram na época foi que o cinema italiano estava morto, que já tinha sido feito tudo. Perguntavam o que a gente pretendia fazer, pois o melhor já tinha acontecido. Nós nascemos na época da nostalgia, do passado. Ao mesmo tempo sempre desmistificamos aquele glorioso passado, fazendo uma caricatura irreverente, como fizemos nesse filme — recorda Virzì, para quem a nostalgia integra o espírito dos italianos, que se baseia em uma civilização antiga e gloriosa.
— Quem vive na Itália todos os dias se confronta com as memórias de um esplendor do passado e essa coisa alimenta a sensação de que antes havia uma harmonia, uma beleza que foi perdida, porém é também, ao mesmo tempo, uma farsa, porque acredito que não é realmente assim, e que o passado é especialmente mitificado. A mesma coisa aconteceu com o cinema — enfatiza o italiano.
Para Virzì, desde o pós-guerra até os anos de 1960 o cinema italiano desafiou os principais cinemas mundiais em termos de relevância cultural, enquanto hoje é um pequeno país, o único em que se fala o italiano, uma realidade pequena no contexto geral, principalmente desde que apareceram novas cinematografias no panorama do cinema mundial.
— Somos um país que faz coisas muito bonitas, mas ao mesmo tempo somos um pequeno país, quando os grandes mestres estavam trabalhando e tinham o sentimento de serem protagonistas — ilustra o cineasta.
Quanto ao cinema italiano contemporâneo, Virzi o considera muito “vivo” e “combativo”, pois todos os anos estreiam filmes relevantes.
— Porém não há dúvida: somos os últimos filhos, as crianças negligenciadas, aquelas que devem necessariamente desempenhar o papel daquelas que dizem: “Eu sei, antes de nós, houve o grande cinema”. Ao mesmo tempo, quem conheceu aquela temporada do cinema no momento do apogeu contado no filme, conhece também as fraquezas, os desesperos, os medos, as fragilidades e até a miséria, porque o cinema é uma arte industrial, uma indústria aventureira baseada na coragem e também na inconsciência de seus protagonistas — conclui Virzi.
A 8 ½ Festa do Cinema Italiano acontece de 8 a 14 de agosto, em Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Niterói, Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo e Recife, e de 15 a 21 agosto, em Belém, Florianópolis, Goiânia, Salvador, Vitória, Fortaleza, Londrina e Natal.
Confira a programação completa abaixo: