No dia 11 de junho, a primeira franquia social de conserto de roupa Zyp, líder do setor na Itália, abriu as portas no bairro carioca de Ipanema. De acordo com o fundador da Zyp, Giuliano Andreucci, é um círculo que se fecha. Após uma viagem ao Rio de Janeiro, ele ficou tão impressionado com as diferenças sociais que decidiu projetar uma franquia solidária.
— Abrir uma franquia no Rio de Janeiro era o meu objetivo, pois o projeto Zyp foi o resultado daquela viagem — conta à Comunità Andreucci, que veio de Roma para a inauguração da loja carioca, administrada por uma italiana e uma brasileira.
Em 2007, ele e mais três sócios lançaram uma rede de franquias de conserto de roupas que atualmente conta com mais de 50 lojas ativas. O objetivo da Zyp é promover solidariedade através da fórmula comercial da franquia. Por isso, os sócios criaram uma ONG com o mesmo nome da loja para promover iniciativas sociais.
— Cada franquia paga uma parcela de 92 euros mensais para a Zyp ONG, que fornece financiamento a projetos de empreendedorismo feminino na Itália e no mundo — esclarece o responsável na Itália.
No Brasil, a ONG sediada em Roma já tinha financiado uma cooperativa de costura em Salvador, na Bahia, mas no Rio de Janeiro o projeto é bem maior: é a primeira loja de conserto de roupas que a associação financia por inteiro. A franquia, administrada pela empreendedora italiana Federica Maria Ciacci e pela costureira brasileira Maria da Penha Ribeiro da Silva, financiará por sua vez o projeto de artesanato e costura Arte Mãe, da ONG Sociedade Cultural Projeto Luar, sediada na Baixada Fluminense, região metropolitana do Rio de Janeiro.
Para entender como surgiu a primeira loja Zyp no Brasil, é necessário retornar ao passado. Federica veio pela primeira vez ao Rio em 2013 através de um projeto do governo italiano de voluntariado, o serviço civil. A experiência tem uma duração de um ano e os voluntários recebem uma remuneração mensal que varia de acordo com o destino escolhido, que pode ser na Itália ou no exterior.
De voluntária a empreendedora social
Em sua primeira viagem à cidade, Federica esteve acompanhada por outros quatro italianos, que viraram companheiros de uma experiência que mudou a sua vida. Longe das paisagens dos cartões-postais da cidade maravilhosa, os cinco voluntários foram morar em Jardim Primavera, bairro de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, região com os mais altos índices de homicídios do estado.
— Ninguém de nós sabia nada. A gente conhecia o projeto Luar apenas no papel — relata à Comunità Ciacci, originária de Catanzaro, na Calábria.
O Projeto Luar, que esse ano comemora 25 anos, foi criado pela dançarina e coreógrafa ítalo-brasileira Rita Serpa. Ela criou uma escola de balé na Baixada Fluminense, que mais tarde se tornou um projeto de atividades socioculturais para crianças, adolescentes e adultos. O objetivo da ONG é contribuir para aumentar a escassa oferta cultural da região, usando a arte como ferramenta unificadora para a comunidade e as famílias. Atualmente atende 1500 alunos, possui sede própria e opera em diversas regiões. Dentro da ONG, existem vários projetos que atuam na geração de renda, como o Arte Mãe, que fabrica os produtos da grife Luar e possui uma loja na sede da associação.
Entre as várias experiências que fez durante o serviço civil, Federica tinha que ajudar as atividades de artesanato e costura das mulheres de Arte Mãe. No começo, porém, não foi nada fácil.
— No primeiro mês eu chorava porque não queria ficar, queria ir embora. Não sabia nada sobre agulha e linha, mas acabei me apaixonando pelo trabalho dessas mulheres que me fizeram acreditar que eu podia até aprender a costurar, a fazer um colar, uma bolsa. E é verdade: se você acredita, consegue! — afirma a italiana, que agora está à frente da loja de consertos, junto com Maria da Penha Ribeiro da Silva, a coordenadora do projeto Arte Mãe.
De volta à Itália após um ano intenso, decidiu buscar um patrocinador que financiasse o Arte Mãe.
— Eu acreditava no trabalho que elas faziam e achava que poderia ser um ótimo investimento. Além disso, queria devolver a mesma confiança que tinham me dado quando eu dizia que não sabia costurar — conta Ciacci.
Através de uma amiga que trabalha no setor de cooperação, a calabresa entrou em contato com a Zyp. Foi assim que nasceu a ideia de financiar a abertura de uma franquia no Rio de Janeiro, administrada por uma costureira do projeto Arte Mãe, Penha.
— O meu sonho sempre foi ter uma loja. Além disso, a finalidade desse projeto é ajudar outras mulheres do Arte Mãe e também a ONG Projeto Luar — relata à Comunità Penha, que dava curso de corte e costura às mulheres da associação.
Para verificar se a ideia era viável, Federica voltou ao Rio de Janeiro para fazer uma análise de mercado, envolvendo as mulheres do Arte Mãe com um financiamento da região do Lácio. O programa oferecia a possibilidade de passar oito meses no exterior para realizar uma experiência de trabalho e quatro meses no Lácio para trabalhar, usando as competências adquiridas fora da Itália.
Em Roma, Federica trabalhou como costureira em duas lojas da Zyp.
— Acredito que, para escrever um projeto e analisar as necessidades, não é possível fazê-lo apenas na teoria, mas é preciso compreender na prática se é viável — analisa a italiana, que esse ano comemorou 30 anos no Rio.
No ano passado, o fundador da Zyp decidiu convidar Penha para passar três semanas em Roma com o objetivo de aprender as técnicas de conserto italiano e colocá-las em prática na sua loja. Para ela, foi um desafio muito grande: aos 57 anos, viajar para um país diferente sem conhecer o idioma e, além disso, de professora de corte e costura, teve que se tornar aluna.
— Foi também uma experiência muito gratificante. Nunca é tarde para você aprender e enfrentar novos desafios — resume Penha.
Entre as novas técnicas, a brasileira aprendeu a desmanchar um terno, algo inusitado no Brasil.
Após a inauguração da franquia no Rio, a Zyp mandou a costureira Carmen Ravarili para reforçar os ensinamentos.
— A ideia da Zyp é fazer uma reparação italiana de alta qualidade, mas que se adapte também às necessidades locais dos brasileiros — conclui a simpática calabresa, atrás do balcão da recém-inaugurada loja de conserto de roupas.
As mulheres do Arte Mãe
A s primeiras oficinas tinham como objetivo entreter as mães que esperavam os seus filhos saírem da aula do Projeto Luar de Dança. Com o tempo, se tornou um espaço onde, através do artesanato e da costura, elas aumentam a autoestima e adquirem até mesmo a independência econômica.
— Fazer artesanato me distrai e enche a minha mente com coisas boas, deixando os problemas de lado — afirma Aparecida Franca dos Santos, que faz parte do Arte Mãe.
Sueli Cavalcante Batista de Freitas aprendeu a costurar graças ao projeto e fez novas amizades.
— Antigamente, eu ficava muito em casa. Quando conheci o projeto, se abriram novos horizontes: agora tenho contato com outras pessoas e consigo administrar melhor o meu tempo — frisa Sueli, enquanto mostra a boneca abayomi vendida na loja. De acordo com Ana Delmira de Souza, que se ocupa da parte de costura e do atendimento, os ensinamentos das oficinas de artesanato ajudaram muitas mães a terem uma fonte de renda própria.
— O Arte Mãe é a arte de viver, vivendo a vida — resume Ana.