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Conheci Julio Vanni aos meus 17 anos de idade. Cheguei até ele através do livreiro Carlos Monaco, famoso livreiro em Niterói, cidade que várias famílias italianas escolheram para se radicarem entre o fim dos séculos 19 e início do 20. Foi um encontro mágico para um garoto que debaixo do braço levava um sonho e muita força de vontade e para um historiador que aos 67 anos tinha sede pela pesquisa de suas origens.
Ele acabara de lançar seu livro “Itália meu amor” que contava suas andanças pela terra de seu pai. Nascido na pequena cidade mineira de Pequeri, este homem simples e de feição acolhedora logo se revelou um gigante em sabedoria. Entre inúmeros títulos que acumulara ao longo da vida, o professor Julio, como muitos o chamavam, se orgulhava de ter ajudado a erguer cursos por todo o estado, como o primeiro delegado do Ministério da Educação para o Rio de Janeiro, e de ter sido prefeito de sua terra natal. Dedicou sua vida à educação e realizou inúmeros estudos sobre a região que conhecia como ninguém. Se a Itália foi o seu amor, a zona da mata de Minas Gerais era a sua paixão.
Certa vez fui com ele conhecer a cidade de que tanto falava e era impossível não se encantar com cada paralelepípedo ou árvore ou pessoa que ele apresentava igualmente com brilho nos olhos. Entre um causo e outro, a prosa do bom mineiro era uma aula de geografia, mas, sobretudo, uma aula de humanismo. Admirava a beleza com a sensibilidade de um menino e a bagagem que lhe era peculiar.
Nada lhe substituía o prazer de ir à Itália. Movimento que fez ao menos 20 vezes, das quais duas vezes no último ano. Numa delas, fomos juntos de Milão a Salerno em 19 dias. Parada obrigatória, a terra de seu pai, Ponte all’Alania, uma fração da cidade de Barga, na Toscana, onde ficamos hospedados na casa de seu primo Berto. Um casario de pedra do século 17, que resistiu aos terremotos da região que tem montanhas esplendorosas e uma riqueza natural que reflete-se na mesa, onde são fartos os pratos com funghi e tartufos. De lá, giramos muito e fomos também ao paese dos meus pais e muitas coisas fizemos, mas tantas que poderiam ser contadas em páginas.
Do nosso encontro, vivemos 20 anos. Viajamos pelo Brasil e pela Itália. Retalhamos e costuramos um bocado de coisas e o principal, vivemos uma amizade plena. Antes de deixar-nos no dia 27 de março, dois dias depois de seu aniversário de 87 anos, mesmo muito debilitado, já sem a voz, a audição, pouca visão e sem os movimentos do lado esquerdo, ele, que era canhoto, reuniu todas as forças para escrever numa prancheta com a mão direita quando fui encontrá-lo pela última vez: “obrigado”, “esperança”, “fim”.
Sua grandeza ensina que é preciso humildade e perseverança; sorrir para a vida; uma boa música italiana para harmonizar; e um brinde com um bom toscano.
Boa leitura!