Na mira dos mais de um milhão de eleitores italianos residentes na América do Sul, a ministra italiana das Reformas Constitucionais, Maria Elena Boschi, visitou, de 28 a 30 de setembro, Argentina, Uruguai, as cidades de Porto Alegre, Brasília, e encerrou o encontro com a comunidade italiana em São Paulo. Na campanha para o “sim”, no referendo que acontecerá em 4 de dezembro, a ministra deu depoimentos firmes no Circolo Italiano, no centro da capital paulista.
— A reforma representa uma escolha decisiva que envolverá o futuro da Itália nos próximos 30 anos. Precisamos modernizar e reduzir o número de parlamentares para que a aprovação de leis seja mais rápida — declarou.
Ela se mostrou emocionada com a receptividade que teve da parte de imigrantes e seus descendentes, e da relação que eles mantêm com a Itália. O ponto principal de sua visita foi falar para a comunidade italiana, empresários e formadores de opinião sobre a proposta da Reforma Constitucional, apresentada pelo primeiro-ministro Matteo Renzi, considerada a mais importante mudança no sistema de governo italiano desde o fim da monarquia há 70 anos, e que será levada à consulta popular no dia 4 de dezembro.
O referendo tem causado debates e polêmicas, principalmente por conta da possível diminuição de poder do Senado, que seria reduzido de 315 para 100 integrantes, além da criação de leis ficar restrita à Câmara dos Deputados, gerando críticas de que o poder ficará muito concentrado no primeiro-ministro e no governo central. Para os que veem nisso uma ameaça à democracia, a ministra sugere uma reflexão sobre o modelo atual, burocrático e completamente inchado, que atrasa e dificulta as decisões parlamentares. Embora atenta às opiniões e aberta às ponderações, ela mantém uma capacidade argumentativa clara e muito objetiva.
— Creio que um modelo com 945 parlamentares é incompreensível. Quando forem decidir como votar no referendo, as pessoas deverão avaliar que esta é uma reforma que agilizará a tomada das decisões, com menos custo político, com o poder mais claro e com uma Itália que funcionará melhor para os italianos; essa é a escolha — diz ela, que, como outros a favor da reforma, acredita que tal modelo trará mais transparência e melhor governança para o país.
No Brasil, além de encontros com imigrantes e oriundos, Boschi esteve com lideranças do governo, empresários e representantes acadêmicos. Não poderia ser para menos. Além da relação amistosa que o Brasil e a Itália mantiveram nas últimas décadas e do país contar com a segunda maior comunidade fora da Itália, tendo hoje muitos representantes em diversos setores, a economia brasileira, ainda que em crise, continua atraindo investidores de outros países.
— É um momento importante para encontrar com o governo do Brasil, com empresários, fazer esse intercâmbio cultural e diminuir um pouco a distância entre o Brasil e a Itália — comentou.
Encontro com a ministra do STF Cármen Lúcia
Em passagem por Porto Alegre, Brasília e São Paulo, a ministra esteve presente com o governador gaúcho, com os ministros brasileiros da Justiça, do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão e com a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, com quem falou sobre a Reforma Constitucional italiana, que, além da redução de um terço dos cargos parlamentares, visa a um maior controle social sobre os políticos eleitos. Elas também falaram sobre questões relacionadas ao desemprego entre jovens, à igualdade de gênero e à confiança da sociedade no Parlamento.
Durante o evento “Encontro de Altas Autoridades Brasil-Itália para Cooperação em Infraestrutura”, promovido pelo Banco do Brasil e pela Embaixada da Itália, Maria Elena Boschi também ficou satisfeita com a apresentação do ministro interino do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, Dyogo Oliveira, sobre um cenário que prevê o aumento de negócios entre os dois países. Em coletiva de imprensa, ela comentou sobre a importância desse diálogo e de oportunidades em segmentos como o de energia renovável, área sobre a qual a Itália tem se debruçado fortemente.
Na capital paulista, a ministra ainda fez uma palestra na Fundação Fernando Henrique Cardoso, intitulada “Mudar a Itália, para mudar a Europa”, diante de intelectuais, acadêmicos e jornalistas. Mas as conversas entre as pessoas comuns da comunidade italiana é que a deixaram emocionada.
— Foram encontros calorosos e com muito afeto. Um senhor que morava há 40 anos no Rio Grande do Sul contou que todos os dias pela manhã se levantava e ia trabalhar em Porto Alegre, mas alla sera retornava à casa e sonhava com a Calábria, pois seu coração lá se mantinha.
E é principalmente com essas pessoas que o governo italiano espera contar para obter a mais arrojada mudança legislativa do país, que certamente trará reflexos não só na Europa, mas também em países com problemas de governança semelhantes, como o Brasil.
O outro lado: oposição reclama dos perigos da falta de representatividade
Enquanto a ministra faz campanha para o “sim”, alegando a agilidade nas decisões públicas, a oposição afirma que a população perderá representatividade com a redução de senadores, que também acumulará a função de prefeito.
Cerca de 100 pessoas estiveram presentes no discurso de encerramento da ministra Boschi, entre representantes de organizações culturais, além do cônsul geral em São Paulo Michele Pala, do embaixador Antonio Bernardini, dos deputados Fabio Porta, Renata Bueno e do senador Fausto Longo.
Os cidadãos dividem-se entre indecisos, contra e a favor da reforma.
— Há aspectos a serem considerados. A nossa circunscrição, por exemplo, perderá os senadores que não serão mais votados. Por outro lado, a aprovação de leis na Itália será mais rápida — avaliou Mario Antonio Turnaturi, do Patronato Enas.
Já o corretor de seguros Giorgio de Vecchi ainda está avaliando as propostas para decidir.
— Em muitas coisas, eu sou favorável à reforma e em alguns assuntos, não. A ideia de reformar é, com certeza, boa, mas o jeito como é feito é discutível e também a economia será reduzida —opinou.
Estima-se que a mudança economizaria valores abaixo dos 60 milhões de euros.
— A economia é irrisória perto da perda de representatividade que o povo terá, com a redução de membros do Senado. A proposta é uma ameaça à democracia — afirmou a advogada do Patronato Enasco, Luciana Laspro.
O também advogado Luiz José Moreira Salata, vice-presidente da Sociedade Cultural Brasilitalia, de São Bernardo, acha a medida prejudicial.
— É ruim, pois diminui a representatividade popular no parlamento. O governo ainda adiou por dois meses o referendo, que seria em outubro. Foi uma decisão arbitrária do primeiro-ministro Renzi, que ainda disse que irá se demitir caso derrotado. Isso serve para pressionar as bases.
O professor Rocco Lence, que esteve presente no encontro, tem opinião similar.
— Tem que reduzir cargos dos dois lados, a quantidade de senadores e também de deputados, e não ampliar o poder da Câmara.
Já o presidente da Italcam (Câmara Ítalo-Brasileira de Comércio, Indústria e Agricultura), Edoardo Pollastri, ex-senador italiano de 2006 a 2008, explica por que é a favor do “sim”.
— Os senadores terão menos funções, não mais votarão as leis nacionais e somente as regionais, o que vai agilizar as aprovações, porque, atualmente, 95% das propostas dos deputados não vão para frente.
A deputada Renata Bueno que, juntamente com os parlamentares Fabio Porta e Fausto Longo, organizou a vinda da ministra Boschi, comentou a visita.
— Há cerca de três meses, eu fui pessoalmente fazer o convite a ela, alegando a importância da região, com mais de um milhão de eleitores italianos, na América do Sul, e quase 4 milhões internacionalmente. Acredito que foi muito válida para a decisão do referendo.
Ao final do evento, a ministra concluiu o discurso salientando a importância de se participar do referendo.
— Voltarei para a Itália com uma joia no coração. Ver o que os italianos fizeram no exterior e como a comunidade se integra é motivo de profundo orgulho pra nós e responsabilidade, porque trabalhamos para que também vocês sintam orgulho do nosso país. Temos um plano de reforma ambicioso. Lembrem-se que a primeira parte de direitos da Constituição não será alterada, mas precisamos de uma Itália melhor e da participação de cada um, porque ser italiano não é só recordar dos avós, mas pensar no futuro e ser protagonista — concluiu.
Como ficará o Parlamento italiano depois da reforma
Com a aprovação da reforma, o Senado italiano ficará composto por 100 membros, ao invés dos 315 existentes. Já a Câmara ganhará mais poder de votos e permanecerá com os 630 deputados eleitos pelo voto popular. Entre os representantes do Senado, serão 74 conselheiros regionais e 21 prefeitos, todos escolhidos por Assembleias Legislativas de cada região do país, seguindo indicação dos eleitores. Ainda haverá cinco nomeados pelo Chefe de Estado, totalizando 100 senadores. Os Conselhos Regionais elegerão, através de método proporcional, os senadores entre os próprios componentes. Um por região deve ser prefeito.
Franqueza e juventude
Para o superintendente-executivo da Fundação Fernando Henrique Cardoso, Sergio Fausto, a palestra “Mudar a Itália, para mudar a Europa”, apresentada pela ministra italiana, não poderia ter sido mais proveitosa. Como parte dos trabalhos da fundação é cobrir política internacional, ter o salão da casa lotado de pesquisadores, estudiosos, empresários, imigrantes italianos e descendentes, além de jornalistas e demais formadores de opinião, em plena sexta-feira, deixou evidente para ele o quanto é grande o interesse pelo referendo. Fausto ficou impressionado com a franqueza da fala da ministra, assim como satisfeito pela qualidade das perguntas feitas.
— Ela é muito bem articulada, sabe expor os problemas e soluções, sustentado seus argumentos com uma franqueza acima da média dos políticos tradicionais — comenta, chamando atenção ainda para a idade da ministra, de apenas 35 anos. Para ele, essa é uma demonstração de renovação importante em qualquer sistema político, pois “ela faz parte de uma geração de políticos jovens que veem assumindo um papel de liderança da Itália”, referindo-se ao próprio primeiro-ministro Matteo Renzi.
— E quando vemos isso acontecer em outros países, prestamos atenção — completou.
Para saber mais:
www.riformeistituzionali.gov.it/riforma-costituzionale