Para quem achava que a morte chegaria antes da esperança, já é muita coisa
É verdade. Para quem sempre acreditou que a esperança é a última que morre, eu já andava descrente diante do seu estado agonizante. Mas começamos a ter sinais de que o pesadelo dos fatos escabrosos revelados pela operação Lava-Jato e as cenas do inferno protagonizadas pelos nossos parlamentares em infindáveis sessões plenárias estão revelando a verdade por detrás das enganosas promessas de campanha. Estamos testemunhando a péssima qualidade dos representantes que elegemos para nos representar.
Os discursos primários dos parlamentares diante de fatos tão graves, a exposição da ignorância coletiva, do espírito corporativista e o desapego patriótico expuseram a nudez moral política a um brasileiro hoje mais atento aos nossos representantes no legislativo — sim, não merece inicial maiúscula. Tivemos a chance de assistir a um grande BBB (Big Brother Brasília) formado por um elenco aleatório (e alegórico) de drama, comédia e tragédia, extrapolando as locações de Brasília, num non-scripted program eletrizante. O Big Brother Brasil virou aula de catecismo perto do que vimos assistindo desde a deflagração da descarada roubalheira. Descarada, depois de descoberta. Até então, uma sofisticada e bem urdida trama de aparelhamento do Estado para conduzir a farra pantagruélica dos devoradores do dinheiro público para um final feliz, longevo e milionário. E impune.
O mensalão virou sopão comunitário perto do petrolão. Sabe-se lá o que ainda se esconde detrás da Eletrobrás, BNDES e Etceterobrás.
No meio do caminho ainda tropeçamos — e tropeçaremos — em muitas armadilhas. Acompanhamos, apreensivos, a uma sucessão de desilusões com a nossa mais alta corte, o STF, a quem eu devotava tanto respeito quanto ao mesão da Santa Ceia, quando vemos nas sessões solenes tantas contradições, discordâncias, e, pior, manifestações explícitas de vaidade e, como questionado largamente nas redes sociais, partidarismo. Vejo o Supremo como um órgão de suprema sobriedade, o que não se coaduna com frequente exposição a plateias e à imprensa. Difícil entender como os ministros desse órgão, guardião máximo da Constituição Federal, com seus 250 artigos, mais outros 97 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e respaldados pelo seu notório saber doutrinário, divirjam tanto sobre uma mesma bíblia.
A obstinação de um juiz de primeira instância resgatou os brios da Justiça e elevou o seu padrão moral aos olhos do próprio poder público e da sociedade. Se por um lado trouxe resultados práticos, como a prisão dos até então intocáveis “donos da porcada”, por outro instilou ciúmes e inveja naqueles habituados ao confortável processo moroso de trabalho da Justiça.
A indignação e os gritos da sociedade nas ruas mostraram que a tolerância chegou ao limite, exigindo mudanças. E elas vieram. O impeachment da presidente, as tão esperadas sinalizações do novo governo à sociedade e ao mercado sobre a retomada da confiança e do desenvolvimento, a destituição do presidente da Câmara, a cassação de mandato, a demissão de caciques comprometidos com a Justiça e outras medidas saneadoras da moral e de resgate da dignidade impulsionaram o inconsciente coletivo na direção de novos tempos para a nossa jovem democracia. Não há mais volta. A continuidade na apuração e punição dos devedores ao Estado e à sociedade, em todas as dimensões, mostrarão as várias máscaras dos homens públicos que deveremos expurgar da nossa vida. Assim como o caminho está positivamente aberto para a retomada do crescimento da produção, da economia, do país… e do nosso orgulho.
Acredito que a comédia bufa a que vimos assistindo no cenário político nos deixará um legado de aprendizado:
— não acreditar naqueles candidatos que compram acesso às comunidades carentes para prometer a entrada no paraíso
— desconfiar daqueles que se escondem atrás de figurinhas carimbadas da própria política, de artistas e celebridades em seus palanques para canibalizar, como fiadores, a credibilidade que eles próprios não têm
— não dar ouvidos àqueles que prometem “almoço grátis” a públicos vulneráveis e carentes de atenção, como aposentados, taxistas, funcionários públicos, médicos, professores, desempregados etc
— não cair em promessas de campanha daqueles que não têm um comprovado portfólio de contribuições pessoais ou públicas e lastro moral
– não colocar o voto na urna sem antes consultar os sites que mostram os indicativos de performance de cada político
— não se esquecer de repudiar aqueles que compram, vendem ou “troca-trocam” cargos públicos em barganha por apoio político na Câmara, no Senado ou… em dinheiro mesmo
— enfim, não acreditar mais em Papai Noel
As próximas eleições certamente começarão a costurar um novo tecido político. O grande público, que até há um par de anos discutia apenas sobre novela, fofocas de celebridades e futebol, hoje está ligado e formando consciência sobre uma urgente imposição de mudança. As conversas de salão de cabeleireiro, taxistas, radinhos de pilha antes sintonizados em programas evangélicos, funk e axé, hoje dão lugar ao noticiário e à discussão política. Vemos uma elevação da consciência das pessoas para as próximas votações. A grande mudança virá pela depuração dos votos para uma nova política. Já vejo sinais da esperança antes da morte.