Empreendedores ítalo-brasileiros mostram como manter e fortalecer os negócios com criatividade em época de vacas magras no Brasil
Apesar da crise na economia brasileira, muitas empresas ítalo-brasileiras estão conseguindo bons resultados neste ano repleto de turbilhões e incertezas. Premiada nacional e internacionalmente, a Vinícola Aurora é um exemplo de quem sobrevive muito bem à crise — a que vivemos agora e tantas outras que, nos 85 anos da marca, só a fortaleceram.
— Quando existe dedicação e trabalho não tem ano difícil. Não acreditamos em crise. Temos crescido muito no mercado brasileiro e queremos crescer mais; por isso lançamos novos produtos, mudamos nossos rótulos e estamos sempre inovando — comenta o presidente da empresa, Itacir Pedro Pozza.
Fundada por 16 famílias de produtores em 1931, todas de origem italiana (imigrantes oriundos do norte da Itália radicados na cidade de Bento Gonçalves, no final do século XIX), a maior cooperativa vinícola do país conta com 1.100 famílias associadas, que produzem uma safra média anual de 65 mil toneladas de uvas, entre viníferas e de mesa, para a elaboração de 13 marcas e 220 itens do portfólio da vinícola.
Com três produtos lançados este ano (Aurora Millésime Cabernet Sauvignon 2012, Aurora 85 Anos e o espumante Aurora Pinto Bandeira Extra Brut 24 Meses), em comemoração aos seus 85 anos, a empresa segue líder no mercado brasileiro em suco de uva integral, exportando para mais de 20 países, como Reino Unido, Estados Unidos, Bélgica e Alemanha, sem falar na liderança em vinhos brasileiros.
Pioneira no enoturismo organizado da Serra Gaúcha, a vinícola recebe turistas em suas instalações desde o final dos anos 1960. Com receptivo turístico sempre renovado, as visitações e degustações são gratuitas. Há ainda minicursos de vinhos e harmonizações gratuitos abertos ao público. Uma equipe de profissionais especializados no receptivo, incluindo sommeliers, cuida para receber as pessoas de todo o Brasil e do exterior, proporcionando um tour didático pelo mundo do vinho.
— Cada vinho é uma história e uma surpresa — enaltece Pozza, que confessa já estar pensando na comemoração do centenário da empresa.
Para um dos enólogos da Aurora, André Peres Jr, os brasileiros estão aprendendo a consumir vinho.
— Beber vinho é uma questão de hábito. Aos poucos as pessoas estão percebendo que o vinho pode fazer parte do dia a dia delas, e não precisa ser apreciado somente em ocasiões especiais. Além disso, estão aprendendo a valorizar o vinho brasileiro — ressalta Peres Jr.
A Vinícola Aurora fechou 2015 com crescimento de 28% e faturamento de R$ 440 milhões, desempenho considerado espetacular para um ano que se anunciava de crise e estagnação. A meta era de um crescimento de 10% em relação a 2014.
Jantares italianos e acessíveis para grupos fechados em sobrado da Vila Madalena
Uma empresa tradicional como a Vinícola Aurora mantém o otimismo em tempos de crise, mas, e para quem está querendo começar no empreendedorismo, seria uma boa ideia nessa época de ‘vacas magras’? Para uns, pode ser que não, mas para os amigos Flávio Silva, Gustavo Fioratti e Mirko Medri a crise gerou um negócio diferenciado. Os três estão em uma empreitada gastronômica que enaltece a culinária italiana, focando em jantares para poucas pessoas. Essa é a proposta da Casa do Coqueiro, que começou a funcionar no início deste ano no bairro da Vila Madalena, em São Paulo.
Com carreira em Relações Públicas, Flávio Silva abandonou a profissão, morou no exterior e, quando retornou ao Brasil, passou a trabalhar em um empório de cervejas especiais. Foi assim que ele começou sua paixão pelo universo gastronômico. Junto ao jornalista Gustavo Fioratti, alugou um sobrado em um dos bairros mais descolados da capital paulista com o objetivo de realizar no espaço eventos intimistas.
Flávio e Gustavo moram na parte superior do sobrado e transformaram o andar debaixo da casa em um ambiente descontraído, onde, em um dia da semana, é realizado jantar totalmente inspirado na gastronomia do Belpaese. Não por acaso a noite à italiana se chama Mercoledì, pois acontece às quartas-feiras, a cada 15 dias, e com número limitado de até 15 pessoas. Por conta da informalidade do ambiente, os preços do cardápio e das bebidas são mais acessíveis, o que acaba sendo bastante favorável em época de crise. Ou seja: a Casa do Coqueiro é o tipo de negócio que mostra que é possível comer bem sem gastar muito.
Para comandar o cardápio e a cozinha, o italiano Mirko Medri faz pratos inspirados em sua cidade natal, Bolonha. O menu inclui entrada e prato principal com preço fixo. Há também sobremesa, opções de vinhos, cervejas e cachaças para acompanhar.
Os jantares preparados por Mirko fazem tanto sucesso que já foram realizados em outros dias da semana graças ao boca a boca dos clientes, que ficam encantados não só pela comida, como também pelo clima caseiro e informal. Focaccias, risotos e até mesmo um sorvete com cachaça estão entre as variadas atrações servidas na Casa do Coqueiro.
— Tento unir alguns pratos tradicionais da Itália com ingredientes brasileiros, e as pessoas gostam muito — revela o chef.
Com a grande procura pelos jantares, os sócios criaram outros eventos, como happy hour, lançamentos de livros e até apresentações musicais, todos divulgados na página oficial da casa no Facebook (@casadocoqueiro).
— Começamos convidando os amigos, que convidavam outros amigos. Hoje recebemos muitos pedidos de reserva — comemora Flávio Silva.
Agência de viagem congela o dólar e negocia com hotéis italianos para manter clientes
Com o aumento do dólar, viajar para o exterior pode parecer um sonho distante. Não para o italiano Giorgio Mancini, que vive no Brasil há 30 anos, e este ano completa duas décadas à frente de sua agência de turismo, a Viaggio Tutti, especializada em viagens para o país da bota.
Com a ajuda da filha caçula, Giovanna, formada em marketing, Mancini apostou em pacotes com preços congelados do dólar e tem conseguido manter seus clientes.
— Dizer que esse é um bom ano não é verdade. Até 2013 fechávamos cerca de 50 pacotes por mês e até o dobro na época do verão europeu. Esse número foi caindo a partir do segundo semestre de 2014 e piorou ano passado. Em janeiro, resolvemos adotar a estratégia do dólar congelado. Em um ano de tantas incertezas, tivemos que negociar com amigos italianos os hotéis para hospedagem e a forma de pagar os guias turísticos. Assim, conseguimos manter um preço razoável para nossos clientes —explica.
Para Giovanna Mancini, a manutenção do negócio da família tinha um único caminho: mudar a estratégia de pacotes de viagem.
— Criamos pacotes com viagens mais econômicas, com menor tempo de permanência nos lugares, e até mesmo com menos cidades envolvidas. Se antes tínhamos pacotes de 30 dias de viagem com sete a oito cidades, agora temos de uma semana com apenas uma ou duas. A pessoa que quer mesmo viajar vai nem que seja para ficar pouco tempo. Porque o grande prazer é conhecer um lugar novo, e a Itália é um dos países mais procurados pelos brasileiros — informa Giovanna, acrescentando que, para se adaptar à nova realidade, a empresa também precisou fazer concessões.
— Mudamos para um escritório menor. Estamos reformulando nosso site e investindo em melhorar nossa divulgação nas redes sociais. São novos tempos, e não podemos nos deixar abater pela crise.
De acordo com o economista André Luís Pinheiro, os italianos que vivem no Brasil aprenderam o melhor do ‘jeitinho brasileiro’.
— Sem dúvida que, para quem vem da Itália, ver um país tão próspero como o Brasil passar por um momento político e econômico delicado pode ser desanimador. Mas o povo brasileiro já esteve em tantas situações complicadas e sempre é capaz de se reinventar. Essa é a principal dica para qualquer empresa nesse momento de crise: pensar de forma diferente, enxergar por outro ângulo, apostar em novas propostas para o seu negócio. A crise vai passar e aqueles que souberem lidar com ela sairão fortalecidos —conclui o economista.