Antes de assumir o comando da sede diplomática brasileira em Roma, o carioca Ricardo Neiva Tavares, de 57 anos, foi chefe da missão do Brasil junto à União Europeia durante cinco anos, cargo que exerceu em Bruxelas. Nos anos 1990, foi conselheiro da Missão do Brasil junto à ONU, em Nova York. Com essa bagagem, Tavares estará à frente da Embaixada durante a tão esperada Expo 2015, na qual o Pavilhão brasileiro será um dos maiores do evento em Milão, com quatro mil metros quadrados de área. O diplomata afirma que a participação vai “projetar a imagem de um Brasil moderno e em transformação, que hoje se afirma como referência mundial nas áreas de combate à fome e à pobreza”, e que o “país apresentará ao mundo suas inovações sustentáveis, o potencial das energias renováveis, novas tecnologias agrícolas, suas políticas de inclusão social e os esforços direcionados à preservação do meio ambiente”. O embaixador destaca o incremento das relações comerciais entre os dois países nos últimos anos e adianta eventos que serão realizados em 2015, como a celebração dos 70 anos da liberação da Itália, com a presença de autoridades e veteranos brasileiros. A sede diplomática, cuja beleza e riqueza histórica do Palazzo Pamphilj ele faz questão de ressaltar nesta entrevista, está trabalhando para promover a “marca Brasil” e divulgar produtos nacionais junto aos empresários italianos através de eventos e do portal Brasil Export.
ComunitàItaliana – Como o senhor avalia a situação atual das relações entre o Brasil e a Itália e as perspectivas para os próximos anos?
Ricardo Neiva Tavares – As relações entre o Brasil e a Itália vêm se intensificando de forma significativa nos últimos anos. Na área do comércio, o fluxo bilateral cresceu 38% entre 2007 e 2012. Atingimos a cifra de 8,7 bilhões de dólares nos primeiros dez meses de 2014, apesar da grave crise que vem abalando a economia global. Importante ponto de inflexão nas relações bilaterais foi a assinatura da Parceria Estratégica Brasil-Itália, em 2010, cujo Plano de Ação contempla, entre outras, as áreas comercial, judiciária, cultural, esportiva, científica, de defesa e de cooperação técnica. O acompanhamento das iniciativas cabe ao Conselho Brasil-Itália de Cooperação Econômica, Industrial, Financeira e para o Desenvolvimento, com a participação não apenas de agentes governamentais, mas também de representantes dos campos econômico-empresariais. Por diversas razões, o Conselho não se reuniu durante quatro anos, voltando a encontrar-se em outubro de 2013, após minha chegada a Roma. A reunião ensejou a realização do primeiro encontro da Comissão Mista de Ciência, Tecnologia e Inovação, de mesa-redonda sobre o Programa Ciência sem Fronteiras na Itália e de encontro empresarial, onde foram debatidos temas como inovação em pequenas e médias empresas e interação com parques tecnológicos, programas de mobilidade acadêmica para a inovação, cooperação na área de previdência social e o reconhecimento recíproco de carteiras de motorista. Brasil e Itália convergem a respeito de múltiplos temas da agenda internacional, embora algumas vezes sob perspectivas distintas. A manutenção da paz e da segurança internacionais, o respeito aos direitos humanos, o desenvolvimento sustentável, o desarmamento e a não proliferação e a promoção do desenvolvimento com justiça social constituem princípios comuns de nossas políticas externas. Em 2014, celebramos os 70 anos da chegada da Força Expedicionária Brasileira à Itália, onde lutaram, ao lado da Resistência italiana, pela liberação do nazifascimo. Em 2015, celebraremos os 70 anos da liberação da Itália, com a presença de autoridades e de veteranos brasileiros. As importantes relações seriam impensáveis sem se levar em conta os laços humanos que, historicamente, os unem. Se por um lado temos significativa comunidade brasileira na Itália, por outro, estima-se que haja no Brasil cerca de 30 milhões de descendentes de italianos, a maior comunidade do mundo. Esses ítalo-brasileiros constituem uma grande riqueza. Contribuíram para a construção da identidade brasileira e são a garantia de que nossos laços serão sempre muito sólidos e fraternos.
CI – O senhor poderia citar alguns dos programas de cooperação em andamento?
Neiva Tavares – Nos últimos anos, a cooperação técnica tem mudado de perfil, passando da tradicional cooperação bilateral para modalidades alternativas, como a cooperação trilateral, em que ambos somam recursos e experiências para cooperar com terceiros países, e a cooperação descentralizada, realizada pelas regiões, províncias e comunas italianas com suas contrapartes brasileiras. A cooperação com terceiros países é muito promissora. Um exemplo é o programa Amazônia sem Fogo, para a prevenção e o controle de incêndios em países da região amazônica e que, em um primeiro momento, deverá desenvolver-se no Equador e na Bolívia. Inicialmente um programa de cooperação bilateral que atingiu importantes resultados no Brasil, sua extensão para outros países da região tem ocorrido por meio da cooperação triangular. Outro importante exemplo é o programa Requalificação do Bairro Chamanculo C, em Maputo, desenvolvido por Brasil e Itália junto com o governo de Moçambique. No que se refere à cooperação descentralizada, destaca-se o Brasil Próximo, que reúne, pelo lado italiano, cinco regiões e, pelo lado brasileiro, governos estaduais e municipais. O relacionamento entre o Brasil e a Itália é marcado por iniciativas bilaterais no setor de defesa e aeroespacial, com destaque para o exitoso programa do caça-bombardeiro AMX, aeronave desenvolvida conjuntamente na década de 1980 pelas indústrias italiana e brasileira. A transferência de tecnologia foi fundamental para a Embraer, tendo-lhe permitido desenvolver sua primeira família de jatos civis. Dando seguimento a essa parceria, firmei, em setembro, com o chefe do Estado-Maior da Aeronáutica Militar italiana, o general de esquadra Pasquale Preziosa, o Ajuste Complementar Técnico ao Acordo entre o Brasil e a Itália sobre Cooperação em Matéria de Defesa. Espera-se que inaugure uma nova fase no setor, durante a qual poderão desenvolver-se parcerias em áreas como sistemas de satélites para observação, controle e comunicações, assim como veículos aéreos não tripulados.
CI – O Brasil é um dos parceiros comerciais prioritários para a Itália. E a Itália, desperta o mesmo interesse no Brasil?
Neiva Tavares – O Brasil é um dos principais destinos dos produtos made in Italy no mundo. No entanto, a Itália ainda é um mercado pouco explorado pelos empresários brasileiros. Em 2014 continuou entre os 10 principais parceiros comerciais do Brasil. O início do processo de recuperação da economia italiana e o bom desempenho das commodities brasileiras sinalizaram uma tendência de crescimento da corrente de comércio e de redução do déficit comercial brasileiro, que persiste desde 2009. A relativa falta de diversificação da pauta exportadora brasileira e as limitações impostas pela crise italiana criaram, porém, novos desafios que exigem ações cada vez mais efetivas para a promoção dos produtos do Brasil na Itália. O Setor de Promoção Comercial da Embaixada em Roma tem trabalhado várias atividades que vão do estabelecimento de contatos entre empresas dos dois países e da divulgação do portal Brasil Export, a eventos específicos como os realizados para a divulgação de produtos nacionais. O setor está à disposição para orientar os empresários brasileiros e estabelecer parcerias em prol da promoção da “marca Brasil”, visto que ainda há muito desconhecimento na Itália sobre a qualidade dos produtos brasileiros.
CI – O longo período de crise pelo qual passa a Itália poderia ser interpretado como um momento de oportunidades. A Embaixada recebe consultas de empresas brasileiras que buscam se internacionalizar?
Neiva Tavares – O número de empresas brasileiras presentes na Itália ainda é muito reduzido. As empresas que procuram informações junto ao Setor de Promoção Comercial estão em busca, sobretudo, de apoio para identificar projetos de interesse comum, como a formação de joint venture. Os investimentos brasileiros na Itália ainda são pequenos, embora tenham aumentado junto aos demais países europeus. Existe, porém, potencial de crescimento, tendo em vista as oportunidades existentes não apenas no mercado local, mas também no comunitário.
CI – Quais os setores da economia brasileira que despertam maior interesse de investidores italianos?
Neiva Tavares – São diversos setores, em especial os ligados à infraestrutura, meio ambiente e máquinas e equipamentos industriais. As empresas são atraídas pela construção civil, principalmente no que diz respeito à construção de casas populares e grandes obras, como portos e aeroportos; energias renováveis, fotovoltaica e eólica; tratamento de lixo urbano; água, incluindo geração e transmissão de energia elétrica; petróleo e gás. Outro setor que se destaca é o de máquinas e equipamentos para a indústria alimentícia, agricultura e embalagem, em razão da alta qualidade do setor de máquinas e equipamentos e o processo de investimento das empresas brasileiras em inovação para o crescimento da produtividade.
CI – Quais são as áreas de maior interesse dos estudantes brasileiros do programa Ciência Sem Fronteiras na Itália?
Neiva Tavares – A Itália é um dos principais países participantes do programa e já recebeu mais de 3.300 bolsistas, dos quais cerca de 1.200 estão aqui no momento. Há bolsistas de todas as áreas, mas os estudantes tendem a procurar as universidades italianas com maior tradição em seus cursos. Por exemplo, a Universidade de Florença costuma atrair mais estudantes de Arquitetura, enquanto a Universidade de Pádua recebe muitos de Medicina. Em 2011, a rede CsF Itália era composta por 11 universidades; a partir do próximo ano letivo, 25 instituições estarão participando. Nos encontros com os bolsistas em diversas cidades italianas, são esclarecidas dúvidas e colhidas sugestões que, quando é o caso, são encaminhadas à Capes, do Ministério da Educação. Os estudantes demonstram grande satisfação pela participação no CsF, que também financia a realização de projetos de pesquisa. Cerca de 100 pesquisadores italianos já foram selecionados para o desenvolvimento de projetos no Brasil, em parceria com doutorandos brasileiros.
CI – Além da experiência acadêmica, os estudantes brasileiros realizam atividades paralelas, como estágios em empresas italianas?
Neiva Tavares – O Programa aumenta as chances de inserção no mercado de trabalho após a volta ao Brasil, já que, na Itália, os estudantes são incentivados a realizar estágios em empresas ou centros de pesquisa. Desde o início, tem sido divulgado junto ao setor privado italiano, em complementação às parcerias que as universidades aqui já mantêm com as empresas. Há casos de instituições de ensino superior que têm centros de pesquisa e inovação de grandes empresas, o que facilita ainda mais a realização de estágios. Vale lembrar que estão instaladas no Brasil mais de 1.200 empresas italianas. Temos estabelecido parcerias com muitas delas. A Telecom Italia/Tim oferece, a cada semestre, 50 vagas de estágio em seus centros de pesquisa. Há casos de ex-bolsistas que estagiaram na empresa quando estavam na Itália e, depois, ao final da graduação, foram por ela contratados no Brasil. Também há casos de bolsistas que prestam apoio a empresas italianas que querem se estabelecer no Brasil.
CI – O senhor acredita que o interesse pelo aprendizado da língua portuguesa aumentou entre os italianos?
Neiva Tavares – A projeção internacional do Brasil, aliada ao crescimento econômico nos últimos anos, fez crescer a demanda pelo ensino do português. Além do tradicional interesse pela cultura brasileira, atualmente os italianos identificam no português uma ferramenta profissional, em vista das oportunidades que surgem no mercado brasileiro. A quantidade de alunos que buscam o Centro Cultural Brasil-Itália (CCBI), localizado na Embaixada, é maior do que o número de vagas oferecidas. No atual semestre letivo, inscreveram-se cerca de 300 estudantes, dentre os quais alguns funcionários do Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação Internacional da Itália, com o qual a Embaixada mantém acordo. Em 2013, as salas de aula foram equipadas com computador, projetor, home theater e conexão à internet, o que possibilitou melhora qualitativa e maior inovação nas aulas ministradas por nossos oito professores. Paralelamente, o CCBI realiza palestras, encontros com escritores, seminários e cursos que atraem tanto o público italiano quanto a comunidade brasileira.
CI – Tendo em vista o grande interesse dos italianos pela cultura, o que a Embaixada vem fazendo para aproximar os dois países nessa área?
Neiva Tavares – O Setor Cultural da Embaixada possui intenso e variado programa de eventos para a difusão da cultura brasileira na Itália. Nos últimos anos, foram realizadas na Embaixada mostras de arte contemporânea brasileira, com artistas renomados como Vik Muniz, os irmãos Campana e Ernesto Neto. Somente a mostra de Ernesto Neto, realizada em meados do ano passado, recebeu mais de cinco mil visitantes. Em setembro de 2013, organizamos o Festival Brasil em parceria com o Auditório Parco della Musica. Durante uma semana, 10 mil pessoas participaram das atividades, que incluíram shows de MPB com nomes como Toquinho, Yamandu Costa, Zeca Baleiro e Adriana Calcanhotto, concertos de música erudita brasileira, seminários sobre literatura e gastronomia, mostras de fotografia e artes plásticas, e exibições de filmes. Em 2014, destacaram-se a mostra do fotógrafo italiano Massimo Listri sobre o Brasil, na Galeria Cândido Portinari; a apresentação do Grupo de Rua, do coreógrafo Bruno Beltrão, no Festival Internacional de Verão de Villa Adriana; os recitais dos jovens e talentosos pianistas Aleyson Scopel e Pablo Rossi, bem como as apresentações de Caetano Veloso e Gilberto Gil em Roma, que contaram com o apoio da Embaixada. Agora, em dezembro, estamos organizando na Sala Palestrina do Palácio concerto de música barroca com o cravista brasileiro Alessandro Santoro e a flautista Livia Lanfranchi.
CI – A visibilidade internacional que o Brasil obteve durante a Copa do Mundo influenciou o conhecimento do país por parte dos italianos?
Neiva Tavares – Nos últimos meses de 2013 e no primeiro semestre deste ano, o Setor de Turismo atendeu inúmeras consultas de jornalistas italianos sobre as 12 cidades-sede dos jogos e demais destinos turísticos. Também foram realizados encontros com jornalistas e produtores de programas de televisão antes da partida deles para o Brasil. Uma vez em solo brasileiro, receberam, com a nossa ajuda, o apoio das Secretarias estaduais de Turismo. Eu próprio concedi entrevistas à imprensa italiana e participei de iniciativas de divulgação. A Itália é considerada um mercado da mais alta prioridade para o Brasil e representa o sexto maior emissor de turistas e o segundo na Europa para o nosso país. Mais de 20 mil italianos visitaram o Brasil durante a Copa. Não poderia deixar de citar o evento “Il Brasile ti chiama”, realizado em outubro, na Embaixada, em parceria com a Embratur. A repercussão e o grande sucesso dessa iniciativa superaram as nossas expectativas e comprovaram que o formato ousado, com minifeira de turismo e 20 conferências sobre temas transversais, agradou muito. Em apenas dois dias, tivemos a presença de cerca de quatro mil pessoas, entre operadores, imprensa, formadores de opinião e público final. E, com a finalidade de conhecer a imagem do Brasil do ponto de vista dos italianos, estamos realizando uma pesquisa em parceria com a UERJ. Os resultados serão divulgados na Expo de Milão e poderão servir na elaboração de estratégias de fortalecimento da “marca Brasil” na Itália.
CI – Como será a participação brasileira durante a Expo 2015, em Milão?
Neiva Tavares – Com o tema ‘Alimentando o mundo com soluções’, o Brasil pretende ter participação de destaque no evento. Além de projetar a imagem de um Brasil moderno e em transformação, que hoje se afirma como referência mundial nas áreas de combate à fome e à pobreza, o país apresentará ao mundo suas inovações sustentáveis, o potencial das energias renováveis, novas tecnologias agrícolas, suas políticas de inclusão social e os esforços direcionados à preservação do meio ambiente. No início de 2014, foi criada a Comissão Interministerial (CI-Expo 2015), composta por 14 Ministérios e pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (APEX-Brasil), a responsável pela execução das ações brasileiras para a Expo. O Pavilhão do Brasil será um dos maiores e ficará localizado próximo aos clusters do arroz, cacau, café, frutas e legumes, por onde chegará mais de 65% do público. Durante os seis meses do evento, o país realizará atividades de promoção comercial, atração de investimentos, promoção turística, divulgação de inovações tecnológicas e apresentação de suas melhores práticas relacionadas ao tema da Expo, além de intensa agenda cultural. Em paralelo, o governo brasileiro promoverá ou apoiará ações fora da Expo, como as atividades dedicadas ao Brasil em abril, em parceria com a Prefeitura de Roma, no Complexo do Museu Vitoriano, na Piazza Venezia, parada obrigatória para milhões de turistas que visitam a capital italiana.
CI – A Embaixada do Brasil na Itália possui uma das sedes mais prestigiosas da diplomacia brasileira no mundo, em um dos palácios históricos da cidade de Roma. De que forma é utilizada como instrumento diplomático?
Neiva Tavares – De fato, trata-se de um dos mais valiosos ativos do Estado brasileiro no exterior, que constitui, acima de tudo, importante instrumento de política externa para a promoção dos interesses do Brasil na Itália. Temos hoje uma das mais importantes representações estrangeiras em Roma, graças aos esforços do então embaixador Hugo Gouthier para que o governo brasileiro pudesse adquirir o imóvel em 1960. O Palácio abriga também o Consulado-Geral em Roma e a Representação brasileira junto à FAO. Funcionam no local a Galeria Cândido Portinari, a Biblioteca Tullio Ascarelli e o Centro Cultural Brasil-Itália. Além de concertos e mostras, abriga seminários, reuniões e conferências que visam à promoção dos interesses e da imagem do Brasil na Itália. Em maio, participamos das iniciativas Cortili Aperti, com a abertura extraordinária do pátio central ao público, e Notte dei Musei, quando, em uma única noite, 2.600 pessoas puderam visitar o Palácio e receber material de divulgação sobre o Brasil. Três vezes por semana, o Palácio Pamphilj está aberto a visitas guiadas gratuitas em português e em italiano. As inscrições são feitas no site www.roma.itamaraty.gov.br.