Comunità Italiana

Eventos homenageiam Leonardo da Vinci em São Paulo

Mostra no Instituto Italiano de Cultura procura recriar a atmosfera da época do gênio renascentista com instalações digitais multimídia

O Instituto Italiano de Cultura (IIC) de São Paulo realiza uma série de eventos artísticos e científicos que começam com a instalação multimídia Decifrando da Vinci, do artista italiano Cesare Pergola. Modelos luminosos tridimensionais, criados a partir de desenhos originais feitos por Da Vinci para a Batalha de Anghiari e a representação do Dilúvio, foram projetados na fachada do prédio do IIC.

A programação para celebrar os 500 anos da morte do gênio começou no dia 15 de abril, data de aniversário do homenageado. A agenda segue até o final do ano com uma programação que entrou para o calendário cultural da capital paulista.

A abertura das comemorações contou com um recital de música renascentista e conferência “Leonardo e a arte do desenho”, com os professores André Tavares Pereira, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e Luciano Migliaccio da Universidade de São Paulo (USP).

O diretor do IIC de São Paulo, Michele Gialdroni, afirma que o objetivo é recriar a atmosfera da época e que, ao longo do ano, serão promovidas outras atividades para aprofundar o conhecimento sobre o artista e sua obra.


Diretor do Instituto Italiano de Cultura de São Paulo Michele Gialdroni. Foto: Claudio Cammarota

O curador da mostra Decifrando da Vincie professor Luciano Migliaccio relata à Comunità as contribuições e contradições de Leonardo da Vinci ao mundo das artes e da ciência. Formado pela Scuola Normale di Pisa, Migliaccio é especialista em Renascimento Italiano e Arte Europeia dos séculos XIV, XV e XVI. Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, vive no Brasil desde 1996.

Comunità Italiana — Qual é a programação da mostra Decifrando da Vinci?

Luciano Migliaccio — A programação tem o objetivo de proporcionar ao público brasileiro um panorama dos múltiplos aspectos da atividade de Leonardo da Vinci na arte, na literatura, nas ciências naturais, na anatomia e na engenharia. Os eventos começaram no dia 15 de abril, com a instalação digital multimídia que representa para A Batalha de Anghiari e a representação do Dilúvio, e seguem até o final do ano. Inspirada nos cadernos de anotação deixados pelo artista, a instalação mostrou ao público a gênese de obras que existiram apenas na imaginação desafiadora do mestre. A projeção de luminosos foi acompanhada por comentários na voz do ator Alvise Camozzi que reproduziam as palavras do próprio pintor. A animação, projetada na fachada do edifício iluminado, buscou decifrar para o público os intrincados percursos da fantasia de Da Vinci.

CI No acervo que deixou ele está mais representado como artista ou como cientista?

LM — Da Vinci deixou mais de mil cadernos repletos de anotações e desenhos sobre os mais variados campos do conhecimento, resultado de uma atividade de observação e de uma curiosidade intelectual incansáveis. Para ele, o desenho era um instrumento único de conhecimento da realidade, de análise científica e de projeto.

CI Em qual área ele foi mais pródigo?

LM — É muito difícil avaliar em qual área científica ou artística o legado de Leonardo da Vinci teria sido mais significativo. Para ele, o desenho é uma coisa mental, isto é, uma forma de pensamento, ou de conhecimento, capaz de representar uma forma de tradução gráfica da experiência visual.

CI Quais foram as suas principais contribuições para a ciência?

LM — Antes de tudo, foi a sua contribuição metodológica. Leonardo baseou a sua atividade científica na observação e na experiência direta, sendo um dos precursores do método científico atual. Muitas vezes, em seus escritos, exaltava o conhecimento empírico e o conhecimento visual como forma mais elevada e exata do conhecimento empírico. Ele tentava o tempo todo criar instrumentos para validar o desenho como meio de investigação e conhecimento, bem como demonstrar sua capacidade de contribuir para a ciência com a mesma eficácia da palavra. No seu tempo, o método científico era muito diferente. Era fundado, antes de tudo, na autoridade dos textos da antiguidade greco-romana e da tradição criada pelos comentaristas.

Além do método, Leonardo deu contribuições bastante relevantes para a anatomia humana e animal, a geologia, a física, em particular a ótica, e a engenharia mecânica e hidráulica. 

Luminosos de Cesare Pergola em 3D reconstituem o afresco “A Batalha de Anghiari” de Leonardo da Vinci

CI Qual invenção científica o senhor destacaria?

LM — No imaginário atual, Leonardo da Vinci é visto, sobretudo, como um inventor extraordinário que antecipou muitas das criações da tecnologia moderna, como o helicóptero, o submarino, o avião, a bicicleta. O filme italiano Non ci resta che piangere (Só nos resta chorar) traz uma passagem interessante sobre esse espírito de inventor do artista. Os personagens, interpretados pelos atores Massimo Troisi e Roberto Benigni, voltam a Florença na época renascentista. O intuito é encontrá-lo para pedir que ele invente o trem a vapor e outras comodidades da vida de hoje. Naturalmente, o gênio não entende nada e os dois desesperados acabam por desistir. O mais admirável nas invenções de Leonardo é que, na sua maioria, são crias maravilhosas de uma imaginação inesgotável e visionária. Graças ao desenho, ele conseguia conceber objetos e máquinas, realizando o sonho da humanidade de possuir os atributos de todos os seres vivos, como os pássaros, os peixes, os insetos, e assim dominar a natureza. Ele não se contentava com a fantasia. Buscava sempre demonstrar a possibilidade prática de resolver os desafios criados pelo seu próprio engenho. Neste esforço e nesta atitude talvez esteja o verdadeiro legado de Leonardo inventor.

CI Qual foi a sua contribuição para o movimento renascentista?

LM — Leonardo contribuiu de forma decisiva para muitas das temáticas colocadas em pauta pela prática e pela teoria artística da sua época. Foi um dos estudiosos mais importantes da perspectiva e da representação do movimento e da anatomia humana. Aprofundou o estudo das relações entre a pintura, a escultura, a música e a palavra, podendo ser considerado uma personalidade decisiva para o surgimento da moderna teoria e crítica das artes plásticas. Todos os artistas contemporâneos e posteriores devem às suas reflexões e provocações elementos importantes das suas poéticas, mesmo quando de forma antagônica, como Michelangelo.


Luminosos de Cesare Pergola em 3D reconstituem o afresco “A Batalha de Anghiari” de Leonardo da Vinci

CI Qual o circuito de museus o senhor recomenda para quem tem interesse em conhecer as suas obras mais relevantes?

LM — As obras mais relevantes do seu primeiro período podem ser vistas na Galleria degli Uffizi em Florença. Em particular, o Batismo de Cristo, de Andrea Verrocchio. Ainda jovem, Leonardo pintou a figura de um anjo que impressionou o mestre, a Anunciação, e o cartão para a inacabada Adoração dos Reis Magos. Ele morreu na França, hóspede do rei Francisco I, que recebeu algumas das obras que ficaram no seu ateliê. Por isso, outra etapa fundamental é o Museu do Louvre, onde se encontram a Mona Lisa, A Sant’ana com a Virgem e o Menino, o São João Batista, e o belíssimo retrato feminino conhecido como La Belle Ferronnière, a primeira versão da Virgem dos Rochedos.  Milão também não pode faltar. A Última Ceia, na igreja de Santa Maria delle Grazie, é um momento imprescindível da produção de Leonardo. No Castelo Sforzesco, sede da corte de Ludovico Sforza o Mouro, é possível ver hoje, depois de longos restauros, a chamada Sala delle Asse, vestígio da mais importante decoração arquitetônica realizada pelo mestre. E, finalmente, temos a segunda versão da Virgem dos Rochedos e o extraordinário desenho da Sant’ana, que se encontram na National Gallery de Londres, além das coleções reais britânicas que conservam muitos desenhos importantes de Leonardo da Vinci.