Comunità Italiana

Exército nas ruas contra a criminalidade

Após reunião entre o prefeito da capital lombarda e o ministro do Interior, fica acertado o envio de 150 militares à cidade, confirmando que a polícia, sozinha, não consegue dar conta do recado

Os militares do Exército desembarcam nas ruas de Milão para conter a violência urbana. A bem da verdade, eles já estão presentes em objetivos sensíveis por conta da constante ameaça do terrorismo, tais como a catedral do Duomo, a estação de trens Centrale e algumas ruas do centro da cidade, além de endereços diplomáticos e institucionais. Desta vez, os soldados estão sendo empregados na luta contra a criminalidade comum. A gota d’água foi o tiroteio seguido de uma execução pública em pleno Piazzale Loreto, a histórico praça onde os corpos de Benito Mussolini e Claretta Petacci foram pendurados em 29 de abril de 1945.
A questão da segurança pública nunca foi o ponto central da campanha política do prefeito recém-eleito Giuseppe Sala, o homem da Expo 2015. Mas o problema existe e começa a ser combatido com todas as armas possíveis, sem deixar de lado o fator de inclusão social, importante, já que boa parte dos crimes ocorre na periferia milanesa. Os dados mais recentes do Istat são relativos ao ano de 2014. Milão aparece em segundo lugar, com 1,3 homicídios dolosos a cada cem mil habitantes, atrás apenas de Nápoles, com 1,9, e à frente de Roma (1,2), Turim (1,1) e Palermo (1). De todo modo, são dados muito inferiores às principais capitais brasileiras, como Porto Alegre (19,7), Rio de Janeiro (9,7) e São Paulo (4,4) — índices registrados apenas no primeiro semestre de 2016, segundo informações das secretarias de segurança de cada cidade. Difícil comparar os diferentes graus de violência que existem entre o Brasil e a Itália, mas o chamado às Forças Armadas italianas deixa claro que a polícia, sozinha, não consegue dar conta do recado.
O prefeito Giuseppe Sala reuniu-se com o ministro do Interior, Angelino Alfano, para discutir a estratégia de uso dos militares no combate à violência urbana. Ficou acertado o envio de 150 homens que somam-se aos já 400 espalhados pelo território. Assim, liberam-se os policiais para cobrir determinados espaços que antes estavam abandonados e à disposição de gangues rivais.
— Quando me tornei ministro deste governo, em 2013, os militares, em Milão, eram pouco mais de 400. Hoje, somam 650 e, em acordo com o prefeito Giuseppe Sala, iremos dobrar para 800. Com o fim do Jubileu, em Roma, iremos redistribuir os militares que estavam servindo ali. E aproveito para dar outra notícia que, com a queda prevista dos desembarques de clandestinos, neste fim de ano, Milão não vai mais receber nenhum refugiado, pois está completa. Se não tivermos outras emergências, a cidade ficará de fora, pois já fez a sua parte — afirmou ele, um dia depois da briga, a golpes de facas e gargalos de garrafas, entre quadrilhas de filipinos, aos pés do Pirellone, sede do governo da Lombardia.

A periferia invadiu os bairros outrora nobres
O alerta ao terrorismo é sempre constante, mas o problema maior e a curto prazo são as quadrilhas latino-americanas que fazem a guerra entre si. Peruanos, salvadorenhos, dominicanos e equatorianos dividem as ruas da cidade em territórios, desenham fronteiras invisíveis aos olhos do cidadão comum, traçam e alimentam uma nova geografia da violência urbana. Isso para não falar da infiltração mafiosa e de bandos de albaneses, marroquinos, senegaleses e egípcios. A emergência não conhece somente uma única bandeira. Trinatarios, Mara salvatrucha e Barrio18 são alguns dos nomes dos grupos rivais pronunciados entre os dentes pelos habitantes de Via Padova, a rua mais multicultural de Milão. Esta língua de asfalto, longa quatro quilômetros, representa uma espécie de falha sistêmica de uma zona que foi perdendo o seu brilho com o passar dos anos. Até a década de 80/90, a área era considerada uma das mais prestigiosas da cidade. Aos poucos, a beleza e a calma deste tradicional lugar foram cedendo espaço para a prostituição e o tráfico de drogas e, no rastro, os roubos e os assaltos.
O epicentro desta degradação anunciada tem como uma das causas o terreno fértil no qual crescem a desintegração social, provocada pela absoluta falta de regras, e a pobreza que se espalha a partir da periferia e chega a lamber a margem do rico centro da cidade. Neste caso, o termo periferia deve ser alargado, pois até mesmo na parte histórica milanesa o problema ocorre e ali ele é tratado como questão de periferia central. Pode parecer um paradoxo o termo periferia central, mas é o conceito de periferia que invade e contamina os bairros nobres. É curioso, mas a torre de Babel de Via Padova, com seus habitantes originários de cerca de 50 países, é mais tranquila depois do viaduto ferroviário, ou seja, dali em direção ao centro é uma terra de ninguém e sem lei.

Professores criticam a força como solução para todos os males
A ideia de fundo é investir mais em prevenção e menos em medicação, por assim dizer. E surge uma proposta ainda mais inovadora: as rondas deverão ser feitas com patrulhas misturadas, com um militar e um policial, por exemplo. Mas somente a restauração da ordem não resolve uma questão mais profunda: aquela da falta de perspectiva, da ausência de dignidade de quem imigra e vive em condições sub-humanas, com até 15 pessoas vivendo amontoadas em minúsculos apartamentos.
O reforço militar vai durar três meses. O resultado vai ser reavaliado após o período do carnaval. Pelo sim, pelo não, os professores da escola pública para imigrantes de Villa Pallavicini, localizada no final de via Padova, publicaram uma carta aberta ao prefeito Giuseppe Sala. Nela, os professores e voluntários afirmam que a força não vai acabar com o problema e criticam a intervenção do exército “como panaceia para todos os males”. Além disso, “Milão, segundo os dados, é uma das cidades mais seguras da Europa. O que não cai é a degradação geral e o abandono que atinge as nossas periferias, onde pouco ou nada foi feito nestes anos e, onde, inexplicavelmente, deixou-se prosperar e radicalizar situações de ilegalidade. Comecemos por manter a rua mais limpa e instalar placas com diversos idiomas, promover iniciativas culturais com a participação dos cidadãos, potenciando locais onde a integração é um fato concreto”, prossegue o documento.
Milão não é o Rio de Janeiro, mas qualquer semelhança com as políticas de combate à violência nem sempre pode ser mera coincidência, e sim fruto de uma visão universal e obtusa, seja no hemisfério norte, seja abaixo da Linha do Equador, principalmente em realidades de origem latina.