O italiano suporta tudo, menos a falta de uma boa mesa, no sentido gastronômico, e nem tanto no design, que fique bem entendido. Por isso, com crise ou sem crise (que não é o caso, ao contrário), ele direcionou as poucas economias para realização de uma farta ceia de Natal. No lugar de roupas e sapatos embrulhados sob a árvore — enfeitada com bolas e estrelas — os italianos optaram por rechear a mesa com alimentos de primeira qualidade. Lojas vazias (e muitas fechadas para sempre) e barraquinhas de produtos típicos cheias foram vistas na véspera, no dia e depois do Natal. Todos à espera das liquidações de janeiro, já no finalzinho de dezembro. Uma pequena revolução do calendário gregoriano em nome daquele outro, o dos comerciantes.
Nos mercados populares armados nas praças centrais das cidades, o movimento era grande. Uma infinidade de tipos diferentes de queijos, salames, presuntos e vinhos (pouco champanhe francês e muito espumante, as bollicine para valorizar o genérico local), carnes de caças, como o faisão e, mais à frente, na virada do ano, o famoso cotechino com lentilhas e purê de batatas. Mesa farta para atrair bons fluidos para 2014. Em outras palavras: a cesta de presentes de Natal se transformou numa cesta básica de alto nível, na melhor tradição italiana.
Outro fator que alterou para baixo a expectativa das vendas foi a diminuição da presença dos turistas, principalmente russos, além da chuva incessante que marcou o período. É difícil para uma Milão combalida pela crise competir com metrópoles como Londres, Nova York e Paris, reluzentes e cheias de atrações diárias e, mais do que nunca, noturnas. Apagada e empobrecida, a decoração e a programação milanesas não atraíram as carteiras internacionais mais importantes. Na galeria Vittorio Emanuele, os estrangeiros respondem por 75% das vendas. A ausência dos turistas chegou a oscilar entre 20 e 40% nos últimos dois meses, comparado com o mesmo período anterior. Até os lojistas do quadrilátero da moda sentiram o tranco, ainda mais com o limite de mil euros para o pagamento em espécie. Acima deste valor, qualquer despesa deve ser rastreada, ou seja, somente com cartão ou cheque nominal. A única barricada de resistência foi a rede multimarcas Rinascente, no centro de Milão, território de conquista dos clientes de última hora para os presentes dos últimos segundos. Como prova de que a diferença entre os ricos e os pobres aumenta cada vez mais, em detrimento da classe média cada vez menor, basta dizer que as vendas de artigos de luxo e de lixo (quinquilharias de 2, 3, 4 euros) salvaram os lojistas de Corso Buenos Aires, a quarta principal artéria comercial da Europa.
Saldi, a salvação da lavoura de comerciantes e consumidores
Depois do período das festas, começou a época das liquidações (saldi). Na verdade, começaram um pouco antes, na última semana do ano, antecipando o mercado regulado por normas severas. Algumas partiram logo cedo e corriam atrás do prejuízo, enquanto outras se livravam dos estoques como podiam porque estavam fechando as portas. Os saldos apareciam disfarçados e os descontos aconteciam apenas para os clientes antigos, informados através de mensagens por email ou sms no celular. Irregularidades para as quais, diante da crise, as autoridades fecharam um olho.
No início de janeiro, os comerciantes estamparam nas vitrines promoções que chegavam a 70% do preço da etiqueta. Ainda que para as roupas e acessórios, a vendas tivessem um desconto de 40%, em média. O presidente da FedermodaMilano, Renato Borghi, prevê uma despesa individual em torno dos 170 euros, 20 a menos do que no mesmo período do ano passado. O volume total, em Milão, chegou a 442 milhões de euros em 2013. Para este ano, a expectativa é uma redução da ordem de 4%. Pelo menos, o dado é melhor do que os índices dos viajantes italianos entre o Natal e a festa da Epifania de 6 de janeiro. Menos de dois milhões de italianos saíram de casa e 1,8 milhões se deram ao luxo de fazer uma viagem por perto. Na hora de fazer os cálculos, entre as compras supérfluas e as viagens desnecessárias, a prudência falou mais alto, ainda mais com um horizonte para lá de escuro. Melhor gastar na boa mesa, ou melhor, no que se põe sobre ela — a última fronteira antes da redenção econômica.