Há dez anos, o jornalista Polly Vernon, do The Observer, usou o título para falar da então iniciante Alessa como um dos mais bem guardados segredos do Brasil. Dez anos depois, a garota cresceu e deixou de ser segredo: hoje é uma das maiores representantes da moda brasileira no exterior
Com o tema ‘Rio, resort tropical, patrimônio mundial, paisagem cultural’, a 25ª edição do Fashion Rio apresentou as coleções de verão 2014-15 na Marina da Glória, entre os dias 8 e 11 deste mês. Entre as 17 grifes que mostraram suas coleções, estava a Alessa — fundada e comandada pela estilista, publicitária, designer e artista plástica Alessandra Migani. Desde a aparição no evento, em 2004, passaram-se 10 anos e vários desfiles de suas coleções, sempre marcados pela criatividade, inovação e bom humor. Filha de Alfredo Migani, um romano que veio para o Brasil como representante da Ferrari e da Alpha Romeu, e da brasileira Vera Rios de Campos Rosa, Alessandra parece ter no DNA a moda: seu tataravô foi um dos alfaiates do Papa.
Originalmente publicitária, ela se formou em Desenho Industrial na UERJ. Em 1997, decidiu fazer mestrado na Graphic Design da Central San Martins College of Arts & Design de Londres. Ao todo, foram vários anos no exterior, onde fez estágios em renomadas agências de publicidade que contribuíram para a sua sólida formação internacional.
Um dos momentos em que sua criatividade se fez presente foi quando não conseguiu ser atendida por John Hegarty, um dos diretores da agência BBH de Londres. Mas a recusa do executivo fez com que ela, determinada, elaborasse uma campanha para ser recebida. De férias, viajou por sete países europeus e, ao fim de cada viagem, enviou um cartão-postal a John Hegarty. Ao fim, sua campanha deu certo: ela recebeu um telefonema de um secretário do executivo para marcar a tão almejada reunião e acabou conquistando o estágio na BBH.
A mudança de publicidade para moda se deu meio que por acaso. No começo, quando trabalhava na agência Ogilvy & Mather, Alessa já chamava atenção por suas criações. Ela mesma comprava seus tecidos, desenhava e pintava suas próprias roupas, porém jamais pensou que isso a levasse a se tornar uma estilista, já que criava para uso próprio, e muito pessoal. Mas ela começou a ser chamada para ser a responsável pelos uniformes quando havia algum evento. Ainda assim, nunca pensou que aquilo se tornaria uma profissão, pois o gosto pela criação de roupas era algo que sempre esteve em sua vida — quando criança, customizava roupas para as suas bonecas.
O primeiro hit foram as calcinhas. Como publicitária, criou textos para colocar nas peças. As calcinhas Alessa viraram sensação devido às frases carregadas de bom humor e criatividade, e se destacariam pelos materiais pouco convencionais utilizados, como o paninho de limpeza perfex, antigas camisetas de campanhas eleitorais e embalagens do tipo quentinha.
Sucesso no exterior aconteceu primeiro
As peças Alessa já gozavam de reconhecimento no exterior, enquanto no Brasil foi um pouco mais tardio. A marca passou a se tornar conhecida no país em 2003, durante o Fashion Rio primavera-verão 2004, quando foi convidada para customizar as calcinhas da L’Oréal. Na ocasião, Ana Paula Arósio era a garota-propaganda da L’Oréal e, ao visitar o estande da marca, causou um certo alvoroço quando mostrou a calcinha de São Expedito, que, além do sucesso e visibilidade, rendeu à Alessa uma polêmica com a igreja católica: alguns padres chegaram a pedir sua excomunhão, lembra Alessa, que é católica.
A partir dali, as peças caíram no gosto de clientela, basicamente formada por atores e cantores. Não demorou muito para suas peças começarem a chamar a atenção da mídia, que queria saber quem era esse nome que apresentava as criações nos lugares mais inusitados possíveis.
— É bacana desfilar, pois é o conceito da marca na passarela. E eu comecei com uma passarela muito fora do convencional. Eu desfilava dentro do supermercado, da cozinha do Copacabana Palace, de uma oficina mecânica, em cima do Pão de Açúcar. Então as pessoas entendiam minha marca como uma instalação artística e é isso que eu gosto que elas vejam até hoje, a roupa como arte — conta à Comunità.
No começo, as peças eram produzidas em seu pequeno apartamento, mas com o aumento de pedidos, o imóvel não era mais suficiente para a sua dupla função de lar e ateliê, e ela precisou se mudar para uma casa em Ipanema, hoje um misto de residência, ateliê e loja batizada de Casa da Alessa.
O ponto de virada da marca ocorreu em 2002, seis meses após a sua fundação, quando recebeu um pedido da Selfridges & Co da Inglaterra. Os ingleses buscavam algo diferente, que realmente levasse à identidade brasileira.
— A Alessa é autoral. As pessoas reconhecem que é uma artista que está fazendo e lá fora eles dão muito valor a um trabalho único e diferente e principalmente porque nasceu no Brasil — resume a empreendedora, que a cada coleção trabalha com mais de 60 fornecedores externos e uma equipe de aproximadamente 30 pessoas.
Alessa considera a experiência como um doutorado, já que, graças às encomendas pra os britânicos, aprendeu a trabalhar para atender o mercado internacional. A experiência no exterior foi um fator chave para a consolidação da marca, que propiciou uma leitura dos diferentes tipos de consumidores dos vários países.
Para a designer, os desfiles de verão e inverno no Fashion Rio são especiais.
— Minha marca foi construída na passarela, que mostra a imagem de cada coleção que vai para o mundo todo. Para mim, a passarela é tudo. Desfilar no verão e desfilar no inverno, especialmente aqui no Rio de Janeiro, então, que é minha cidade é especial — diz Alessa, que se considera uma cariocaholic, ou seja, uma pessoa que ama trabalhar na capital fluminense.
A exportação não é mais a maior parcela do faturamento da empresa, mas já houve tempos em que representava cerca de 70% das vendas. Hoje, há um equilíbrio entre as vendas nacionais e internacionais, que podem variar de 30 a 60%, dependendo da coleção ou do câmbio.
Pedido da rede italiana Coin é a maior do mercado internacional
Seu maior pedido para o mercado internacional foi feito pela italiana Coin, que encomendou 10 mil peças de cada item, o que fez com que ela mobilizasse um grande número de bordadeiras. Exportar para a Itália tem um gosto especial para a ítalo-brasileira, visto que assim seus parentes poderiam observar mais de perto suas coleções que está presente em todo o Belpaese.
Quando indagada sobre qual público gostaria de atingir quando pensa em uma coleção, prontamente responde:
— Meu maior público é o meu espelho, pois tem que ser uma coisa da qual eu goste, com a qual eu possa interagir, que traga um pouco de humor para a minha vida, e é isso que gostaria que as pessoas tivessem também, sendo meu espelho e as pessoas que se refletiam nas minhas ideias — responde ela, ressaltando as parcerias com o Fashion Rio, a Firjan, a Apex (agência brasileira de promoção de exportações e investimentos) e a ABIT (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção), que sempre a auxilia na montagem dos show rooms internacionais.
O futuro e os planos de expansão
A estilista considera que 2013 foi um dos mais importantes anos da grife, marcado pela abertura de sua primeira loja no Shopping Leblon, um moderno espaço sem vitrines com cerca de 40 m², projetado pelo arquiteto Ricardo Campos com galerias de arte como inspiração, onde as peças ficam expostas como peças de arte.
A marca, que realiza todo o processo de estamparia digital, bordado e costura no estado do Rio de Janeiro, pretende aumentar a presença no Brasil e no exterior com a abertura de mais duas lojas próprias: uma no bairro carioca da Barra da Tijuca e outra em Roma.
A grife agora aposta na coleção baseada no barroco.
— Sempre penso na minha vontade, no que gostaria de estar vestindo, de como estaria meu humor naquela estação, se é verão ou inverno, se é outono ou primavera. O que eu gostaria de usar? O que está faltando no meu guarda-roupa? E como o meu espelho é meu consumidor, acredito que minha cliente se reflete nisso. A coleção barroco surgiu disso, dessa vontade barroca de expressão — responde ela, que se considera uma artista intelectualmente, esteticamente e emocionalmente barroca.
No Fashion Rio, a coleção mostrou 21 looks que representam apenas uma pequena parte dos 300 da coleção. Mas de onde vem tanta inspiração?
— A inspiração vem da vida e da felicidade. Eu só consigo criar quando estou feliz.