A partir deste mês, Comunità conta a história dos heróis olímpicos, começando pelo maratonista italiano Dorando Pietri, que fez história nos Jogos de Londres há mais de um século
Um dos mais antigos heróis olímpicos italianos ficou famoso há mais de 100 anos. Mesmo sem ter conquistado oficialmente uma medalha na quarta Olimpíada da era moderna e a primeira disputada na capital britânica, Dorando Pietri mostrou que, às vezes, no esporte, nem sempre o mais importante é vencer. Ele entrou para a história, enquanto o ganhador da maratona daquela edição olímpica é muito menos lembrado.
No cenário da épica corrida, Londres, fazia calor naquela tarde do verão inglês, em 24 de julho de 1908. A prova partiu do Castelo de Windsor, residência dos monarcas britânicos. Justamente para que a corrida partisse daquele ponto, fixou-se na ocasião a maratona em 42.195 metros, distância atual da prova. Mary of Teck, então princesa de Gales, deu oficialmente a largada. Houve várias alternâncias na liderança da corrida até que, a cerca de dois quilômetros do final, Dorando Pietri assumiu a dianteira. Exausto, desidratado, cambaleante, o italiano com o número 19 à frente da camisa entrou no estádio onde terminava a prova. Faltavam 200 metros. Parecia não saber mais o que fazer. Dirigiu-se para o sentido contrário da pista em relação à chegada. Os árbitros lhe indicaram o lado correto para o qual dirigir-se. Mas ele mal conseguia ficar de pé. Caiu cinco vezes e cinco vezes levantou-se. Foi ajudado a reerguer-se por juízes e pela equipe médica olímpica. Cruzou finalmente a linha de chegada em duas horas, 54 minutos, 46 segundos e quatro décimos — para delírio dos cerca de 75 mil espectadores no estádio. O americano Johnny Hayes foi o segundo a chegar, em duas horas, 55 minutos, 18 segundos e quatro décimos.
Os Estados Unidos protestaram. Afinal, Pietri havia sido ajudado para que completasse a maratona. Hayes foi declarado o vencedor oficial da competição. Mas o caso do italiano causou enorme comoção e sensibilizou até a rainha Alexandra, esposa do rei Eduardo VII, então chefe do Estado britânico. Ela presenteou Pietri com uma taça que era uma réplica do troféu concedido ao vencedor.
“Façanha que nunca será apagada dos arquivos do esporte”, escreveu o criador do Sherlock Holmes
A fama de Pietri correu o mundo. Segundo fontes da época, o escritor Arthur Conan Doyle, criador do notável personagem Sherlock Holmes, teria sugerido essa homenagem da rainha. Outros boatos o indicaram como uma das pessoas que teriam ajudado Pietri a levantar-se ao final da maratona. Mas a versão de maior credibilidade é que ele estava na tribuna do estádio, acompanhando a prova, para escrever a crônica para o jornal Daily Mail.
“A grande façanha do italiano nunca poderá ser apagada dos arquivos do esporte, qualquer que pudesse ser a decisão dos juízes”, escreveu na ocasião Conan Doyle. O célebre escritor e cronista também sugeriu ao jornal inglês de premiar Pietri em dinheiro. Foram arrecadadas 300 libras esterlinas para que o atleta abrisse uma padaria na Itália. O próprio Conan Doyle teria contribuído de seu bolso com cinco libras esterlinas.
Naquela época, as Olimpíadas eram reservadas aos atletas amadores. Pietri passou a receber para participar de corridas, mas não disputou mais os Jogos. Em seus três anos de profissional, ganhou em torno de 200 mil liras, muito dinheiro para a época. Ele participou duas vezes de desafios contra o ganhador oficial da medalha de ouro de Londres — e venceu. Pietri bateu Hayes nos Estados Unidos ainda em 1908 e depois em 1909. No primeiro desafio, 20 mil pessoas lotaram o Madison Square Garden, em Nova York, e dez mil não conseguiram entrar. Na plateia havia muitos ítalo-americanos, pois era maciça a presença de imigrantes do Belpaese na cidade.
Nascido em 16 de outubro de 1885 em Correggio, na província de Reggio Emília, na Emília-Romanha, Pietri competiu até 1911, quando ainda nem tinha 26 anos. Morreu em 1942, antes de completar 57. Nome de rua em Londres, ele também inspirou o livro do escritor italiano Giuseppe Pederiali Il Sogno del Maratoneta (O Sonho do Maratonista), que depois virou uma série de televisão da RAI, estrelada pelo ator Luigi Lo Cascio, produzida em 2012. Também lhe dedicaram canções e várias outras homenagens.