Filósofo e escritor italiano alerta sobre o perigo da síndrome antipolítica que se difunde no mundo atual
A relação entre a hipocondria e a política pode não ser imediatamente evidente para todos, embora se concretize na figura descrita pelo filósofo alemão Hegel, o antipolítico. Segundo o historiador e filósofo italiano Domenico Losurdo, o panorama atual, incluindo o Brasil, é marcado pela síndrome que Hegel definiu de “hipocondria da antipolítica”, ou seja, uma evasão deliberada do mundo político.
— É um fenômeno que irrompe com força nos momentos cruciais de crise da revolução ou do projeto político de transformação. Diante das primeiras dificuldades e das primeiras contradições, que inevitavelmente surgem ao longo do processo de construção de uma sociedade nova, eis que o ingênuo entusiasmo vira uma desilusão e um desgosto, tanto mais radicais quanto mais exaltadas tenham sido as esperanças e as ilusões — explica à Comunità Losurdo.
Hegel fez um diagnóstico da evasão do mundo político como uma forma de hipocondria e a sua polêmica contra a figura do antipolítico caracterizou os anos que precederam, na Alemanha, a Revolução de 1848: tratava-se então de ajustar as contas com uma visão do mundo, que tornava difícil ou impossível a participação ativa e consciente na vida política.
Losurdo, inspirado na análise do alemão, discute sobre história e atualidade em sua última obra recém-lançada no Brasil, A hipocondria da antipolítica, em uma tentativa de chamar de novo a atenção para uma “grande lição hoje amplamente reprimida, mas talvez mais atual do que nunca”.
De acordo com o professor de história da filosofia na Universidade de Urbino, a hipocondria da antipolítica pode se manifestar de duas formas: a primeira pode ser promovida pelas classes privilegiadas que têm interesse em semear a desconfiança entre as classes mais baixas para “espalhar a visão de que a ação política seria impotente e incapaz de transformar as relações sociais existentes”.
— Já a segunda forma pode ocorrer até mesmo entre aqueles que gostariam sinceramente de transformar a realidade, mas são incapazes de ligar a tensão ideal ao sentido de realidade — afirma Losurdo, reconhecido como um grande intelectual de filosofia hegeliana e marxista contemporânea.
Hegel sempre polemizou contra essa desdenhosa rejeição da política de quem prefere a fuga hipocondríaca da realidade para refugiar-se na presumida excelência dos próprios sentimentos e ideais, evitando a fadiga e o compromisso concreto na compreensão e transformação da realidade. Losurdo acredita que o panorama atual é amplamente caracterizado pela hipocondria do antipolítico.
— A advertência de Hegel, de que a filosofia deveria pôr-se de sobreaviso com relação a querer ser edificante, parece não encontrar ouvintes atentos — alerta.
Para Hegel, no mundo moderno, reina uma responsabilidade mútua do pensamento e do ato, da qual, queira-se ou não, o espírito moderno não pode escapar.
Ausência de esquerda é “uma tragédia a mais” na Itália
O intelectual italiano diz que o mundo atual é caracterizado por dois processos contraditórios: de um lado, nos países capitalistas afetados pela crise que eclodiu em 2008, se aprofunda a polarização social, agravando a condição das classes mais baixas; de outro, existe um processo inverso de redistribuição de renda, como é o caso dos Brics, entre os quais o Brasil, que “desempenham um papel internacional cada vez mais importante”.
Losurdo define a Itália como um país que, além de estar sofrendo uma crise particularmente devastadora que atinge toda a Europa, também deve enfrentar outra tragédia: “a ausência da esquerda”. E esse é o tema que o escritor escolheu para o seu último livro lançado em setembro no Belpaese.
Mas o que falta à política de esquerda em resumo?
— Uma esquerda digna desse nome deveria contrastar o processo de redistribuição da renda em favor dos mais ricos, que está atualmente em vigor nos países capitalistas mais avançados, e apoiar o processo de redistribuição de renda a favor dos países que lutaram e ainda lutam contra o colonialismo e o neocolonialismo — argumenta.