O significado de uma pequena palavra em japonês expressa o refinamento e a elegância exibidos pelos atletas nas Olimpíadas
As Olimpíadas não são somente demonstração das excepcionais capacidades físicas alcançadas pelos atletas, mas são também exibição de estilo refinado e justa elegância formal. Um corpo veloz que supera os recordes do atletismo, um campeão que empunha o florete com a ousadia de um antigo esgrimista são também ofertas de perfeição física, correspondente a um estilo de vida também equilibrado.
Nós precisamos de muitas palavras para expressar este conceito enquanto os japoneses possuem uma única palavra — iki — breve e mágica como um sopro. Foi inventada por Kuki Shuzo (1888-1941), nobre rico e belo, intelectual cultíssimo, com uma estética fascinante, viajante poliglota e cosmopolita, poeta refinado, filósofo agudo.
Kuki Shuzo era filho de uma gueixa e de um pai incerto: talvez um embaixador, talvez um famoso crítico de arte. Falava oito línguas fluentemente e viveu sete anos na Europa, onde visitou todos os museus, participou de cada seminário filosófico, experimentou cada cocote, encontrava-se com intelectuais, de Husserl a Bergson, de Heidegger a Sartre. Em 1930 publicou o seu livro sobre iki.
Mas o que significa iki para Kuki? Significa a sedução sensual — acompanhada pela tensão, pelo ar conturbado e pelo coquetismo — com a qual uma pessoa se relaciona com outra. Iki distingue-se se as duas pessoas chegam ao ponto de aplacar a tensão na “união perfeita”. O fascínio de iki deriva do fato de ser sedução pela sedução, “jogo autônomo, gratuito e desinteressado”, que continuamente evolui. É jogo de amor antes que se torne amor.
Iki é paixão leve, amor e energia espiritual. Iki é renúncia, desapego, liberdade e libertação. É desenvoltura, frígida elegância sem apego e sem arrependimento. A estas suas características, iki acrescenta as infinitas nuances do gosto subjetivo, da sensibilidade individual.
Quanto ao comportamento e à gestualidade, iki é a postura inclinada, que exprime “a atividade do ir em direção ao outro sexo e a passividade em recebê-lo”. Um corpo consistente e um rosto gordinho, ainda que bonito, não são iki. São iki, por sua vez, os meios-tons que derivam do contato direto entre corpo e roupas transparentes, assim como a silhouette esguia, vibrante, graciosa, esbelta, de quadris e rosto finos, que inspira sedução espiritualizada.
Para ser iki, olhos, bocas e bochechas devem estar relaxados e tensos ao mesmo tempo. Para que um olhar seja iki, “os olhos devem assumir aquela espécie de brilho que somente sabe evocar a doçura do passado, e as pupilas devem evocar, com tácita eloquência, uma renúncia sem esforço e um inflexível rigor”.
Também a boca, para ser iki, deve colocar em evidência relaxamento e tensão; enquanto o objetivo sem objetivo, próprio do iki, deve expressar-se através do ritmo com que os lábios ondulam. O sorriso deve preferir a melancolia à vivacidade. Enfim, nada a ver com vulgaridades ocidentais como a piscadinha de olho ou os lábios estendidos.
São iki os cabelos despenteados e cheios de nós derivados da pressa, assim como cachos laterais ainda decompostos pela noite. É iki a gola que se desprende da nuca revelando candidamente não o amplo decote. Um pé descalço enquanto todo o resto do corpo está coberto, uma barra que se alterna entre o candor de neve da pele e o branco do chambre de algodão e oferece uma abertura para o olhar são iki. Minissaias e meias cor de carne são a negação do iki. Depois do rosto, nada é mais expressivo que as mãos: “Graças a um eco que se repercute até a ponta dos dedos, pode-se julgar a própria alma”. Por isso o modo com que se comportam as mãos, para ser iki, deve encantar com a sua maestria.
Obviamente, além das expressões naturais, iki se manifesta nas expressões artísticas: sobretudo na arquitetura que é música coagulada e na música que é arquitetura fluida.
Enfim, iki não é a deselegância de dois amantes já inseparáveis, não é vulgaridade vistosa, grosseira ostentação, langor sem doçura. É graça, doçura, distinção, modéstia e sensualidade.
Como se vê, são necessárias infinitas palavras ocidentais para traduzir uma brevíssima palavra em japonês como iki, incompreensível para a maioria. De outro lado, como nota o próprio Kuki Shuzo, não é possível explicar o que é a cor para quem nasceu cego.