Comunità Italiana

Il Lettore Racconta

 

As raízes de minha família estão fincadas na Itália. Na pequena cidade de Toro, Província de Campobasso, região de Molise, onde nasceu meu avô paterno, Giovannantonio Pecci, em 1885. Veio para o Brasil com 11 anos, em 1896, com seu pai Mercurio Pecci, enquanto a mãe Maria Giovanna permanecia na Itália. Giovannntonio foi parar em São Manuel, interior de São Paulo. Lá virou camponês e conheceu Filomena Agazio, também oriunda da Itália, de Cosenza. Giovannantonio e Filomena se casaram e se transferiram para São Paulo. Giovannantonio trabalhou como bilheteiro de bonde e, mais tarde, condutor. Com o surgimento dos ônibus, tornou-se proprietário deum deles e depois comprou mais dois. Em sociedade com um amigo, fundouuma companhia de ônibus, anos mais tarde encampada pela Prefeitura de São Paulo. Giovannantonio e Filomena montaram bom patrimônio, o qual lhes permitiu manter sete filhos: Mercúrio, Maria, Francisco, Antonio, Rosa, Regina e Gilda. Doente, diabético e cego, Giovannantonio morreu em 1944. Sua mulher, minha avó Filomena, viveu até os 97 anos, falecendoem 1982.

Um de seus filhos, Antonio Pecci, conhecido como Nico, nascido em1914, meu pai, conheceu Diva Bondeolli, nascida em 1915, minha mãe. Em1931, conheceram-se numa pista de patinação. Diva era um ano mais jovem. Seus pais, Carlos Bondeolli e Serafina Manzoli, eram também italianos,de Mântua. Casaram-se em 1940. Em 1942 nasceu meu irmão, João Carlos Antonio Pecci. E em 1946 nasci eu, Antonio Pecci Filho, Toquinho, apelido dado por minha mãe no início de minha infância. A Itália é minha segunda pátria. Sempre foi assim, desde a primeiravez em que lá estive, com Chico Buarque, em 1969. Há muito em comum entre Brasil e Itália. A espontaneidade, a importância da família que se estende aos amigos, a liberdade emocional, a paixão pelo futebol, a música e sua recíproca aceitação e influência; a culinária abundante e inconfundível, que me deixa com medo de subir na balança… Amúsica italiana frequentava minha casa desde a infância, nos discos que meu pai ouvia, nas canções que mamãe cantava. Depois, a música romântica dos anos 1960 com Domenico Modugno, Sergio Endrigo, os Festivais de San Remo.

Tive a honra e o prazer de trabalhar com nomes maravilhosos como Bardotti, Iodice, Fabrizio, cantar com Lucio Dalla, com Ornella Vanoni, até com Andrea Bocelli. Muito de meu trabalho tem a ver com a moderna canção italiana. A Itália foi escolhida por Chico para exílio forçado, provocado pelo regime autoritário que perseguia artistas, intelectuais e políticos no Brasil, na
época. Ele me convidou para participar de shows pela Itália. Quando cheguei lá, não tinha show nenhum. E ainda dei dinheiro para o Chico saldar dívidas. Permaneci seis meses com ele na Itália. Momentos nem sempre animadores, tendo de aceitar qualquer convite. Fomos contratados para nos apresentar num castelo medieval nos arredores de Roma. Entramos pelos fundos, pela cozinha, e fomos parar num salão de pedra. Público de seis ou sete pessoas. O palquinho só dava para nós dois. Não desanimávamos. Quatro shows em Capri representavam perspectiva promissora. Tudo teria sido completamente bom, não fosse o calote do empresário. Por precaução, havia levado 10.000 liras na carteira até que fizemos o maior sucesso na Boate Bussola, uma das mais concorridas da sofisticada praia de Viareggio.

O produtor, animado pelo sucesso, convidou-nos para atuar na primeira parte de espetáculo da famosa Josephine Baker. Foram 35 shows por toda a Itália, de norte a sul. La Baker viajava sempre na frente, em sua luxuosa Mercedes. Chico e eu íamos chacoalhando com o resto do grupo num ônibus tipo cristaleira. Valeu a pena. Quando voltei para o Brasil, dois dias antes da partida, já antecipando a saudade, havia deixado com Chico tema de despedida para que ele colocasse letra.

Antes que subisse no avião, Chico me deu papel com quatro versos, a letra do final da melodia:

Vê como é que anda / Aquela vida à-toa / Se puder me manda / Uma notícia boa.

Havia-se iniciado, em Fiumicino, pela última estrofe, o que, dois anos depois, seria concretizado como Samba de Orly, já com a sutil intervenção de Vinicius de Moraes. Porque Orly era o aeroporto no qual desembarcava a maioria dos brasileiros perseguidos pelo regime militar. Já éramos parceiros desde Lua cheia, minha primeira composição. Depois fizemos mais uma, Samba pra Vinicius. Recentemente deixei com ele outro tema, quem sabe não seja o prenúncio de nova canção…

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