Oriundo di padre e madre. Da Basilicata e do Friuli. Histórias com mais de cem anos que Domenico Spano, 43 anos, advogado paulista que hoje atua como investidor, contou ao repórter Maurício Cannone. Histórias que viraram livro após minuciosas pesquisas no Brasil e na Itália.
O próprio Domenico conta a tragédia que marcou a vinda de seus primeiros antepassados, originários de Irsina, na província de Matera, Região da Basilicata, para o outro lado do Atlântico:
— A família paterna chegou em 1902 ao Brasil. Eram agricultores. Vieram meus trisavós, meu bisavó. Angelo Raffaele, meu trisavô, se suicidou quando o navio partiu de Nápoles. Ele veio primeiro para o Brasil trabalhar sozinho e voltou à Itália para buscar a família. Angelo ouviu, então, que a esposa dele era data alla buona vita na sua ausência. Tomou conhecimento do boato e o relevou. Mas, no navio, quando alguém cantava Maria Marì, famosa canção, achou que se referiam à mulher dele, que se chamava Maria Leonarda. Então disse: “Cazzo! Até aqui te conhecem!” Desconfiado, achou a canção que era para ela. Não era. Então, a feriu com uma faca. Prenderam-no em uma cabine do navio, mas ele se soltou, se jogou no mar e nunca chegou ao Brasil.
A saga dos Spano, porém, não terminou com a tragédia:
Chegaram ao Brasil o bisavô Saverio, uma irmã dele, Raffaela, e a trisavó viúva. De Santos, onde desembarcaram, foram para a Hospedaria dos Imigrantes, em São Paulo, e de lá para Avaré, numa fazenda de café para trabalhar como agricultores. Saverio foi reaparecer nos registros da família em Jaboticabal, perto de Ribeirão Preto, um polo de café, em 1909. Ele casou-se com uma irsinese, sua conterrânea: Maria Gaetana Marino. Teve filho em 1910.
— Quando ela estava grávida de cinco meses do meu avô Domenico, que tinha meu nome, na segunda gestação, foi estuprada por um fiscal do cafezal. Coisas do tipo novela Terra Nostra. Quando meu bisavô Saverio soube, matou o fiscal da fazenda a punhaladas. Eu recuperei esse processo de 1912, escrito em português arcaico. Fugiu, foi recapturado na Argentina, julgado e absolvido. Na época, havia os crimes de honra. Hoje, ele seria condenado. O promotor recorreu, mas foi mantida a absolvição. Meu bisavô teve dez filhos no total, meu avô foi o segundo. Eles foram migrando pelo estado.
As ferrovias iam para o interior paulista no ciclo do café. Estabeleceu-se em São José do Rio Preto.
— Meu avô casou-se com minha avó Anna. Meu pai, Nélson, nasceu em uma cidade vizinha a Rio Preto: Bady Bassitt, na época Borboleta. Todos tiveram uma infância pobre. A ascensão social deu-se na época de meu pai, apesar de sua infância humilde. Andava dez quilômetros para ir à escola, trabalhava em lavoura de café, de milho. Depois, adquiriu propriedades rurais, posto de gasolina. Eu já tive o privilégio de nascer em classe média, depois média alta. Este ano, serei candidato a deputado federal por São Paulo pelo PSL. Meu pai se estabeleceu em Birigui, onde nasci: ele era engraxate, vendia a revista O Cruzeiro. Almoçava só às 15 horas. Depois tornou-se funcionário do Banespa, comprou sítio, diversificou atividades.
Domenico Spano, hoje estabelecido na capital paulista, apaixonou-se pela história de seus ancestrais e decidiu ir à terra deles, onde recolheu vasto material para seu livro Sangue Italiano:
— Descobri minhas origens em 2004. Em Irsina, virei atração. Fiquei amigo do prefeito e o jornal Diario Irsinese me entrevistou. Tive a ideia de escrever o livro lá; foram solidários comigo. Consultei livros paroquiais. Sempre gostei de genealogia. Tenho registros desde 1691 da parte paterna. Da materna, desde 1720, mais ou menos. Da parte de mãe, os imigrantes não eram miseráveis, vieram alfabetizados de Bicinicco, na província de Udine, no Friuli. Mas no sul havia registros mais completos da família do que no norte — observa.
Gianluigi Del Piccolo, segundo registro de batismo, era o nome do seu trisavô materno. Veio para cá com os pais em 1888. Era registrado como Giovanni Luigi no cartório civil, mas gostava de ser chamado Giovanni. Chegou ao navio Sudamerica com os pais Giuseppe e Domenica Codarin. Não temos registros mais precisos, mas ficaram em São Paulo na Hospedaria dos Imigrantes. Seus nove irmãos morreram na peste. Ele, o caçula, sobreviveu.
— Talvez o casal tenha vindo para o Brasil para não perder o último filho, então com 13 anos. Seu destino foi ignorado depois que saíram da hospedaria. Descobri detalhes ocorridos mais adiante porque os italianos tinham de apresentar-se à polícia na década de 1940. A Itália pertencia às forças do Eixo, inimigas do Brasil quando o país entrou na Segunda Guerra Mundial.