Comunità Italiana

Il Lettore Racconta

Ao procurar uma nova pátria para fugir das leis raciais de Mussolini na década de 1930, Giorgio Mortara estaria dando um grande passo para deixar seu nome para sempre na história da estatística brasileira. O filho Valerio Mortara em depoimento à repórter Cintia Salomão Castro.

Em 1938, com o advento das leis raciais do governo de Mussolini, Giorgio Mortara, descendente de família judaica, perdeu o emprego de professor universitário de estatística e os filhos sequer podiam frequentar escolas. Nascido em Mântova em 1885 e filho do ministro italiano da Justiça Ludovico Mortara (1919-1920), ele começou a planejar a mudança de país.
“Com aquela situação, meu pai passou a procurar por uma emigração possível, pois não queria ser um cidadão de segunda ou terceira classe. Felizmente, recebeu um convite do Brasil através do embaixador Barbosa Carneiro, que tinha contato com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que estava recrutando pessoal para o censo de 1940, na época do governo de Getúlio Vargas”.
O engenheiro Valerio tinha apenas sete anos, mas lembra da viagem de navio, que tinha até uma piscina. Desembarcaram no Rio em janeiro de 1938, e logo Giorgio começou a trabalhar na comissão censitária nacional, na Urca, tendo sido muito bem acolhido, conforme ele mesmo descreveu. A necessidade de um trabalho cuidadoso era grande: o recenseamento, que devia ser realizado a cada 10 anos, tinha uma lacuna, pois em 1930 não havia sido feito.
No IBGE, Giorgio dirigiu o Gabinete Técnico e conduziu o Laboratório de Estatística, interligado ao Conselho Nacional de Estatística, que ele mesmo teve a ideia de criar, contribuindo para formar gerações de profissionais brasileiros por meio de cursos especializados e estudos sobre problemas demográficos, sociais e econômicos.
Em 1945, o governo italiano chamou de volta os funcionários que tinham sido afastados por causa das leis fascistas. Giorgio agradeceu, mas explicou que tinha uma dívida de gratidão com o Brasil, e que não poderia deixar inacabado o seu trabalho. Porém, quando se aposentou, foi lecionar por quatro anos na Universidade de Roma, passando as férias no Rio, onde morreu em 1967.
Os Mortara voltaram à Itália a passeio várias vezes, mas todos permaneceram no Brasil. “Nosso ponto de vista mental já era muito diferente, e seria difícil nos readaptarmos. Sentimos que a nossa pátria era aqui, sem querer cortar as ligações. Mas falávamos em italiano em casa. Meu pai lia comigo trechos de autores italianos para não esquecermos o idioma e a cultura”, lembra o filho.
A esposa Laura Ottolenghi também era de origem judaica, mas a família não praticava a religião há duas gerações. “Meu pai acreditava em Deus, mas não seguia religião. Alguns de nossos amigos na Itália praticavam, outros não. Dois primos morreram em campos de concentração. Os demais parentes sobreviveram. Alguns fugiram para outros países”, conta Valerio.
O Brasil agradeceu a Mortara pelo seu empenho em diversas ocasiões. Em 1953, a Universidade do Brasil lhe concedeu o título de professor Honoris causa pelos serviços prestados à cultura nacional. O livro Giorgio Mortara – Ampliando os horizontes da demografia foi publicado pelo IBGE em 2007. Na autobiografia, ele descreve várias passagens de sua vida, como o início do magistério na Faculdade de Direito em uma Messina reduzida a escombros após o terremoto de 1908, o afastamento da direção do Giornale degli Economisti devido às leis racistas e o primeiro encontro com os estatísticos brasileiros que “pareceram como velhos e queridos amigos reencontrados, tão afetuosa e familiar foi a gentileza com que nos orientaram no novo ambiente”. As pesquisas sobre os países americanos (1962) estão entre seus últimos trabalhos, durante os quais ficou “impressionado com a elevadíssima frequência das uniões conjugais livres, e da consequente alta frequência de nascimentos ilegítimos, na maior parte dos países latino-americanos”.
No centenário de seu nascimento (1985), o IBGE batizou com seu nome um auditório. Em 2007, o Seminário Giorgio Mortara homenageou mais uma vez o jurista e estatístico italiano.

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