Comunità Italiana

IlLettoreRacconta

Um pedacinho da Itália vive no município paulista de Piracicaba, área de atuação do empresário Wilson Guidotti Júnior, o Balu. Descendente de uma das famílias mais antigas que emigraram para o Brasil, ele conversou com o repórter Maurício Cannone sobre seus ancestrais e a influência italiana em Monte Alegre, bairro piracicabano que ele procura revitalizar.

Fim do século XIX. Havia menos de dez anos da abolição da escravatura. A bordo do navio Argodat, em 1897, Nazareno, bisavô de Wilson, chegava ao estado de São Paulo em busca de vida nova. Nazareno teve oito filhos, dos quais três, Peppa, Augusto e Giacinto, vindos com ele de Bolsena, na província de Viterbo, situada na região do Lácio. A família estabeleceu-se em Avaré (SP) e passou por dificuldades como os imigrantes em geral, mas depois prosperou no interior paulista.
— Meu avô Luciano nasceu já no Brasil, em 1903. A família trabalhou nas plantações de café, onde substituíram os escravos. Histórias de novela. Também lidou com o comércio. Luciano tinha loja de dois mil réis. Vendia bem baratinho, como hoje existem as lojas de R$ 1,99. Ele conseguiu ainda a concessão da General Motors em Piracicaba — lembra Balu.
Do comércio, nonno Luciano seguiu carreira na política até sua morte por infarto, em 1968, quando exercia o cargo de chefe do governo municipal:
— Ele foi prefeito de Piracicaba duas vezes, de 1957 a 1960; depois, de 1964 a 1968. Meu avô era até “apolítico”, não tinha partido, mas contou com o apoio do presidente da República Juscelino Kubitschek, de quem recebeu por três anos consecutivos o diploma de município mais progressista do Brasil.
Hoje, a família Guidotti marca presença em Monte Alegre, um bairro na entrada de Piracicaba, no qual é notável a influência italiana, como conta o empresário:
— Monte Alegre faz parte do município de Piracicaba, mas fica destacado da cidade, a uns cinco quilômetros dela. De lá, imigrantes italianos eram também encaminhados para outras áreas do país. Um bairro muito avançado, que costumava ter vida própria, com escola, igreja, cinema, comércio, residências. Lá, por exemplo, foi construída a primeira locomotiva totalmente brasileira.
No bairro, quase tudo girou em torno da antiga usina de cana-de-açúcar do empresário italiano Pietro (que no Brasil tornou-se Pedro) Morganti, benfeitor histórico da área. Lá também foi montada uma fábrica de papel. Morganti fez ainda muito pela vida cultural do local. A obra foi continuada por Lino Morganti, filho de Pedro, que se tornou deputado, e outros membros da família. A Capela de São Pedro de Monte Alegre é um dos principais legados da época. Inaugurada em 1936 para o batizado de uma das netas de Pedro Morganti, hoje é administrada por Wilson Guidotti. A igreja foi tombada em 1991.
— A usina foi desativada há cerca de 40 anos. Eu adquiri a capela em 1999. Ela foi pintada por Alfredo Volpi, conhecido como grande pintor brasileiro, embora fosse italiano. Procuro revitalizar o bairro, um dos mais antigos de Piracicaba. Construí nessa área um condomínio fechado — conta Balu, que comprou imóveis na área.
Brasileiro de nascimento, Balu tem também o passaporte italiano e procura aprender o idioma. Ele mantém contato permanente com suas raízes: em outubro, vai viajar à Toscana para um encontro de família. O sobrenome Guidotti, por sinal, está ligado a uma das mais famosas histórias do município de Chiusdino, que fica na província de Siena.
— É o contrário da lenda do Rei Artur. Em vez de retirada, a espada foi fincada na pedra.
A lenda à qual Balu se refere é a de Galgano Guidotti, da Idade Média. Ele teria cravado a espada na pedra na colina de Montesiepi com o intuito de transformar a arma numa cruz e depois renunciado aos privilégios e luxúrias de cavaleiro nobre para levar uma vida de eremita. A conversão, segundo a tradição, haveria ocorrido no Natal de 1180, quando teria sido fincada a espada. E Guidotti, mais tarde, passaria a ser venerado como São Galgano pela Igreja Católica.