Comunità Italiana

Il Lettore Racconta

A história do avô siciliano do jornalista, comentarista esportivo e chef de cozinha Silvio Lancellotti passa pelo trabalho de alfaiate para estrelas do cinema e até pelo envolvimento com o anarquismo que o levou à prisão e à tortura durante o governo Vargas. Em depoimento ao repórter Maurício Cannone.

Sílvio Eduardo Antônio Eugenio Lorenzo Alessandro Raffaele Erzengiano Giovanni Battista de Assis Pacheco Lancellotti. Sim, foi assim mesmo que foi registrado o jornalista, escritor, arquiteto e chef de cozinha, conhecido como Silvio Lancellotti, que assina um blog de esporte e gastronomia, o Copa e Cozinha, no R7, portal da Rede Record.
Ele nasceu em 1944 em uma família com mais de 100 anos de Brasil, mas que nunca perdeu os vínculos com a Itália.  
— Só descobri que tinha dez nomes próprios quando, aos 14 anos, o professor fez a chamada na escola. Quando fiz 18 anos, fui a um juiz e disse que não haveria documento no qual coubesse tantos nomes, e passei a me chamar Sílvio Eduardo de Assis Pacheco Lancellotti, para manter os sobrenomes da minha mãe. Meu pai era Eduardo. Eu tenho Eduardo no nome, e um dos meus filhos e um neto se chamam Eduardo — revela.
Os primeiros membros da família Lancellotti chegaram ao Brasil no século XIX, nas primeiras grandes ondas migratórias. Não há registros precisos, mas sabe-se que seu bisavô Ergenziano teria chegado por volta de 1880, e teria trazido seus filhos, entre os quais o avô de Silvio, Giovanni Battista. Muitas idas e vindas entre os dois países teriam acontecido, segundo os relatos. Além disso, o avô siciliano teria sido um anarquista que chegou inclusive a ser preso durante a ditadura Vargas.
— A família não gosta de falar disso, mas consta que meu avô, um grande alfaiate, era anarquista. Ele teria participado de vários movimentos políticos por volta de 1910, 1920. Na primeira ditadura de Getúlio Vargas, ele foi preso e torturado. Não sei também precisamente de que lugar da Sicília veio. Mas o meu passaporte italiano é de Mazara del Vallo, que fica no sul da Sicília, quase na África. Minha avó era de San Marco Argentano, na Calábria. Um local situado numa ribanceira, de difícil acesso, ao qual se chega de elevador, de mula ou a pé.  
Giovanni Battista não era conhecido apenas pela fama de anarquista. As histórias que circulam dão conta de que fazia roupas sob medida para clientes ilustres:
— Não sei se é lenda, mas ele teria sido alfaiate do famoso ator americano Kirk Douglas e de outros astros de Hollywood, como John Huston. Numa vinda de Douglas ao Brasil, existe uma história de que teria feito uma roupa sob medida para ele, com tecido tcheco-eslovaco, e assim o ator o havia indicado a outros colegas. Meu avô teria comentado com Kirk Douglas que o colarinho de uma camisa dele estaria uma porcaria — conta.
O ilustre nonno também trabalhou para a família Lunardelli, oriunda da Itália, que fez fortuna no Brasil com o café. Mas, como um bom anarquista, ele não fazia distinção entre patrões e empregados, despertando a inveja dos primeiros:
— Isso criou muitas desavenças com os Lunardelli. Ele fazia roupas do mesmo nível para os empregados da fazenda do que para a família dos patrões.
Mas ele não dependia sempre dos outros: tinha uma rede de lojas de roupas infantis e juvenil em São Paulo. Sílvio se lembra dos momentos em família passados na casa do avô, na Rua Bela Cintra, no melhor estilo da família italiana meridional.
— Eu lembro bem dos almoços de Natal e Páscoa. Lá havia quintal e quadra de basquete. Criava galos, galinhas, marrecos. Havia plantações de uvas, tomates. Às vezes convidavam cerca de 100 pessoas para uma refeição.
O nascimento do arquiteto e jornalista também ocorreu de maneira curiosa, em 1944, em águas internacionais, quando a guerra na Itália já havia se esgotado. Os pais estavam em Palermo em lua-de-mel. Ficaram ali oito meses e a mãe de Sílvio, grávida, achou que era hora de voltar para que ele nascesse no Brasil.
— Eu apareci para o mundo antes de o navio chegar às águas brasileiras. Desembarcamos no porto de Santos e Francesco D’Auria, amigo do meu pai, deu um jeito para que eu fosse registrado em São Vicente.
Em resumo, o neto de Giovanni Battista é um autêntico ítalo-brasileiro, que, nos jogos entre as seleções dos dois países, torce sempre pela defesa para que um não faça gol no outro.