Há mais de 60 anos, ele embarcou no navio deixando a sua cidade Paola, na província de Cosenza, na região da Calábria, para tentar a sorte no Brasil, onde se tornou um dos mais importantes advogados e uma referência para a colônia italiana. Attilio Mellone Mauro, ou Mauro Mellone, como é conhecido, pois o sobrenome é usado como se fosse nome de batismo, emigrou seguindo os passos da família. Ele conta como era o Rio dos anos dourados, quando não existia preocupação com a violência, em depoimento ao repórter Maurício Cannone.
Em abril, ele completa 83 anos e está em plena atividade, em seu escritório, perto do Consulado Italiano. Logo na antessala, se vê o mapa da sua Calábria.
— Em 1952, eu queria estudar Direito, mas a Itália estava em situação difícil. A guerra havia acabado e o país começou a se recuperar mesmo alguns anos depois, com o boom econômico. Eu fazia o liceu (correspondente ao ensino médio no Brasil) em Cosenza. Pegava o trem às cinco da manhã, em Paola, para chegar à escola às oito — lembra Mellone.
O Brasil dos anos 1950 era considerado uma terra de grandes oportunidades para os italianos. Os irmãos Mantello e Salvatore já estavam aqui, assim como a mãe, Anna Maria. O outro irmão, Pierino, havia morrido pouco depois da guerra. O Rio de Janeiro foi a cidade escolhida, embora existissem outras opções na América do Sul:
— Poderia ir para a Venezuela, onde morava uma tia nossa, ou para Buenos Aires, onde estava meu tio Pasquale. A viagem de navio a vapor durou cerca de um mês. Passei por Nápoles, Gênova, pela África. O primeiro lugar do Brasil ao qual cheguei foi Recife. Acabei vindo para o Rio, que era um paraíso na época. Tudo era facilitado. Podia-se pagar aluguel a baixíssimos custos. A cidade deveria ter uns dois milhões de habitantes na época. Não havia preocupação com a violência. Deixávamos a porta do escritório aberta. Eu sofria com o calor. Não havia ar condicionado. Sentia também muita saudade da Itália. Mas sofria em silêncio, não me lamentava com os outros — recorda.
Em 1952, viu pela primeira vez uma partida de Fla-Flu com o irmão Salvatore, torcedor do Fluminense, mas nunca foi muito ligado em esportes. Preferia a literatura e a pintura. A saudade era profunda, mas não fatal. O então aspirante a advogado conta como levou adiante seus projetos:
— Nora Giglio, uma cantora lírica calabresa amiga da família me disse: “Mauro, no Brasil você pode estudar e trabalhar”. Como havia feito até o terceiro ano do liceu na Itália, procurei fazer o exame de equiparação no Brasil. Aprendi o português e me aprofundei também na literatura da língua. Enquanto estudava, trabalhava na Luporini, empresa de peças para reposição na indústria, no Bairro de Fátima, como auxiliar de escritório.
Assim, o sonho de passar para a faculdade de Direito foi realizado. Ele passou no vestibular para a Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil
(atual UFRJ).
— Os professores eram catedráticos, não eram professorzinhos. O que me ajudou muito em Direito foram os cinco anos que estudei de grego e latim na Itália. Eu havia feito o liceu clássico. Nunca fui ligado à economia, ao dinheiro. Nós da Calábria, como de Nápoles, da Sicília, somos ligados à cultura clássica, humanística. Sou orgulhoso das minhas origens mediterrâneas.
Formado em 1958, Mellone obteve um recorde: foi o primeiro advogado estrangeiro registrado no álbum da OAB, com o número 9.550.
— Queriam que me naturalizasse brasileiro para isso, mas disse que entraria com um mandato de segurança para conseguir a inscrição. Conhecia muito bem a lei e sabia que tinha esse direito. Depois disso, vários advogados estrangeiros começaram a me ligar. Não queria renunciar à cidadania italiana. Os italianos no exterior sentem-se mais italianos ainda — ressalta.
Em 1965, casou-se com Lúcia Helena Pereira Beranger, natural de Cabo Frio, já falecida. Com ela, teve dois filhos, Roberto e Pier Giovanni. O advogado trabalhou muito para seus compatriotas no Brasil, mas não só para eles, como faz questão de frisar:
— A maioria da clientela é mesmo italiana. Trabalhei muito para o consulado e o Instituto Italiano de Cultura e ganhei todas as causas, modéstia à parte. Fui inclusive condecorado com a medalha ao mérito de cavaliere pelo consulado.
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