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Intolerância religiosa do virtual ao real

17 de novembro de 2014 - Por Comunità Italiana
Intolerância religiosa do virtual ao real

Intolerância religiosa do virtual ao realPerseguição aos cultos afro-brasileiros por movimentos neopentecostais é explicada como disputa pelo poder e tentativa de fazer fiéis entre adeptos de tradições populares

A liberdade é uma força imprescindível para se conhecer a si mesmo e  a Deus.
— A fé não se impõe nunca pela força. Deus criou o homem em liberdade. Ele o criou, inclusive, até mesmo para negá-lo. O fanático se impõe e quer impor a sua fé aos outros; por isso, não acredita na liberdade que é o resultado da vontade divina — explica o diácono da Arquidiocese do Rio de Janeiro, Nélson Augusto Águia, à Comunità, parafraseando o Gênesis ao comentar sobre a onda de fanatismo religioso desencadeada pelos neopentecostais contra os seguidores do candomblé e da umbanda, mas que agride também católicos e kardecistas.
Apesar da incessante chuva, cerca de 50 mil pessoas caminharam pela Avenida Atlântica, em Copacabana, no Rio, pela VII Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, realizada pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR). Em clima de paz e alegria, pessoas de diversas origens e idades, caminharam lado a lado pela liberdade religiosa, mas também civil, ao lado de candomblecistas, umbandistas, judeus, católicos, evangélicos, wiccanos, muçulmanos, ciganos, hare krishnas, budistas, kardecistas, adeptos da religião Baha’i e outros parceiros de entidades não religiosas, entre os quais ateus e maçons. A marcha foi a resposta de religiosos e laicos que não acreditam na intolerância e na discriminação, e sim na busca libertária pessoal que reconhece a própria alma nos outros e no universo. A caminhada foi também uma revolta contra a blasfêmia humana que busca o poder em nome de Deus.
De acordo com um estudo de 2013 da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC), em parceria com líderes religiosos, 430 dos 840 terreiros situados no estado do Rio foram atingidos pela fúria dos fanáticos que invadiram os locais de culto e queimaram e esmagaram efígies sagradas, além de terem atacado os fiéis em estado de transe durante as giras. Os ataques aconteceram e ainda acontecem em todo o Brasil — sendo a maioria no estado de São Paulo — onde as agressões frequentemente não são reconhecidas pela polícia como crimes de intolerância religiosa, mas como disputas entre vizinhos. A guerra religiosa se estende à internet, onde são colocados vídeos que profanam os cultos afro.
— A Arquidiocese do Rio de Janeiro entrou com um recurso judiciário, como Amicus Curiae, junto com a CCIR, para conseguir a remoção de todos os vídeos da rede — revela o diácono Águia, ao se referir à determinação do juiz federal da 17ª Vara de Fazenda Federal do Rio de Janeiro, Eugênio Rosa de Araújo, que considerou cultos de matrizes africanas como práticas não religiosas e avaliou que os vídeos expostos no YouTube, através dos quais evangélicos neopentecostais atacam terreiros, poderiam continuar no ar. O caso teve muita repercussão, e não apenas entre os adeptos das religiões afro.
Por causa da pressão social, o juiz voltou atrás, reconhecendo a matriz religiosa dos cultos afro, mas permitiu que os vídeos ficassem online. Em um mundo cada vez mais hedonista, as imagens gravadas nas redes sociais fazem a diferença para converter e persuadir, mas também difamar e atacar crenças milenárias. O pastor da Catedral do Avivamento (igreja ligada à Assembleia de Deus), Marco Antônio Feliciano, que causou polêmica em sua passagem pela Comissão de Direitos Humanos, conquistou um novo mandado: obteve 398.087 votos pelo Partido Social Cristão (PSC). Feliciano foi criticado inclusive pela ONG Amnesty International. Em nota pública, a entidade afirmou que “as posições claramente discriminatórias em relação à população negra, LGBT e mulheres, expressas em diferentes ocasiões pelo deputado Marco Feliciano, o tornam uma escolha inaceitável para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Proteção de Minorias”.
— Eles atacam principalmente os afro-brasileiros, pois é daquele segmento que tentam subtrair fiéis, mas o verdadeiro objetivo deles é atingir a Igreja Católica porque é a religião hegemônica no Brasil — afirma Ivanir dos Santos, babalaô e interlocutor da CCIR.
A ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Ideli Salvatti, durante o encontro com a imprensa que precedeu a 7ª Caminhada, revelou que, após o período eleitoral, a Secretaria fará um trabalho em conjunto com um professor universitário do Espírito Santo para desenvolver um projeto de combate à intolerância religiosa com o uso da internet.
— A busca pelo poder está por trás da intolerância religiosa. Agora, é claro que tem um projeto político por trás desses ataques — afirma a ministra Salvatti.

Cresce a cada ano a influência pentecostal no Congresso Nacional
O lobby evangélico está cada vez mais presente no Parlamento brasileiro: em 2015, 80 pastores e bispos neopentecostais estarão entre os deputados. A presença política desse segmento no Estado laico aumentou 14% em comparação ao sufrágio de 2010.
— O Estado brasileiro é laico, mas não ateu, pois reconhece o espírito e o papel da religiosidade na sociedade — afirma o diácono, lembrando que, quando foi proclamada a República (1889), a Igreja Católica se separou do Estado, que se tornou então laico. Os brasileiros, porém, continuam a usar a espiritualidade na vida laica do quotidiano. Um exemplo é a expressão “Se Deus quiser”, dita com tanta frequência para se augurarem coisas do ego. O ser humano, historicamente, sempre quis ter o “poder” de controlar o destino.
— Não se pode misturar religião com a fé. É errado. Isso cria muita confusão. Os religiosos acham que podem adquirir poder com a fé na política, mas muitas vezes obtêm o contrário — defende Manuel Bernardo dos Santos, mais conhecido como Pai Bernardo de Oxum. Ele afirma que a fé nos santos ou nos orixás é algo delicado: um segredo que não pode ser aberto para manter o poder da fé. Os religiosos usam a política, como as pessoas fazem trabalhos para obter coisas materiais na vida: dinheiro, amor, empregos etc. A energia é usada para poder alcançar a matéria, mas não a alma.
—Não adianta querer algo que você nunca obterá, pois não chegou o tempo para tê-las na vida — acrescenta o pai de santo.
Não se sabe qual será o objetivo dos personagens do mundo pentecostal que foram eleitos em outubro, os quais revoltaram a sociedade civil por se posicionarem de maneira agressiva e discriminatória não só contra as religiões afro, mas também contra os direitos de homossexuais. Muitos candidatos a deputados foram apoiados por grandes líderes pentecostais e se elegeram com grande margem de votos com discursos considerados discriminatórios.
 
A umbanda como origem
A tese da religião como espaço de luta pelo poder é compartilhada pelo presbiteriano reverendo Marcos Amaral, que, no entanto, deixa claro que a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e as outras seitas formadas nos últimos 30 anos no Brasil não são consideradas evangélicas pela OMEBE, a Ordem dos Ministros Evangélicos no Brasil.
— O bispo Edir Macedo sempre desejou, em vão, que a ordem reconhecesse a igreja fundada por ele. Os cultos evangélicos tradicionais, como as igrejas presbiteriana e batista, embora tenham convenções religiosas, não atacam as religiões afro. Elas são respeitosas — afirma Amaral.
A mudança de postura de candomblecistas e umbandistas começou a se mostrar desde os governos Lula. A holding religiosa da IURD foi o berço para o nascimento de outras igrejas fundadas pela família de Macedo, como no caso de Soares, fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus. Segundo Ivanir dos Santos, a religião não é algo racional.
— Edir Macedo reparou que as igrejas reformadas e protestantes não tinham apelo popular por sempre terem sido racionais e cartesianas. Ele formou um culto para construir um espaço de poder — afirma Ivanir dos Santos, babalaô de uma religião oral e milenar.
Os cultos neopentecostais foram construídos sobre essa “magia” que se formou, graças a um patrimônio cultural de raiz africana.
Fátima Damas, umbandista e fundadora da CCIR, afirma que a intolerância começou com Edir Macedo quando fundou a IURD.
— Ele era umbandista e andava com Tancredo da Silva Pinto — recorda.
Segundo o pesquisador, escritor, músico e compositor Nei Lopes, o Tancredo, Tata Ti Inkice, conhecido também como o “Papa Negro da Umbanda”, teria sido o pai de santo do bispo Macedo.
— Conheço um dos ogãs que tocaram para o bispo. Macedo tem fundamentos religiosos na umbanda — assegura Pai Bernardo de Oxum, do terreiro Omolokô de Angola, localizado próximo ao Morro da Providência e da Central do Brasil, no Rio de Janeiro.  Tata Ti Inkice foi, além de escritor, compositor e sambista, um amado organizador do culto Omolokô no Brasil e o responsável pela reunião dos adeptos dos cultos afro-brasileiros em federações umbandistas para defender o direito de praticar a própria religião.
— A IURD é uma religião sincrética como a umbanda. Faz um amarrado cultural que deu certo. O culto do sapatinho de fogo é similar ao transe da umbanda, com incorporação, transe, enlouquecimento coletivo e a ação do Espírito Santo. A música é levada de uma forma que o corpo vai se mortificando. Aí começa a mensagem — acrescenta o reverendo Amaral.

Praticantes de cultos afro estão entre os principais públicos-alvo dos neopentecostais
O transe é a chave para entender a estratégia dos pentecostais para abastecer continuamente o rebanho dos fiéis, os quais, segundo estudos, pulam frequentemente de igreja em igreja, por não conseguirem obter aqueles desejos materiais esperados para mudar a própria condição de vida, a maioria das vezes pobre e dura. Os neopentecostais evangelizam e buscam continuamente praticantes nos cultos populares, sobretudo nas religiões afro, os quais têm conhecimento de transe, além disso, o brasileiro historicamente nunca teve dificuldades de praticar várias crenças, observa a antropóloga Ana Paulo da Silva.
— Nunca foi um crime para o brasileiro frequentar a missa católica de domingo e também tomar passes em algum centro de umbanda e candomblé — comenta. Com relação às religiões afro-brasileiras, ela lembra que existe uma série de preconceitos históricos contra estas religiões, como o fato de “ser associado aos negros, e estes, diretamente a tudo o que é ruim na sociedade brasileira”.
— Esta perseguição faz parte da história brasileira e os pentecostais fizeram ressurgir toda a base de preconceitos existentes a estas religiões, que datam desde a época da escravidão. Não podemos esquecer que estas religiões eram proibidas no início do século XX. Demorou muito tempo para serem aceitas legal e culturalmente. O branqueamento da sociedade vai além das fronteiras, pois, segundo Amaral, os pentecostais brasileiros são “colonizados” pelos pastores e o rico mercado gospel norte-americano — analisa.
As brigas judiciárias de conteúdo religioso foram a mola para os adeptos afro buscarem o caminho da política, onde se formou a Frente Parlamentar em Defesa das Comunidades de Terreiro, criada em maio deste ano. A frente ainda não é poderosa como o lobby evangélico, mas mostra uma tendência dos líderes dos terreiros de lutar pelos seus diretos também no Congresso.
— Os nossos ídolos de hoje são John Kelly, Stuart John Foster e outros — afirma o reverendo Amaral, frequentemente “mal entendido” no ambiente evangélico por ser a favor do diálogo ecumênico e ter uma visão progressista na sociedade. Igualmente preocupante é a ligação entre os neopentecostais com o narcotráfico, cuja quadrilhas proíbem ou restringem o culto das religiões africanas nas favelas brasileiras.
— O CCIR nasceu quando o tráfico ordenou o fechamento de todos os terreiros na Ilha do Governador — afirma Fátima Damas, fundadora da Comissão.
A intransigência em relação aos cultos de origem africana deve-se ao fato de que os traficantes, ou seus parentes, aderem às religiões neopentecostais, que associam a umbanda e o candomblé a manifestações demoníacas, mas na realidade o discurso serve para eliminar a “concorrência” religiosa. Por sua vez, o diácono da Arquidiocese, Nélson Augusto Águia, não esconde sua preocupação com a “teologia da prosperidade” proposta pelos neopentecostais, os quais, aproveitando-se da “carência interior” dos brasileiros pobres, a maioria descendente da diáspora africana, os “seduzem” ao mostrar uma fé que busca o poder e a prosperidade material — mas talvez ainda longe da liberdade espiritual. 

Perfil da IURD
Edir Macedo e seu cunhado Romildo Ribeiro Soares fundaram a IURD em 1977, a qual se tornou o maior grupo neopentecostal do Brasil. Segundo o IBGE, a jovem igreja possui mais de seis mil templos, quase 10 mil pastores e 1,8 milhões de fiéis no Brasil, e está presente em mais de 200 países. É a quinta maior instituição no país, sendo a quarta maior igreja neopentecostal e a 29ª maior denominação religiosa no mundo, com seis milhões de seguidores.

Comunità Italiana

A revista ComunitàItaliana é a mídia nascida em março de 1994 como ligação entre Itália e Brasil.